EXPERIÊNCIA DE 24 HORAS REFEM DE PRESTADORAS DE SERVIÇO NO BRASIL VIA GOL, COMPANHIA AÉREA

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Peço licença à RHS para que, parodiando o que se tem feito, eu faça uma crônica da vida cotidiana.

Aparentemente o assunto pode não ter a ver com SUS e saúde, mas tem a ver com o setor terciário e, no mínimo, com o impedimento de um trabalhador do SUS comparecer a uma reunião estratégica para seu trabalho, tendo a ver, inclusive, com a própria RHS. Sinto muito não estar na oficina de comunicação com vocês da RHS.

 Relatar publicamente a verdadeira tortura que eu sofri durante 24 horas é uma maneira de "produzir o muito enquanto muitos". Sem procurar me fazer de vítima ou buscar piedade ou consolo, acho que a experiência deve ser denunciada porque não fui o único humilhado e desrespeitado. Tenho certeza que os mal tratos correm todo o país e o mundo.

Toda situação vivida por um, enquanto pouco, vira muito e pode produzir o muito, quando reivindicada por todos aqueles que a sofrem e pela solidariedade cidadã daqueles que se indignam com qualquer tipo de desrespeito à vida.

São 15 horas do dia 14/04/2014, saio de casa exercitando meio direito de ir e vir constitucional, a fim de me dirigir ao aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro. Meu vôo está marcado para as 18h58m pela empresa de serviços aéreos GOL e, em situação normal, gastaria apenas cerca de 60 minutos para chegar ao meu destino. Por que então sair praticamente quatro horas antes?

Enfim, independente de qualquer serviço de transporte escolhido, moro numa cidade em que as condições de trânsito, sempre de ruins a péssimas, me fazem ter que antecipar o tempo gasto para não perder meus compromissos.

No caso, por estar viajando a trabalho, a atenção é mais do que recomendada, por cumprir meus deveres e, também, porque a perda do voo me obrigaria a providenciar transferência para outro voo, pagando uma taxa nada simbólica caso a transferência de voo seja possível, independente do motivo pelo qual tenha isto acontecido. Sempre me intrigou ter que pagar taxa para isto, se há vaga em outro voo da mesma companhia. Lembro, dos meus já quase 50 anos de existência, que isto é recente, antes as passagens aéreas eram válidas por um ano, já que imprevistos sempre acontecem.

O fato é que estou indo para uma reunião de trabalho para a qual estou animado e motivado, o assunto me interessa e ela é altamente estratégica para o serviço público ao qual me vinculo com prazer, relacionado ao serviço de saúde. Atuo, aqui isto é relevante, como psicólogo do trabalho, estando consultor para uma política que tem como princípio a busca de estratégias para as ações de humanização dos serviços públicos de saúde. Perder o voo é inconcebível para mim, pois a viagem está sendo paga através de verba pública.

Continuando a trajetória, é um dia de chuva intensa, o que me deixa ainda mais preocupado, pois as condições de trânsito se agravam em minha cidade. O mais cômodo e razoável seria contratar um serviço de táxi, porém, além de gastar cerca de 15 ou 16 vezes mais do que o faria utilizando o serviço rodoviário comum, em meu caminho há dois grandes obstáculos, a Ponte Rio-Niterói, caso tome um táxi, sempre com problemas, ou a BR-101, caso tome um ônibus, também sempre engarrafada, ainda mais em dias chuvosos. Poderia dizer que os alagamentos existentes são devidos a obras em preparação par um grande evento mundial, já que o Estado em que resido será uma de suas sedes, no entanto, faltaria com a verdade, já que os pontos de alagamentos e de afunilamento do trânsito sempre foram os mesmos em minha cidade, aos quais as obras, hoje existentes, só vieram acrescentar mais. Enfim os serviços de manutenção dos espaços urbanos, infelizmente, ainda não são nada eficientes.

