Subsídios, Carreira Jurídica e Distribuição de Renda: Todo o Direito tem um custo.

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Marco Pires 26/05/2014

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Há alguns anos o judiciário veio a público pleitear a substituição de seus vencimentos pelos chamados subsídios. Com isso prometiam que a sociedade iria conhecer o custo real da carreira jurídica de Estado. Além disso, se evitaria que um juiz ou desembargador pudesse extrapolar o teto de vencimentos do Presidente da República. Acabariam os “penduricalhos” os adicionais de salários e os ganhos pelo tempo de serviço. Contra o argumento de que iriam ter o mesmo salário independente do tempo de serviço, eles objetavam que se contentariam com vencimentos dignos.

Na semana passada soubemos pelas notícias de jornal, rádio, TV e internet que o Presidente do supremo Tribunal Federal fez pressão no senado federal pela volta do pagamento de adicionais por tempo de serviço aos trabalhadores do judiciário. Os senadores sentiram que era justo aprovar esta reivindicação da poderosa corporação do judiciário.

A questão é que sabidamente os juízes, assim como os médicos, compõem corporações poderosas e esclarecidas. Esse movimento baliza todo o jogo de interesses e as expectativas que a sociedade tem em relação ao futuro de médio e longo prazo. Nossos mais abastados servidores públicos especulam contra a capacidade de o Estado brasileiro de manter a atual política de enfrentamento da miséria e da exclusão social.

Eles estão mesquinhamente protegendo seus ganhos, em meio a uma expectativa de crise econômica iminente. Protegem-se do aumento de impostos. Consomem a riqueza que vai faltar para garantir os recursos necessários a manutenção do Estado de bem estar previsto na constituição de 1988.

Sem prosperidade, sem riqueza não há como garantir direitos. O bolsa família, o SUS, a educação, todos os chamados direitos são lastrados na riqueza que produzimos, na capacidade que temos de compartilhá-la e distribuí-la com equidade.

Pois bem, nossos juízes recebem seus ganhos do mesmo cofre de onde saem os recursos que pagam os cuidadores das crianças em situação de abandono, dos doentes, dos apenados e dos trabalhadores em geral. Assim, sabemos que é difícil que onerem o Estado brasileiro com gastos que possam fazer escassear os recursos de onde vem seus próprios proventos.

A judicialização da saúde é uma farsa descarada. Juízes não vão obrigar o Estado a gastar o dinheiro de seus próprios salários em direitos sociais. Além disso, sentenças judiciais e leis não podem, por si só, aumentarem os investimentos públicos. Já, como vimos reiteradamente, com relação aos salários de alguns, sempre se pode espremer um pouco mais os cofres da viúva.

O fato é que nossos mais dignos servidores não estão se contendo diante da voracidade com que a riqueza nacional, advinda do recente crescimento da economia brasileira, vem sendo dilapidada por grupos de interesse. Não, eles também querem a sua parte no banquete. A igualdade social e a distribuição de renda ficam para os discursos, já que a vida real é dura.

A busca por ganhos de renda e salário no Brasil deveria parar no teto definido pela média real da divisão de nosso PIB pela população economicamente ativa. Não pode ser maior do que isso. Se for assim, juízes e delegados, médicos e professores estarão ganhando seus salários através do saque dos recursos que deveriam ser destinados a proteção da dignidade e direitos humanos. Isso seria "enxugar gelo".

Estamos vendo que a mesquinhez de uma parcela dos servidores do Estado brasileiro (que tem rendas comparáveis a dos servidores das nações mais ricas do mundo) não tem limite. Daí julgar os pobres como consumidores de impostos em políticas de renda mínima é a pura e acabada definição da hipocrisia.

Mais detalhes:

https://www12.senado.gov.br/noticias/materias/2014/05/21/senadores-cobram-revisao-dos-planos-de-carreiras-de-magistrados-e-procuradores

“A concessão do benefício poderá levar essas categorias, que são remuneradas por meio de subsídio, a receberem acima do teto constitucional do funcionalismo público, hoje fixado em R$ 29,4 mil”.

