Lars von Trier e Quentin Tarantino – cinema e mundos possíveis
Apesar de todos os comentários sobre a inundação de violências nos filmes ‘Anticristo" e "Bastardos Inglórios", fui vê-los. São sublimes.
Embarca-se em outros mundos possíveis, de modos diferentes em cada um. E a beleza plástica é de tirar o fôlego! A violência faz parte dela. Para os que acreditam que não entrar em contato com algo violento é uma forma de antídoto `a violência, Caligaris faz uma lista interminável delas, do nascimento até nossa morte ( em crônica na Folha de hoje ).
Mas, não foi o sangue em Bastardos ou as sutilezas assustadoras do Anticristo que me "pegaram". Foram as encarnações de mundos possíveis, outros devires que nos espreitam a todo momento. Virtualizações acontecendo ao mesmo tempo que atualizações nas mãos do Lars von Trier. Que filme intrigante na forma esse!!! Achei maravilhoso e me senti um ET, pois alguns de meus amigos se nausearam.
"O caos reina!", diz um animal ferido. Frase assustadora, mas não se a tomarmos como um signo de que nada é fixo, nada está dado, tudo é possível, absolutamente tudo! Pura abertura do mundo. E aí lembro dos queridos guias Edu e Regina, fazer-se no caminhando…
Poderia ficar horas nesses devaneios, mas quero trocar com vcs as impressões/afetações vividas na experiência de ver os filmes.
NÃO PERCAM!!!
Iza
Por Marco Pires
Pois é. Ontem fui ver "Distrito 9" e tive essa sensação com relação aos mundos possíveis que surgem de nosso olhar. Sim. São mundos, em parte gestados no complexo de produção (direção, roteiro, atores etc) mas, mais ainda, em nosso próprio olhar. Munido que está de todos os recursos singulares que nos definem. Aquilo que achamos ser tão absoluto, e que no entanto é apenas a superfície das profundezas existenciais que partilhamos com toda a forma de vida que nos precede neste mundo.
Ainda estou tomado pelas imagens viscerais de um filme que nos propõe olhar para o ser extraterrestre da mesma forma como vemos nossos outros daqui mesmo deste planeta.
Primeiro, os povos do terceiro mundo, negros, pobres e desumanizados, pelo significado que transportam dentro de uma cultura de eleitos e condenados a priori. Em segundo, pelo outro que como nós é um ser vivo, o camarão.
Na apaixonada recusa do outro, encontrei a negação de si mesmo e da vida. De outro lado, a aceitação do outro, como parceiro na jornada existencial aparece em sua forma mais magnífica. A luta para preservar a si mesmo e a aos seus levada ao linite máximo: Recusar a si mesmo, aceitar o outro como a única forma de redenção possível.
A forma hibrida, que ao ser produzida bio-geneticamente, parece apenas refletir um hibridismo fundamental e ancestral que nos liga a outros mais distantes na forma, mas muito mais próximos em termos de tempo sobre o sol, em cima da terra.
Partilhamos algo de íntimo com os seres mais distantes na forma existencial.
Os insetos, os artrópodes, os peixes e toda a infinidade de seres "não nós", não mamíferos, não primatas, nos facinam, por que, como irmãos na condição de seres vivos e parceiros de ocupação da terra que nos nutre, eles nos ligam aos que já tiveram seu tempo e não o partilharam conosco: as milhares de espécies que existiram e sumiram antes de nós, animais humanos. Intuímos que nosso tempo irá passar e ansiamos por outros que contem nossa história aos que virão.
Nós que deliramos ser o supra sumo da criação, vamos vendo, dia após dia que somos a casquinha fina de um longo processo esistencial neste mundo e a rapa de uma longa linhagem de seres que habitaram e habitarão a galáxia.
No filme, milhares de ETs, abandonados a deriva em nossa atmosfera, perderam seus líderes e suas razões de ser: eram os operários de alguma outra cultura, que tendo sido alienados em sua sociedade, estão livres para novas alienações em nosso planeta.
São acolhidos e, paradoxalmente, aviltados por nós. De um outro mundo hospedamos um outro tipo de ser vivo e nos deparamos com o confronto com os exessos de nós mesmos. Nosso amor e nosso ódio pelo outro são sempre, ao mesmo tempo, amores e ódios por nós mesmos…