Entre a cruz e a espada, escolho ir de ônibus, neste caso, além do serviço rodoviário deverei também utilizar o serviço aquaviário, nome contemporâneo que a empresa das barcas, que atravessa a Baía de Guanabara, escolheu para o antigo transporte marítimo. Soa realmente melhor, sem dúvida, não fosse o preço da passagem ter disparado de centavos, quando empresa pública, sem comparação com o preço da passagem de ônibus, ao qual era extremamente menor, para uma cifra hoje superior ao destas últimas. Mas ao que parece, em meu país, sempre se acredita que a gestão das empresas privadas, caso das barcas hoje, é melhor que a gestão pública de qualquer serviço. Como em outros, neste caso, apesar de as tarifas terem disparado, o serviço prestado perdeu em eficiência, apesar de ter ganho qualidade em aparência
Enfim, salvo o pequeno congestionamento na BR 101 e uma pequena espera para a travessia das barcas, já naturalizados, chego ao município do Rio de Janeiro uma hora e 30 minutos depois de minha saída de casa, são 16h30m. Um feito para dias chuvosos!

Devo também dizer que, na atual ambiência dos serviços rodoviários, portar uma mala é um verdadeiro malabarismo. O espaço já hiper reduzido para os humanos, com roletas com espaço que na maioria das vezes se estendem quase ao chão, para evitar que pessoas passem juntas ou crianças por baixo, como era comum nos velhos tempos, tornam a passagem da mala, da pasta e do meu corpo uma verdadeira questão de lógica de estratégias, sem contar que, atualmente, a solidariedade dos concidadãos nem sequer pode ser esperada, quanto mais solicitada. Coisas de outros tempos, quando as pessoas se ajudavam e os motoristas, com mais tempo, esperavam você se acomodar nestas situações, para evitar acidentes. Delicadezas já ultrapassadas pelo progresso civilizatório.

Mas enfim, está chovendo muito, estou na Praça XV, muito perto do Santos Dumont, cuja antigo caminho reto, através do calçamento público, obrigaria a uma caminhada de cerca de 15 minutos, em se portando uma mala. Mas, infelizmente, terei que percorrer um grande arco, devido a obras em andamento no centro da cidade que, aparentemente não planejadas, causou um verdadeiro transtorno ao cidadãos que precisam transitar. Levo meia hora, debaixo de chuva, pulando os buracos inundados deixados pela obra, contornando entulhos, andando na pista de rolamento em muitos pontos – as calçadas desapareceram – numa transloucada corrida com obstáculos, como vemos nas competições olímpicas. Vão sós, na cara e na coragem, eu, minha pasta a tira colo e minha mala de viagem.

Enfim, são 17 horas e estou dentro da porta de desembarque do Santos Dumont, molhado, mas ao menos protegido da chuva e num chão nivelado. Me sinto, em minha ingenuidade, entrando no paraíso da civilização do serviço aeroviário. Acho que o excesso de detalhes com o qual narro esta experiência é uma resistência para chegar novamente ao que, como verão, sem eufemismo, foi uma verdadeira 24 horas no inferno.

Delosco-me por dentro do aeroporto, do espaço de desembarque para o de embarque. Ao chegar, me surpreendo com a multidão ali existente em filas gigantescas, situação não muito normal, e recordo-me de ter reparado que, estranhamente, eram os guichês e o balcão da companhia GOL o ponto que concentrava, em minha estimativa, cerca de 80% das pessoas que lotavam o recinto.

Desavisados e desatentos, eu, minha pasta a tira colo e minha mala, atravessamos com certa dificuldade a multidão e galgamos a escada rolante para o primeiro andar. Alienado, ainda festejo ter feito meu check in pela internete, que suposta comodidade a me livrar daquela que, risonha de minha esperteza, parecia sussurrar: te aguado companheiro.

Cerca de 17h20m olho para o painel eletrônico para conferir meu voo, cujo embarque estava previsto para começar às 18h18m. Outra estranheza, o voo 1492 das 18h58m da GOL não constava deste painel, embora os horários abarcados terminassem as 19h30m. Continuo andando até o próximo painel, lá estava o voo, piscando, check in aberto, que suposto alívio! Mas como, os painéis do SDU não são todos sincronizados!? Para mim, um espanto!

