COGESTÃO. REFLEXÕES INTEMPESTIVAS OU COLOCANDO NA RODA, PROVOCANDO CONVERSA….

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Aqui tudo começa sem começo, sem autor, como uma entrada na conversa pelo meio, também inexistente e desmedido, sem centro, que só exige uma vontade irrefreável de prosear…

O suposto autor não existe, sendo fruto de uma experimentação que se diz por si mesma e que inflexiona uma dobra, que podemos chamar subjetivação, que cisma, na heterogênese que a caracteriza, uma tomada para si que, se é singular, nunca se desloca da polifônica corrente que a submerge na onda que a provocou e que, inadvertidamente, pode ser tomada como  um princípio, mas que nunca teve e que nunca terá uma  origem precisa. Como diria Maurice Blanchot, esta é uma conversa infinita…

Fruto da estranheza de uma experiência, ela só quer provocar novos estranhamentos que, rompendo o silêncio, se façam estranhezas singulares…

 

Começo me referindo a gerencialismos, empresarismos, verticalismos do terror e em relação à forma como a máquina burocrática nos pressiona a todos, vampirizando intelecto e afeto, bloqueando nossa possibilidade de funcionar de forma potente, capturando-nos em reatividades que nos afetam a todos, independente de funções e hierarquias.

Saímos da dimensão da  ação inventiva para a da resposta obsessiva aos ditames de uma máquina que não é ninguém, mas intervem como uma entidade nas relações. Talvez por isto, nossa sensação de culpa e de busca de culpados, numa arena em que não pode haver culpa, porque é um jogo de forças comandado por uma máquina de relações pautadas no poder meramente burocrático.

É a esta maquina que reajo sempre, denunciando, quando as relações caem nela, apostando na expressão explosiva tão minha característica, que podemos sair deste comando absurdo a um Deus Máquina Absolutista.

Em nenhum momento, neste assunto, aposto em oposições ente o bom e o mau gestor, trabalhador ou usuário, já que todos, inadvertidamente, podem cair no mesmo jogo, lançados numa relação de forças que, quando tarefeira, desfaz qualquer possibilidade de negociação e, como tal, de congestão. Transitamos todos, nestas circunstâncias, sem muita percepção, da corresponsabilidade para uma responsabilização pessoal na qual os julgamentos pessoais abundam e, de partida, ninguém quer vestir a carapuça de incompetente que, sem percebermos, passa a ser o norte ordenado de nossas reações capturadas.

Há um tempo do macro e há um tempo do micro, inquestionavelmente. Deveríamos saber que eles são sempre necessariamente, por natureza, diferentes. Cogerir, como penso, é exatamente equivocar estes tempos, transversalizando-os em uma oblíqua que, conforme entendo, chamamos transverzalizacão. Transmutar a forma fria e morta da máquina, levando-a a considerar a forma quente e viva dos coletivos tem sido, me parece, o eterno desafio da PNH, em sua posição de meio, de franja, de limiar, de deriva nômade.
Muitas vezes, tomados pelos prazos e pressões, esquecemos nossa metodologia que é trazer o conflito para a roda, utilizarmos os analisadores e incluí-los na negociação, levando em consideração todos os envolvidos, buscando, na negociação, um comum sempre possível, nunca dado e escamoteado na naturalização do: estas são as regras, elas têm que ser cumpridas porque é o que deve ser feito. A prescrição e o prescritivo tomados na sua entificacao máxima. Desculpas cegas de nós todos.

A falta de tempo, a patinação nos procedimentos e nas normas, sempre imperiosos e urgentes, a morosidade das articulações e a entrada em negociação adiada, devem sim ser tomadas como analisadores, porém, são falsos problemas, porque não são os verdadeiros entraves, ao invés, são as nossas matérias primas de trabalho.

Nossas mensagens são sempre reativas, quando contém elementos de justificativas, de desculpabilizacões descabidas, pois desculpar- se com justificativas que nos parecem plausíveis é sempre se desresponsabilizar, culpando os outros. Neste sentido, desculpar-se e imputar culpas àqueles que, como nós, estão capturados pelo mesmo processo não faz nenhum sentido, não muda e não acrescenta nada à paralisação em que somos pegos na captura, sujeitados, impotentes ao Deus Máquina Absolutista Inquestionável.

Finalizo, reflito e afirmo quanto é potente o método de colocar na roda, quando isto não é apenas encarado como mais uma regra programática. Quando é buscado e construído por aqueles que, estrategicamente, constroem parcerias onde elas não parecem mais possíveis.

A generosidade metódica que, no sem tempo do macro, disponibiliza tempo, entendendo a preciosidade da conversa, permite, entre outras, coisas, refletir sobre o que em nós também ainda e captura. Mas ela nunca está dada de antemão. É preciso sempre construí-la com suor e esforço singular.

Ousar acreditar que aprendemos fazendo, ousar confiar na conversa com os companheiros, dando a cara a tapa, penso eu, são princípios inalienáveis da verdadeira cogestao.

Do olho do furacão absorvente à transição que o radicaliza para o até a vitoria, que é sempre libertação por fazer e em se fazendo, a ação coletiva, construída na diferença, no comum, aumenta sempre nossa potência de composição, esclarecendo equívocos, desde que nos abramos para a conversa, certos de que fazer diferente é sempre difícil, intenso, mas não impossível. Principalmente quando o que é possível, o que está dado, já é para nós já intolerável.
O não sempre está dado, buscar o possível, um sim construído no esforço, não é este nosso grande desafio, além do cansaço que nos paralisa? Este, penso eu, o desafio de construir o verdadeiro sentido de uma cogestão que, embora coletiva, começa por um ponto singular que, vibrando, se importa muito com isto.
Quem quer ousar um passo além do cansaço? Quem ainda ousa ser a contra-engrenagem que resiste ao sempre dado de um funcionamento de uma máquina despótica, instaurada em nossos serviços, a despeito de nossos desejos de mudanças já?
O método da roda nesta situação só pode ser um esforço trágico, mas inalienável de negociação. Sem isto, morremos como trabalhadores, nosso trabalho perde o sentido para nós, nos tornamos máquinas que, na sua condição ímpar, sofre e morre por ser apenas e tão somente máquina.

Subjetigrafado da experiência vívida por:

Miguel Maia