Estupro não é sexo!
Estupro não sexo!
Esta semana o Ipea divulgou o estudo: “Tolerância social à violência contra as mulheres”. Os resultados são lamentáveis: 58,5% dos entrevistados concordam totalmente ou parcialmente com a frase "Se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros". Quando a frase é: "Mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas", o resultado ainda é mais assustador: 65,1% dos pesquisados concordam inteiramente ou parcialmente com tal afirmativa. A pesquisa ouviu 3.810 pessoas entre maio e junho do ano passado em 212 cidades do Brasil e (pasmem!) do total de entrevistados, 66,5% eram mulheres.
Coincidentemente, na ocasião da divulgação da pesquisa, estava lendo o livro, Longe da Árvore, de Andrew Solomon, exatamente no capítulo do livro dedicado ao tema do estupro. O autor estudou, especificamente, casos de estupros que resultaram em gravidez. Entrevistou mulheres estupradas, filhos gerados de estupro e familiares das mulheres vítimas. O estudo de Solomon foi feito basicamente nos EUA, mas ele colheu dados de outros países também.
Fica evidente no estudo de Solomon que a situação das sociedades que ele pesquisou não está muito diferente da nossa: a mulher é sempre culpabilizada pelo estupro. Solomon também aponta que a forma como a mulher se veste ou se comporta são apenas meios de escamotear a seguinte verdade: a grande maioria acredita que o que causa o estupro é a mulher, é ela quem provoca o desejo sexual no homem, independente do que ela faça ou de como ela seja.
O estupro tem raízes profundas na cultura machista que domina a maior parte das sociedades, isso é fato. O estupro é, sobretudo, um ato de dominação. No entanto, o fato de se conceber o estupro como um tipo de intercurso sexual, abre sempre essa dúvida sobre o desejo e a implicação da vítima: Será que ela realmente não queria? Será que ela não estava pedindo?
Talvez uma saída para esse problema seja destituir o estupro de seu conteúdo sexual. Partindo dessa premissa, o estupro não pode ser considerado ato sexual violento ou forçado, porque nem mesmo é um ato sexual. O ato sexual só pode existir com o consenso das partes implicadas. Sendo assim, estupro não é sexo, não é sexual, não é sexualidade. Estupro é violência pura e simples, e da pior espécie, porque é violência física, moral, emocional, espiritual e psicológica. A mais simbólica das violências. A mais impregnada de sentidos.
O estudo de Solomon também se aproxima do nosso quando conclui que as próprias mulheres se culpam e culpam as outras mulheres pelo estupro. Talvez exatamente porque, ao pensarmos no estupro, ainda entendamos o mesmo como uma modalidade de ato sexual. Ao longo da historia das sociedades, a sedução tem sido uma das armas mais eficientes e importantes do universo feminino, especialmente quando entramos no terreno da sexualidade. Acredito assim que, nós mulheres, ao interpretarmos o estupro com ato sexual, podemos cair na armadilha de acreditar que possamos ter contribuído com ele através de algum tipo de sinal ou aceno sedutor.
Apesar do resultado da pesquisa do Ipea ser lamentável, traz a tona um tema importante para ser discutido na sociedade, especialmente por nós mulheres. Por que se por um lado não podemos mais ser culpabilizadas pelo estupro, também não podemos nos tornar vítimas passivas desta violência tão abominável. O estupro não é nossa culpa, mas é nossa responsabilidade por fim a essa mazela. Uma boa estratégia seria conversar com nossas filhas sobre o tema. Eu começaria dizendo assim a elas: ato sexual, sexo ou sexualidade, implica numa entrega íntima que só pode acontecer com consentimento pleno das partes implicadas, qualquer coisa, além disso, não é sexo, é violência, a mais vil das violências e deve ser tratada como tal.
Por Maria Luiza Carrilho Sardenberg
Não me surpreende que muitas mulheres concordem e vistam a pele culpada da subjetivação dominante hoje. Este movimento faz parte do modo de dominação, ele é o modo de dominação que captura homens e mulheres ao mesmo tempo.
Vi outro dia o filme de Lars von Trier, "Ninfomaníaca". Do começo ao fim, Lars vai mostrando os mecanismos pelos quais os sujeitos contemporâneos, homens e mulheres, caem numa espécie de armadilha vivencial. Culpa, violência e reprodução do mesmo. E o passeio entre o lugar da vítima e do algoz, pelo qual transitam ambos, homens e mulheres, alternadamente.