Vou até o um dos poucos serviços de alimentação existentes e solicito algo. Novamente me indago o porquê de tudo nos aeroportos custar uma exorbitância em relação ao preço no mercado.  Por que, apesar do preço, a qualidade não é melhor? Seria pela falta de concorrência e pela pouca disponibilidade de tempo dos usuários, sempre correndo para pegar algum voo? Lógica do lucro alto com menor custo? Lógica do repasse financeiro dos custos dos estabelecimentos, que não devem ser baixos, para se manterem naquele espaço? Lucro, lucro, lucro, a despeito da necessidade das pessoas, é o que sempre penso.

Servido, procuro uma mesa disponível, não há. Por que as pessoas utilizam as poucas mesas fazendo delas um pequeno escritório, com seus notebooks e celulares  nunca desligáveis a postos? Não terão percebido que ali é um local para alimentação e que outros estão com bandejas a mão, aguardando lugar? Solidariedade ultrapassada pelos tempos, nesta era de conexões em que aparelhos eletrônicos são já parte do corpo humano. A conexão priva as afetabilidades, alienando o usuário em seu individualismo metálico, penso eu. Coisas do progresso civilizatório!

Enfim, sentando-me junto a uma pessoa sozinha, sorvo aquela que, mal sabia, seria uma das pouquíssimas e rápidas alimentações que faria nas próximas 24 horas.

Após comer, volto e sento-me em um banco em frente ao painel eletrônico no qual constava o meu vôo, já próximo das 18 horas. Começo a ouvir pelo serviço de som e ler no serviço eletrônico, aeroporto fechado para pousos. Reparo melhor o painel dos vôos, acordando de minha alienação individualista. A quantidade de ‘atrasado por condições meteorológicas’ e de ‘cancelado’ em relação aos vôos me chama atenção. Em relação ao meu, piscava vitorioso ‘despacho aberto’.

São 18h00m horas, resolvo adentrar a sala de embarque, embora nele não estivesse determinado a que portão devia me dirigir. Após passar pelo serviço de raios-X e me assentar em outro banco, também em frente a um painel eletrônico, mais um pouco de minha alienação ia se desfazendo. No painel já constava ‘previsto para as 19h30m’ em relação ao meu vôo. Só então me dei conta, a maioria esmagadora dos vôos cancelados eram da GOL e todos os anteriores que constavam no painel, fosse para onde fosse, estavam cancelados. Gelei com minha estupidez alienada!

A voz ecoou: “Infraero informa: aeroporto Santos Dumont fechado para pousos e decolagens devido às condições de tempo” e, em seguida, “aeroporto de Congonhas fechado, sem previsão de retomada”.

Minha estupidez acordou de vez: se não há condições de pouso, como anunciado na primeira vez, não pode haver decolagens no SDU. Vou olhar a pista. Vazia! Frio na barriga! A multidão lá embaixo não conseguira embarcar e tentava remarcar os vôos, era óbvio.

19 horas, como então já aguardava, o painel pisca para o vôo 1492 da GOL: CANCELADO. Mas uma outra percepção abalou os meus nervos, ao contrário das outras companhias que operam vôos, todos os vôos da GOL para o restante do dia foram cancelados em conjunto.

Me desembesto escada abaixo para correr para a fila que me aguardava de braços abertos, risonha desde o meu ingresso no SDU, gritando para mim mesmo: estúpido, estúpido, estúpido!

Para quem não sabe, uma vez ingresso na sala de embarque, a volta para os guichês e balcões só pode ser feita passando pela sala de desembarque e retornando ao espaço de embarque no térreo, percorrendo um espaço de cerca de 200 metros.

Quando lá cheguei, com a sensação de que andamos quilômetros, eu, minha pasta a tira colo e minha mala, o pandemônio estava formado. Cerca de 1000 pessoas lotavam o pavimento térreo. Já não se sabia aonde começavam e terminavam as filas. Uma percepção desesperadora, não havia nenhum funcionário da Gol a vista. Nenhuma informação havia sido dada de para aonde se dirigir. Era impossível se aproximar dos guichês e do balcão da GOL, dada a multidão que se apinhava neles. Gritos ecoavam por todos os lados, pessoas desamparadas e desesperadas circulavam perdidas em todas as direções.