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4 Comentários

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Por Luciane Régio

Achei ótima sua análise!!

Destaco duas partes que gritaram para mim…

"Sem prosperidade, sem riqueza não há como garantir direitos. O bolsa família, o SUS, a educação, todos os chamados direitos são lastrados na riqueza que produzimos, na capacidade que temos de compartilhá-la e distribuí-la com equidade."

"A judicialização da saúde é uma farsa descarada. Juízes não vão obrigar o Estado a gastar o dinheiro de seus próprios salários em direitos sociais. Além disso, sentenças judiciais e leis não podem, por si só, aumentarem os investimentos públicos. Já, como vimos reiteradamente, com relação aos salários de alguns, sempre se pode espremer um pouco mais os cofres da viúva."

Abraços, valeu yes

Luciane

    Por Marco Pires

    Obrigado Luciane. Me animaste. Mais umas linhas, então.

    Um forte abraço!

Por deboraligieri

Caro Marco.

O mesmo trecho que chamou a atenção da Luciane, também me cutucou aqui um pouco, porque você aponta algo que geralmente é omitido das análises sobre a judicialização da saúde: os interesses privados e econômicos dos julgadores. Essa é uma questão que deve ser debatida com afinco, pois o STF ainda não se pronunciou acerca das ações judicias enquanto forma de determinar o fornecimento de medicamentos e terapias pelo SUS.

As ações judiciais voltadas à implementação e aperfeiçoamento de políticas públicas, no caso de omissão ou lentidão do Estado, são consideradas pelas teorias sobre o terceiro setor como uma forma de controle social, ou seja, uma forma indireta da população exigir que suas necessidades sejam acolhidas e atendidas pelo poder público.

Há 2 exemplos práticos que confirmam que a judicialização da saúde promove sim melhorias na política nacional de saúde: o primeiro se refere ao tratamento da AIDS pelo SUS, exemplo para o mundo inteiro, que teve como mola propulsora as inúmeras ações judiciais com requerimento do coquetel; o segundo é a criação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias ao SUS – CONITEC, criada em 2011, após muito se falar na audiência pública sobre saúde do STF em 2009 que um dos grandes problemas da assistência farmacêutica do SUS era a falta de atualização dos protocolos, e da ausência de previsão da forma como isso ocorreria. Em ambos, as ações judiciais tiveram um efeito positivo (nos campos social e econômico) para a saúde pública.

Concordo contigo que o Judiciário brasileiro está muito afastado da população brasileira (nosso colega Rodrigo Vieira Ribeiro, que também escreve aqui na RHS, iniciou uma brincadeira falando do "HumanizaJuris" que, de fato, pode ser necessário para o melhor direcionamento do Judiciário), e que sempre privilegia de forma corporativa os interesses próprios, mas acho que além de uma limitação maior nos ganhos dos Juízes, na área de saúde seria muito diferente se eles também fizessem uso do SUS. Os tribunais pagam planos privados de saúde para os Juízes, o que de certa forma contribui para a indiferença deles em relação ao sistema e seus beneficiários. Além disso, um órgão público que é o Judiciário custeando (com o nosso dinheiro) a saúde privada de seus funcionários não passa um recado muito bom….

Sei exatamente qual é a diferença de apenas "litigar" contra o SUS e também fazer uso dele, porque sou advogada da saúde e usuária do sistema público, e percebo a diferença que isso faz na minha atuação quando comparada com a atuação de colegas que pleiteiam atendimentos para seus clientes pelo SUS. Com raras exceções, os que não usam o sistema apenas se preocupam com a concessão da liminar, e depois não se importam muito se o sistema funciona ou não, se os medicamentos estão sendo entregues regularmente ou não.

Infelizmente, com esse individualismo imperante na nossa sociedade, apenas quando sentimos na pele as delícias e as dificuldades da experiência prática é que lutamos para que os direitos sejam reconhecidos para todos, e melhorados para todos.

