Imagens e Reflexos
“Um brinde aos loucos. Aos desajustados. Aos rebeldes. Aos criadores de caso. Os pinos redondos nos buracos quadrados. Aqueles que vêem as coisas de forma diferente. Eles não curtem regras. E não respeitam o status Quo. Você pode citá-los, discordar deles, glorificá-los ou caluniá-los. Mas a única coisa que você não pode fazer é ignorá-los. Porque eles mudam as coisas. Empurram a raça humana para a frente. E, enquanto alguns os vêem como loucos, nós os vemos como geniais. Porque as pessoas loucas o bastante para acreditar que podem mudar o mundo, são as que o mudam.” – Jack Kerouac
Acredito que muitos Humanautas já viram este texto citado dentro de outro blog, aqui mesmo da RHS, dentro do Folha de Lírio do Raphael Henrique Travia: https://redehumanizasus.net/78980-um-brinde-aos-loucos
Mas não vou dissertar sobre saúde mental na minha postagem de hoje, pois sanidade mental é algo complexo de se falar em ano eleitoral. Geralmente eu escrevo sobre o diabetes na perspectiva de alguém que faz o tratamento da doença.
Há 28 anos sou diabética. Na mesma época do meu diagnóstico, meu pai foi diagnosticado como bipolar (em 1986 o termo que se usava era "depressivo"). Em função disso, tive dificuldades de convívio com ele, que se fez ausente em muitos momentos importantes da minha vida, e me familiarizou com manicômios. Mas antes de ser um bipolar, ele era meu pai, ao mesmo tempo herói e vilão, dependendo do momento pelo qual passávamos. O amor que sentia e sinto por ele me fez amar o mundo como é, imperfeito e cheio de possibilidades (ainda que não concretizadas). O tumultuado convívio com meu pai me ensinou a aceitar a anormalidade de tudo e de todos, sem fazer distinção de rótulos. Menos para mim.
Há 28 anos sou portadora de diabetes, mas já existia antes disso. Trabalhando e lutando em prol dos portadores da doença com mais intensidade no ano de 2013, acabei incorporando o diagnóstico à minha personalidade. Assim, de mãos dadas com a minha bioidentidade, me apresentava como diabética. Mas esta é uma definição que, por vezes, nos fecha em nichos de doença que, se por um lado nos confortam pela identificação de parceiros de experiências, por outro lado afastam o potencial de relacionamento mais múltiplo com outras pessoas – portadoras de diabetes ou não.
Antes de ir para a IV Mostra Nacional de Experiências em Atenção Básica/Saúde da Família, depositava no diabetes todo o valor do meu trabalho, mas chegando lá me descobri ativista em saúde. Conversando sobre o assunto com outros humanautas no CiberespaSUS, principalmente com Raphael, percebi que o foco das nossas ações podem se direcionar para a doença ou para a saúde. Mas direcionando as ações para a doença, fechamos o círculo dos relacionamentos no diagnóstico clínico; direcionando as ações para a saúde, trocamos experiências diversas de vida com pessoas que nos fazem crescer como seres humanos, e não apenas como portadores de doenças.
Há 37 anos eu nasci e meu pai me chamou Débora. Não somos perfeitos eu e ele, somos humanos. Para ele fiz esse poema, e também para ele, meu vilão e meu herói indefinidamente, dedico meu trabalho, para a melhoria da saúde de todos nós, portadores de doenças crônicas ou não:
Cartão de aniversario
meu primeiro homem era vagabundo
para o trabalho e para o dinheiro
mas laborioso para o amor
faltou muitos dias no serviço
acumulou dívidas
mas amou-me o suficiente
para reconhecê-lo meu pai
Por Raphael
Não digas: "o mundo é belo".
Quando foi que viste o mundo?
Não digas: "o amor é triste".
Que é que tu conheces do amor ?
Não digas: "a vida é rápida".
Como foi que mediste a vida ?
Não digas: "eu sofro".
Que é que dentro de ti és tu?
Que foi que te ensinaram
Que era sofrer?
(Cecília Meireles, Cântico VIII)
Acredito que muitos Humanautas já viram este poema citado dentro de outro Blog, aqui mesmo da RHS, querem adivinhar? Sim foi dentro do Diabetes e Democracia da minha amiga Debora Aligieri https://redehumanizasus.net/80968-diabetes-e-democracia.
Mas calma, calma não vou dissertar sobre Diabetes na minha postagem de hoje, e Democracia é algo comp lexo de se falar em ano eleitoral. Geralmente vocês estão acostumados a ler o que eu escrevo sobre o CAPS e a Saúde Mental na perspectiva de alguém que fez tratamento lá, ou seja um EX-CAPS.
Sei que já contei minha história outras vezes, e que inclusive dei entrevistas de relatos que já estiveram na nossa fila de votação e na internet ainda estão (EN) CENA https://redehumanizasus.net/64880-transtorno-bipolar-e-possivel-vencer
A essa altura quem costuma ler minhas postagens sabe que em algum momento da minha vida o transtorno bipolar apareceu definitivamente… foi no verão de 2010, no feriado de Páscoa.