19h30m, descubro o final da fila do balcão da GOL. Estimativa: cerca de umas 300 pessoas a minha frente. Certeza: Apenas dois funcionários da Gol atendiam no balcão. Nos guichês da GOL, quase em frente ao balcão, um pandemônio total, misto de pessoas e bagagens aglutinados, apenas cinco funcionários atendendo.

As primeiras perguntas que acorrem a esta cabeça de psicólogo do trabalho na situação vivida: como uma empresa cancela todos os vôos sem um plano de contingência para atendê-las? Como faz desaparecer seus funcionários exatamente no momento em que eles são necessários para controlar a situação gerada? Como não há a presença de nenhum gerente, nem sequer por serviço de comunicação, para dar explicações e organizar o caos? Por que somente a GOL cancelou todos os seus vôos do dia? Que estilo de gestão é este?

Entre gritos, protestos, palmas, frenesi, a fila lentamente andava. Na fila, conversando, descubro por um dos companheiros de suplício que, quando do cancelamento de todos os vôos, as bagagens despachadas foram devolvidas todas, independente do vôo, numa única esteira, gerando um verdadeiro suplício dos usuários para achar a sua no meio da multidão de bagagens e pessoas aglutinadas para recolherem as suas.

20h30m, ainda há cerca de 200 pessoas a minha frente. Sozinho, ficava difícil deixar a fila para qualquer coisa. Assim, para me acalmar, resolvi deixar a percepção do psicólogo do trabalho e do consultor me tomar, para aproveitar a experiência e aprender com ela.

Anunciado pelos alto-falantes que os pousos e decolagens foram retomados no SDU. Um frenesi de palmas ecoou no aeroporto. Mas para os usuários da GOL isto de nada adiantava, todos os voos cancelados significava tripulação dispensada, nenhum voo seria, portanto, retomado.

Assim percebíamos voos de outras companhias pousando de e decolando para destinos que eram os mesmos que os nossos, usuários da GOL. Por que somente a GOL não conseguia? Estariam as outras companhias arriscando a vida de seus passageiros? A GOL não teria condições de operação fora de situações normais? Perguntas inquietantes que me passaram pela cabeça?

Na passagem do tempo, fui apreendendo outras expressões que passavam pela cabeça das pessoas: “Será que o cancelamento dos voos significava esperteza, com a Gol não tendo condições de operar os voos, a despeito das condições meteorológicas”? “A demora no andamento da fila é proposital, a GOL quer que desistamos e saiamos daqui, para se livrar de nossos direitos”. “Eles não teriam que fornecer alimentação e hospedagem, por lei”? “Por que os serviços ao consumidor nunca têm representantes que apareçam nestes lugares, nestas situações, para fiscalizar o cumprimento das leis pelas operadoras de serviços”? “Minha empresa sempre escolhe as passagens mais baratas quando da escolha da viagem. Espero que desta vez eles lá aprendam que o barato sai caro”.

Próximo à meia noite, já me aproximando do balcão da GOL, reparo que em todas as outras companhias não há mais nenhum tumulto. O balcão da Avianca ao lado é fechado, o da TAM, mais a frente, e o da AZUL, um pouco atrás, embora contendo pessoas, não estão tumultuados. Somente os serviços da GOL continuam no pandemônio total. Por que?

01h40m, me aproximo da entrada do corredor, da cerca montada que separava a fila do balcão, cerca de 25 pessoas ainda a minha frente. Reparo que o atendimento, por pessoa, leva cerca de 30/40minutos e me pergunto por que tanto tempo. Por que há uma infinidade de saídas e retomadas ao balcão dos funcionários, num desfilar de papéis para lá e para cá?

Uma das atendentes da GOL sai do balcão e vem em nossa direção dizendo: “Olha, a fila dos guichês já está vazia, porque vocês não vão para lá também”?. Alguém responde: “Ué, vocês não informaram que a fila para remarcação era somente esta? Que a dos guichês eram somente para check in e não para voos cancelados”. A atendente responde: “Mas não estão todos os voos cancelados, eles lá também podem resolver isto?”.

Sem atentar para mais nada, voo para a outra fila, ficando como primeiro dela, outros poucos me seguem. Acho que ninguém mais, a esta altura, consegue acreditar em nada, preferindo não arriscar.