Muito bom você ter trazido este assunto pra cá também. Há algum tempo venho falando sobre a indiferença social e legal do Judiciário em relação às pessoas, e acho que isso só tende a piorar com as metas de julgamento do CNJ. No meu blog pessoal (e aqui também, mas sem separação de seção) relato um caso de processo de diabetes em que as necessidades vitais do meu cliente foram ignoradas pelo Juiz de 1ª instância desde o início do processo por questões ideológicas: https://deboraligieri.blogspot.com.br/search/label/Direito%20e%20Justi%C3%A7a%3A%20ant%C3%B4nimos%20ou%20sin%C3%B4nimos%3F

Juízes não deveriam ser máquinas produtoras de sentenças, mas pessoas que acolhem as necessidades das pessoas associadas às possibilidades e deveres do Estado. Da mesma forma, os interesses privados e econômicos da classe não deveriam se sobrepor aos interesses públicos, ainda mais quando envolvem o direito à saúde e à vida. Devemos ficar atentos de forma a pressionar o STF para que o direito universal a saúde prevaleça com a possibilidade de controle social via ações judiciais, não apenas na teoria, mas também na prática.

Grande abraço,

Débora

    Por Marco Pires

    Obrigado Débora.

    Cada parágrafo trata de um tópico e está muito bem fundamentado. Concordo com todas as observações que fizeste.

    Reforço a questão dos custos dos direitos. Na escassez, podemos ser solidários ou mesquinhos. Um diagnóstico situacional de nível macroeconômico revelaria qual o real custo da proteção social no Brasil. 

    O passo seguinte seria evoluir da renda mínima para a distribuição de renda. Mas esta não é uma tarefa que possa ser formulada em políticas públicas. Políticas públicas emergem de plataformas eleitorais vitoriosas.

    Imagine um candidato vencedor que tenha dito ao eleitorado que o problema da saúde mental tem sua etiologia principal na qualidade das relações familiares, comunitárias e sociais. Pense numa plataforma vencedora que indique as micro políticas do cotidiano como as mais importantes causas dos problemas com as drogas, da violência contra a mulher, contra os idosos e contra as crianças e muitos outros…

    Trata-se de uma questão de colocar o problema social em sua dimensão mais ampla e enfrentar as questões mais urgentes. Desse modo seria possível otimizar o consumo de recursos. Faríamos cortes de despesas a partir de critérios técnicos, de acordo com seu potencial de resolutividade e impacto epidemiológico.

    Para sabermos se podemos bancar os Direitos Sociais e Humanos de acordo com o que a Constituição Federal prevê, seria importante saber se de fato temos os recursos necessários. A consequência direta, seria sabermos o que sacrificar em nome dos direitos básicos e das garantia individuais. Isso não acontece, justamente porque há uma distribuição desigual e irracional dos recursos públicos. Pouca gente se beneficia muito dos impostos recolhidos de todos. E muita gente vive à margem do Estado democrático de direito que é a justificativa que legitima a própria arrecadação de impostos.

    A beleza na formação da riqueza pública é a solidariedade implícita no fato de que os sadios, trabalham e pagam pelo tratamento dos doentes. No fato afetivo de que os letrados financiam a alfabetização das crianças. Na verdade de que as gerações passadas emprestam às futuras as condições para o conforto que nunca tiveram…

    Nesse sentido, é que acusei a farsa da judicialização do direito à saúde. No limite, o juiz deveria dizer de onde o recurso para efetivação da sentença será tirado; o político apontar quem perderia seu lugar de privilégio com a atenção as pessoas em situação de vulnerabilidade; e a sociedade como um todo, ser madura o suficiente para suportar estes custos.

    Atualmente, estamos tomando emprestado de um futuro incerto, as pretensas garantias de nosso bem estar. Dá para compreender a desconfiança que paira no ar. O que não tem um sentido potente é a recusa de entender, ou explicitar, as razões de nosso medo.