Quando iniciei o tratamento no CAPS III de Joinville, a peça de teatro que estava sendo ensaiada era a primeira da trilogia “indignAÇÃO” onde nós pessoas com transtornos mentais gritamos o quanto somos ainda tratados como mortos pela sociedade. Cada personagem usava uma plaquinha que servia de rótulo, no fim da peça a plaquinha era retirada e jogada ao chão…desfeito o rótulo cada pessoa dizia seu próprio nome.
Mas eu adorava a minha plaquinha, eu adorava meu rótulo BIPOLAR, pois ser Bipolar justificava algumas ações e reações que eu tive durante a vida, era como se aquilo fosse algo fora de mim, que chegava para despertar o vilão da história.
Minha psicóloga até falava “ engraçado você gostar tanto desse rótulo, a maioria das pessoas detesta”
Durante a crise de 2010 a minha pressão arterial subia e descia de forma tão maluca como numa Montanha-Russa, algumas vezes estava 18×12, 23×13 e 7×9, e fisicamente eu não sentia nada.
A montanha Russa me faz lembrar o desenho “Caverna do Dragão”, esse desenho é baseado num famoso RPG, onde um grupo de jovens entra numa montanha Russa e acaba sendo teletransportado para um mundo onde precisa enfrentar vários monstros e perigos para ser merecedor de tentar voltar para casa, o episódio final nunca foi produzido, mas duas versões foram amplamente divulgadas pela internet:
No final não oficial você descobre que na verdade a montanha russa quebrou e aquelas crianças foram mandadas para o inferno, pois não foram “boazinhas” em sua vida terrena.
E que eram constantemente iludidas pelo “Mestre dos Magos” velho de aparência boa que os obrigava a resolver todos os problemas daquele reino, mas na hora em que eles poderiam voltar ao seu lar aparecia sempre o “Vingador” jovem, rebelde e maligno que os impedia.
E no final das contas o Mestre dos Magos e o Vingador , o bem e o mal eram dois lados da mesma pessoa!
Acredito que essa foi minha primeira vivência no CAPS tão ,tão distante de Joinville.
Aquela “bondosa” equipe multiprofissional, tentava fazer com que eu seguisse o tratamento no CAPS… eu jovem e rebelde não tomava os remédios direito e ainda questionava algumas coisas de uma forma vamos dizer “incisiva demais”… no fim das contas percebi que tinha ido voluntariamente ao manicômio, o inferno, essa era a lógica “Antimanicomial” daquele Reino.
No final oficial da Caverna do Dragão, o grupo de jovens é dividido, metade continua a obedecer o Mestre dos magos e os outros são guiados pelo Vingador, o desafio final é conseguir a chave que abre a porta de saída daquele “lugarzinho”. Na cena final o grupo de jovens resolve suas divergências e decidem abrir o portal ao invés de jogar a chave no abismo, ao que uma luz resplandece sobre o Vingador que se regenera e faz as pazes com seu pai O Mestre dos Magos. Em agradecimento aos jovens o Mestre dos Magos abre um portal que poderá os levar de volta ao seu mundo. Dizendo “Vocês estão livres e podem ir para casa, mas se quiserem também podem ficar, temos muitas coisas a resolver ainda e infinitas aventuras para viver”
Essa foi minha segunda vivência em CAPS, agora sim no CAPS III de Joinville.
Depois de muitos momentos felizes e alguns conflitos também, descobri realmente quem eu era e o remédio certo que precisava tomar, além do remédio consegui estudar, trabalhar e ser feliz tendo preservado o meu direito de delirar… Sempre agradeço e sempre vou agradecer mesmo que ela não goste a Terapeuta Ocupacional Ana Lúcia Alves Urbanski, que acreditou em mim em momentos que os outros não queriam acreditar… Até que o delírio se tornou realidade e ano passado eu voltei, voltei ao trabalho e a vida que todo mundo julga ser normal.
No começo deste ano tive a oportunidade de encontrar humanautas fantásticos, cada um que estava ali poderia ser um super-herói da utopia real que é fazer o SUS dar certo! E no meu caso deu certo e continua dando certo, por tempo indeterminado, não quero ir para o outro lado da força…não vou por enquanto.
Respondendo ao questionamento central do Cântico de Cecília Meireles “Que é que dentro de ti, és tu?
Eu já existia antes do delírio e também existo depois.
Dentro de mim existe o espectro bipolar, mas ele é uma pequena parte de mim… não sou apenas isso, há também uma vontade enorme de fazer algo fantástico, ficar famoso… há também um rapazinho talvez meio chato e que insiste em não deixar-se engravatar, existe ainda alguém que gosta de cumprir desafios um deles foi este de escrever um post dialogando com a minha amiga Debora Aligieri… espero que vocês votem e comentem bastante que assim a gente vai logo para a página principal da RedeHumanizaSUS.rsrsrs.|
Mas o melhor é que existe dentro de mim um lugar comum onde nenhuma deficiência pode me marcar, pois como seres humanos somos iguais…
E como ser humano, sou chamado pelo nome que minha mãe escolheu
Apenas e simplesmente
Raphael.