Duas horas da manhã, estou finalmente sendo atendido. Entrego o comprovante de check in e minha identidade ao atendente, reparo que os olhos dele estão vermelhos de sono. Um outro passa e diz para ele: “Ué você já não era para ter ido embora”? Ele apenas, sem responder, sorri um sorriso que me pareceu conformado. Penso comigo como é difícil ser trabalhador de operadoras de serviços à população.

O atendimento não durou nem 10 minutos. A única palavra que ele me dirigiu foi a pergunta de meu endereço de moradia, respondi. Ele pede um vauche para táxi à colega. Pergunto se meu voo tinha sido remarcado. Ele me diz que sim. Pergunto para que horas, ele me diz 08h58m. Uma nuvem que afasto passa para minha cabeça, lembrando que meu primeiro voo estava marcado para às 18h58m.

Explico que pela distância de minha residência e pela hora em questão, se eu fosse conduzido até em casa, chegaria na hora de estar voltando. Ele me diz que nestas condições não valia a pena eu ir, melhor ficar no aeroporto.

Por sorte, tinha antes ligado para um amigo, explicando a situação e solicitando abrigo, pois já ouvira na fila que a GOL não estava mais fornecendo hotel para os usuários. Como ele morava nas imediações, daria tempo de dormir pelo menos algumas horas. Pedi então que o atendente preenchesse o vauche para o local de moradia do meu amigo.

Enquanto ele o fazia, constrangido, liguei para meu amigo às 02h30m dizendo que estava indo para a casa dele, ao que ele, agradeço muito, respondeu dizendo que estava me aguardando.

Com vauche na mão e orientado que tinha que embarcar às 06h18m vou para a porta do SDU às 02h35m. Mais uma surpresa. O serviço de táxi utilizado pela GOL era referente a uma específica operadora, só podendo ser utilizada nesta.

Na frente do aeroporto havia dezena de táxis, mas nenhum daquela operadora. Uma atendente da Avianca que aguardava táxi da mesma operadora, me informou que estava ali há horas, mas os motoristas da tal operadora que chegavam se recusavam a leva-la, porque a corrida era pequena e eles estavam preferindo as distantes, por serem mais lucrativas. Como eu ia para mais perto ainda, ela se penalizou, dizendo, você não vai conseguir. Chega um táxi, ela diz para aonde vai e eu testemunho o motorista confirmando o que ela me disse. Pergunta que não quer calar: Por que as companhias aéreas se utilizam desta operadora ineficiente e desatenta? Porque nenhum funcionário das companhias estão na porta do aeroporto garantindo que os usuários sejam transportados, quaisquer que sejam os seus destinos?

02h55m desisto da espera. Pergunto a um dos taxistas ali parados se me levaria ao meu destino, muito próximo, ele diz: “É para agora”. 03h10m estou em frente a casa de meu amigo, pago 15 Reais do meu bolso, sem utilizar o vauche e, na fadiga, esqueço de pedir recibo. Meu amigo está me esperando na portaria do prédio, roxo de vergonha agradeço a ele e subo. Ligo para a operadora indicada e reservo um táxi para o SDU às sete horas da manhã, referindo-me ao vauche.

Ligo para o hotel em Brasília, cuja reserva tinha sido efetuada. Explico a situação e reafirmo a reserva para a manhã seguinte, sendo informado que, a despeito do cancelamento do voo eu teria que arcar com as diárias reservadas, mesmo não conseguindo chegar. Por que o serviço hoteleiro não é sensível a esta situação? Por que este tipo de coisa não é garantido por lei? Se não utilizo um serviço porque fiquei impedido no meu direito de ir e vir, numa situação que é facilmente comprovada, bastando um acesso pela internete ou mesmo uma comunicação direta com o aeroporto, porque tenho que pagar uma diária cujo usufruto me foi impossibilitado?

Lógica: lucro, lucro, lucro, independente das pessoas, apesar de serem serviços.

Mal durmo, devido ao cansaço. 06h10m meu despertador toca, acordando também meu amigo. Novo pedido de desculpas, novos agradecimentos, nova vergonha me cobre.

