ENTRAVES PARA O SUS DAR CERTO: PEQUENO RELATO DE EXPERIÊNCIA

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Como discente em formação em psicologia, fazendo parte como bolsista do Programa de Educação pelo Trabalho (PET) versão Pró-Saúde, atuando na Emergência Adulto de um hospital geral de grande porte na cidade de Salvador, o qual foi contemplado com o programa SOS Emergência, após ter se passado mais de um ano, desde a vinculação que foi instituída com o intuito de ao mesmo tempo em que iríamos adquirindo uma formação mais crítica, próximo da prática cotidiana, deveríamos também contribuir para a afetiva implementação do que é preconizado pela PNH, o cenário que se vislumbra é desolador.

Apesar de alguns esforços refletidos no incentivo extra de verba pelo programa SOS Emergência e a criação do Núcleo de Avaliação de Qualidade Hospitalar (NAQH), os impasses que a complexa situação hospitalar retrata revela um profundo hiato entre o que é preconizado e a realidade. As dificuldades apresentam-se nos mais variados níveis, desde os aspectos básicos que dizem respeito à estrutura com total impossibilidade para uma boa ergonomia até aspectos da gestão, passando pelos profissionais, os quais somam uma série de mazelas que vão desde vínculos de contratação precários, quadro reduzido de pessoal diante da demanda, o que gera sobrecarga de trabalho, até o adoecimento adquirido no recinto cuja disposição e modo de funcionamento estão efetivamente dissociados do que é preconizado pela PNH.

Os investimentos revelam-se aquém do necessário frente à demanda, a falta de macas, colchões, ou materiais de ordem higiênica como fraudas e lençóis para garantir uma efetiva cobertura das necessidades dos usuários, os quais são certamente os maiores prejudicados apontam para tal constatação. Como o hospital também é unidade de ensino, somam-se alguns programas que acontecem voltados para o período de formação, o PET e o Permanecer possuem especial vinculação com essa dupla função de promover aprendizado e contribuir para o desenvolvimento/ fortalecimento da humanização, entretanto diante não apenas dos entraves mais tangíveis como também frente aos mais difíceis de serem modificados que são as crenças que subjazem as relações e modo de funcionamento da saúde pública, ainda como um modelo médico centrado, em uma equipe multidisciplinar que não atua de maneira interdisciplinar,  fazendo com que a troca inexista, o que se percebe por fim como diria Merhy (1999) “é um pacto de mediocridade, no qual o usuário sai sempre como o grande prejudicado”.

Assim, os entraves que impedem o efetivo funcionamento do SUS como ele foi pensado para acontecer são muitos, apesar de ser um direito assegurado pela constituição, a Saúde em seu sentido pleno ainda é uma conquista por se adquirir, mesmo vinte cinco anos depois da reforma sanitária… Certamente falta a população educação de assegurada qualidade que lhe garanta uma formação voltada para o pensamento crítico capaz de fazê-lo uma vez consciente dos seus deveres, apto a reivindicar plenamente pelos seus direitos fazendo com que os três poderes se unam para fazer cumprir o que é texto de lei além de desenvolver melhores critérios para eleger nossos representantes.

Aos políticos falta compreensão que o trato com o dinheiro público não pode ser para enriquecimento privado e que o compromisso assumido deve ser cumprido com o intuito de desenvolver a máquina pública não de escalá-la para interesses escusos. Aos profissionais falta melhores condições de trabalho e motivação, aos gestores uma nomeação que faça jus ao que deu origem a existência dos cargos de confiança, desatrelado desse jogo de interesses cuja volatilidade tem implicado constantemente em descontinuidade administrativa, caindo em uma politicagem. Aos programas que atuam em tais instituições efetivo preparo não apenas teórico mais técnico para empreender suas ações de modo a justificar plenamente as bolsas que recebem sem cair no assistencialismo ou em um funcionamento precário devido a baixa governabilidade.

Em fim, tratam-se de muitos aspectos, de muitos passos que necessitamos caminhar, até fazer o SUS efetivamente acontecer,  por enquanto como mais um dos entraves o Acolhimento está relegado a uma sala de ACCR cuja experiência no referido hospital fez com que em menos de dois anos esse fosse implantado, tempo depois parado de funcionar, voltado a acontecer em apenas dois dias da semana e hoje ocorre parcialmente de segunda a sexta, no período diurno. Quando chegarmos lá, o acolhimento contemplará toda essa rede tecida por usuários, trabalhadores, representantes políticos e demais elementos da sociedade… Certamente estamos lutando por essa construção mas, o choque de realidade revela que ainda se faz necessário mais ações, com muito esforço e consciência, sem receios ou covardia em busca da afirmação do valor da vida.

 

MERHY, Elias Emerson (1999). O ato de cuidar: a alma dos serviços de saúde?