Laranjeiras e Elton Brum
Nas últimas semanas assistimos declarações indignadas nos meios de comunicação sobre o ato de barbárie perpetrado pelo MST ao "invadir" uma fazenda da CUTRALE e destruir 7.000 pés de laranja. De fato, a imagem de laranjais devastados não era uma coisa agradável de se ver. Porém, desagradável mais uma vez foi a forma como os meios de comunciação "cobriram" o coorrido com sua costumeira seletividade. A principal omissão: o fato de que a fazenda da CUTRALE era fruto de grilagem de terras. A segunda omissão: do sentido simbólico da derrubada de laranjeiras, a saber, um manifesto inequívoco contra a monocultura em terra publica ilegalmente tomada pelo interesse privado!
Com o passar dos dias fiquei ouvindo os comentários das pessoas, em rodas de família, nas filas de bancos, nas salas de aula. O que ficou disso tudo é que, ao que parece, a mídia vai ganhando sua batalha para demonizar o MST. As pessoas indignadas comentaram sobre a triste sorte dos laranjais e a fúria sem propósito desse povo baderneiro que só quer que gente vagabunda tire terra de quem trabalha nela.
Óbvio que aos meios de comunicação de massa, sob o controle dos interesses econômicos do agronegócio, não interessa de forma alguma mostrar as sentidos em disputa, pelo contrário, os meios de comunicação querem produzir o monopólio do sentido, moldar as opiniões e, no médio prazo, justificar posturas mais repressivas frente ao MST. O ensaio disso já se produz agora com a instalação da CPI que irá mostrar a todo mundo os bastidores dessa gente bárbara que destroi a vida de pobres laranjeiras.
Fica o silêncio…o triste silêncio…o inaceitrável silêncio sobre a morte de trabalhadores sem terra nesse país. Mortes noticiadas como se fossem resultados de simples ocorrências policiais, mortes sem nenhuma significação para quem está preocupado apenas com a saúde dos laranjais.
Recentemente perdeu a vida o sem terra Elton Brum, morto por um tiro dado pelas costas por um policial zeloso pelo cumprimento do seu dever. Nenhum comentário indignado de Alexandre Garcia, Boris Casoi ou Willian Bonner. Nenhuma análise de conjuntura de Miriam Leitão…apenas o silêncio….só o silêncio!
Pedro Munhoz, poeta e cantador gaucho, compôs um poema sobre a morte de Elton. Por esta obra, o artista tem sido sordidamente perseguido pelo aparato repressivo do (des)governo Yeda no Rio Grande do Sul. As armas dos artistas costumam ser sua arte. Em nome dela muita gente já foi queimada, mutilada, exilada, amordaçada. Mas passa o artista, fica sua arte! Pedro Munhoz imortaliza Elton Brum neste poema que deixo a seguir. Divulguem! Não será o fascismo assassino que nos fará esquecer que gente tem que valer mais que laranjas!
Quem contar traz à memória,
sabendo que a dor existe,
quando a morte ainda insiste,
em calar quem faz a História.
Pois quem morre não tem glória,
nem tampouco desespera,
é um valente na guerra,
tomba, em nome da vida.
Da intenção ninguém duvida,
quando matam um Sem Terra.
Foi assim nesta jornada,
quando mataram mais um,
o companheiro ELTON BRUM,
não teve tempo pra nada.
Numa arma disparada,
o Estado é quem enterra
e uma vida se encerra,
em nome da covardia.
Toda a nossa rebeldia
quando matam um Sem Terra.
É o desatino fardado,
armado até os dentes,
até esquecem que são gente,
quando estão do outro lado.
E vestidos de soldado,
todo o sonho dilacera,
violência prolifera
tiro certeiro, fatal.
Beiram o irracional,
quando matam um Sem Terra.
Quem és tu, torturador,
que tanta dor desatas,
desanima e maltrata
o humilde plantador?
Negas a classe, traidor,
do povo tudo se gera,
te esqueces deveras,
debaixo de um capacete.
Dá a ordem o Gabinete,
quando matam um Sem Terra.
Em algum lugar da pampa,
ELTON deve de estar,
tranquilo no caminhar,
jeito humilde na estampa.
E algum céu se descampa,
coragem se retempera,
outras batalhas se espera,
dois projetos em disputa.
Não se desiste da luta,
quando matam um Sem Terra.
Por Luciane Régio
Erasmo! Em 1997, em uma univ.particular onde eu estudava, abriu inscrições para projetos de pesquisas. Surgiram os mais variados, e eu propus conhecer mais sobre a realidade do MST. Na época, o projeto passou por etapas de avaliação e causava certo estranhamento, em se tratando da instituição (ofereceram-me para participar de um outro, da instituição em umas das vilas da cidade – até me inseri nesse tbém, mas puro assistencialismo). Como não desisti, foi aprovado. Realizei "pesquisa de campo com os acampados da Fazenda Alvorada em Júlio de Castilhos/RS" – bem conhecida por aqui. E, tive a oportunidade de estar durante 1 ano acompanhando "semanalmente" o processo de assentamento naquele local. Foi uma experiência sem igual. O difícil foi conseguir mais 3 colegas que topassem esta comigo. Imagina a cena, todos os sábados ou nos domingos – íamos de Opala (!) do sogro de um colega! Eu deveria ter mudado meu curso de graduação para Ciências Sociais (uma ideia ainda possível)! Informações distorcidas pela mídia? Triste a nossa realidade de mídia, eles não distorcem somente sobre os Sem Terra! Banalização da morte?! Mal do século 21: a indiferença? Daqui a pouco "luto" vai ser demodê! Até quando nós vamos com tudo isso? HU para o Post! Abraços, Luciane.