06h45m, nenhum telefonema da operadora de táxi. Ligo, falo da reserva, falo do vauche, falo minha localização e pergunto sobre o táxi. Estupefato ouço a atendente dizer que por causa das condições do tempo – chovia também nesta manhã – não tinha como prever o horário de chegada do táxi. Indignado, falo que perderei meu voo e cancelo o pedido. Como pode uma companhia aérea se utilizar de uma operadora de táxi tão incompetente?

Desço, pego um táxi em frente ao prédio em que meu amigo reside e chego ao SDU às 7h05m. Pago os mesmo 15 reais e, novamente, esqueço de pedir o recibo. Entro no SDU, percebo o mesmo princípio de caos se instaurando e entro na fila do balcão da GOL para reclamar dos vauches e pedir reembolso da diária não utilizada, já que o hotel me informara que deveria arcar com esta despesa. Umas 25 pessoas a minha frente e, como os anteriores momentos vividos, a fila não anda.

Na sequência uma repetição do mesmo. No painel pisca despacho aberto para o voo 1484 das 08h58m da Gol com destino à Brasília, para o dia 15/04/2014.

Permaneço na fila até 08h10m e o painel pisca despacho aberto. Desisto da fila, havia cerca de 18 pessoas a minha frente, caso o voo saísse, não teria tempo de embarcar.

Subo ao primeiro andar. São 08h18m hora do meu embarque, porém não entro na sala de embarque, pois o painel pisca despacho aberto. Tomo um rápido cafezinho, volto ao painel. Voo previsto para as 09h30m, era o indicado.

Nove da manhã, eu desço para a fila do balcão, já havia voo cancelado da GOL.

Chegando lá embaixo, o painel já trocara para voo cancelado. Me dirijo a atendentes da Infraero explicando a situação e que estava no SDU desde às 17 horas do dia anterior e ouço que infelizmente tenho que entrar na fila da GOL. Entro na fila com cerca de já 150 pessoas à frente.

11h00m recebo e-mail do Booking, reserva de hotéis pela internete, com notificação de que minha reserva havia sido cancelada, com o custo de 170 Reais. Também recebo resposta da empresa em que trabalho, avisando que não precisava cancelar as passagens, pois eles mesmos providenciavam isto e que teria que devolver a ajuda de custo depositada para a viagem. Porém, a despesa com o hotel e com os táxis eu teria que solicitar à GOL, eles não poderiam ajudar nisto de lá.

Resolvo, então, aguardar na fila, já que fui informado por um funcionário da GOL, que sequer parece ter ouvido minha pergunta, que para reembolso o caminho era mesma a fila em que estava.

13 horas nenhuma refeição foi ofertada pela GOL para ninguém da fila. Os dois únicos funcionários que atendiam a fila, numa repetição do que já havia ocorrido durante todo o dia anterior, desaparecem. Balcão vazio, atendimento parado, gritaria na fila exigindo volta do atendimento. Aparece um atendente, o povo bate palmas.

Gritos, exasperações, tumultos eram constantes, como no dia anterior. Exaurido, com sensação de impotência, como se eu fosse um detrito largado pela GOL, foi preciso nervos de aço para não desistir.

Fui atendido às 16 horas no balcão, após passar praticamente 24 horas seguidas dentro do SDU. Quando do meu atendimento, uma senhora de 73 anos se junta e, repelindo a tentativa de não acolhimento da funcionária, cuja fila, compreensivelmente, pressionava por entrada na fila para atendimento, diz que está se sentindo mal. A senhora explica que aguardava desde às 08h30m da manhã pela chegada de sua irmã, também idosa. Diz que o voo fora desviado para pouso no Galeão e que a Gol informara que sua irmã seria prontamente transladada para o SDU, aonde a encontraria. Explica que está preocupada, pela idade da irmã e também porque esta não conhece a cidade, sendo a primeira vez que vem ao Rio. Que sem mais conseguir informações e já não aguentando mais, se sentindo mal, gostaria de saber o que fazer.

Difícil mesmo não acolher esta história contada quase aos prantos por uma senhora de 73 anos. A atendente da Gol e eu ficamos atravessados pela história. Resultado. Expliquei que não queria remarcação, que o cancelamento da passagem já estava sendo providenciado pela minha empresa, que era quem realizou a compra. Meu objetivo era somente reembolso pelas diárias do hotel, com custo de 170 Reais.

Ela me disse que isto não era com ela, mas com o SAC da Gol. Pediu que esperasse e, enquanto atendia a senhora, digitava algo que eu não sabia o que era. Ao final, ainda atendendo a senhora, ela me entrega um documento com reembolso de 100% da passagem, que não era o que tinha pedido.

Sem mais forças para nada, solicitei um táxi para minha volta para casa. Ele me disse que no momento em havia sido reembolsado e que não mais embarcaria, não tinha direito a deslocamento, serviço só prestado para quem vai embarcar. Não importava as 24 horas sofridas durante o período em que eles se consideram responsáveis, por que importaria depois do reembolso da passagem? Para Gol eu era um caso solucionado a mais.

Enfim, sem forças eu desisti. Após enfrentar uma fila que durou toda a manhã e tarde, informado por um funcionário da GOL que era nela mesmo que tinha que resolver, atendido por alguém que não ouviu o que eu dizia e fez o que eu não pedia, informando que o que eu desejava não podia ser resolvido através do balcão, exausto, entreguei os pontos.

Saí do aeroporto, tentei pegar um táxi por minha conta, sem sucesso. À hora do rush, com corrida atravessando Ponte engarrafada, tendo que pegar BR 101 debaixo de chuva, nenhum motorista de táxi o faria, cheguei à conclusão. É a lógica do lucro, não de serviços prestados a uma população com suas necessidades o que importa. Aprendi a triste lição.

Debaixo de chuva, com fome, exausto, sem ânimo para uma parada para comer, fomos eu, minha pasta a tira colo e minha mala, caminhando. Já surrados e envelhecidos por um tempo em que as pessoas são luxo de extorsão de lucros ou lixo de exclusão, quando já não servem para nada para as prestadoras de serviço, passando a ser um estorvo do qual querem se livrar apressadamente, sem nenhuma consideração.

Fui até o terminal do Castelo, tomei um ônibus, peguei engarrafamento pelo caminho. Desci, tomei outro ônibus cheio, dando um jeito de me virar com a mala, que me atrapalhava e atrapalhava a todos, num micro ônibus que mal cabem pessoas, mas cujos idosos não podem entrar com seus vales transportes.

Cheguei às 20 horas em casa, com vontade de chorar e querendo poder apagar da memória do corpo e da memória afetiva estas 30 horas de pertencer à ralé humana, sem potência para modificar a máquina de fazer dinheiro e triturar almas em que se transformou o progresso civilizatório: artefatos humanos, cyber zumbis, em sua maioria individualistas, atletas do tirar proveito de tudo, de ter lucro a qualquer custo, conectados 24 horas aos circuitos alienantes do mundo eletrônico, mas, aparentemente, desconectados da vida e das pessoas vivas a sua volta.

30 horas refém do setor terciário, de prestação de serviços. Que serviços? A quem e para que se prestam estas engrenagens?

A GOL pode até alegar que o que se passou foi um incidente natural que fez a situação fugir ao controle, porém, ali mesmo a frente dela, todas as outras companhias lidavam com a mesma situação e, embora tenha havido algum tumulto por algum tempo nelas, certamente não foram 24 horas de pandemônio como o provocado e não planejado pela GOL. Não foram 100% dos passageiros que permaneceram no inferno, alguns, mesmo atrasados, seguiram o seu destino.

Não estou afirmando que os passageiros das outras companhias tiveram tratamento melhor, só eles podem dizer suas experiências. O que estou dizendo é que, durante as 24 horas em que presenciei, vivendo dentro do SDU, aparentemente as outras companhias tinhas planos de contingência e se organizaram melhor para o incidente natural. Porque chover demais pode acontecer uma vez ou outra, é um fenômeno natural, hoje praticamente previsível e informado.

A população sabe que o dia não é favorável e entende os atrasos e até os cancelamentos, ninguém quer voar sem segurança. O que ela e eu não compreendemos e indignados protestamos é a falta de respeito e a completa desconsideração pelo bem estar e segurança daqueles que, quando se compra uma passagem aérea, passa a ser de  completa responsabilidade da operadora, do momento em que se chega ao aeroporto até o momento de chegada no destino escolhido.