Violência Conjugal (repassando)
No artigo Violência conjugal: as controvérsias no relato dos parceiros íntimos em inquéritos policiais, as pesquisadoras Kathie Njaine, da ENSP, e Anne Caroline Luz Grüdtner da Silva, Elza Berger Salema Coelho, da Universidade Federal de Santa Catarina, investigam as motivações da violência dos casais segundo os depoimentos de homens e mulheres registrados nos 172 inquéritos policiais (IP) da 6ª Delegacia de Polícia de Proteção à Mulher, à Criança e Adolescente de Florianópolis, Santa Catarina, do ano de 2010. “Este tipo de violência traz graves consequências à saúde da mulher, como o aumento das taxas de suicídio, do uso de drogas e álcool, e outros agravos; como cefaleias, traumatismos, problemas gastrointestinais, ginecológicos, doenças sexualmente transmissíveis, gravidez indesejada, aborto espontâneo, distúrbios alimentares, depressão e ansiedade”, informam as autoras.
Segundo o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a violência conjugal contra a mulher também se reflete na perda de produtividade, diminuição do desempenho no trabalho, absenteísmo laboral e perda do emprego.
De acordo com o artigo, a maioria dos casais da pesquisa era separada ou divorciada (58,72%), e mais de 55% conviveram entre 1 e 11 anos (30,80% entre 1 e 6 anos, e 25% entre 6 e 11 anos). Dos homens, 36,04% estavam na faixa entre 31 e 40 anos de idade; 40,7% estudaram de 9 a 12 anos; e 92,44% estavam empregados. Das mulheres que registraram violência, 34,30% tinham entre 31 e 40 anos de idade; 33,13% estudaram de 9 a 12 anos; 97,10% estavam empregadas.
O abuso de álcool e de outras drogas, como cocaína e crack, aparecem em grande parte dos depoimentos das mulheres como o motivo ou desencadeador da violência. O ciúme, evidenciado pelas suspeitas de traição e comportamento controlador, por sua vez, é relatado pelos homens como o motivo da agressão. “Os homens ao assumirem a violência exercida culpam a mulher de serem responsáveis por seus atos ou minimizam a situação, e dizem ser vítimas de violência cometida pela companheira. Eles não reconhecem suas atitudes como violentas, banalizando na maioria das vezes as consequências dessa violência”. Segundo o artigo, as declarações trazem conotação de justificativa e naturalidade, como se fosse a única atitude possível de ser tomada, explicada como um ato de legítima defesa e minimizada.
O estudo indica que questões culturais de gênero e socioecônomicas estão relacionadas a este tipo de violência. Conceitualmente, a violência contra a mulher é reconhecida como um fenômeno social e da saúde pública, encontrada em diferentes tipos de cultura e classes sociais, se apresentando sob várias formas, dentre elas a que ocorre entre parceiros íntimos dentro ou fora do ambiente doméstico, conhecida como violência doméstica (qualquer comportamento dentro de um relacionamento íntimo que cause dano físico, moral ou sexual ao companheiro). É praticada pelo parceiro ou cônjuge dentro de um relacionamento íntimo, e também pelo ex-parceiro quando a relação termina.
Para as autoras, a maneira de ampliar o foco da discussão da violência contra a mulher passa pela compreensão de tal temática como uma forma de violência de gênero, que diz respeito às relações de poder e à distinção entre as características culturais atribuídas a cada um dos sexos e suas peculiaridades biológicas. “O uso do poder do homem sobre as mulheres pode estar na base da violência exercida contra elas, e seria uma forma de dominá-las e controlá-las, principalmente se a vítima for sua parceira numa relação conjugal”, indica a pesquisa.
Dados revelam que, no Brasil, entre as mulheres que relataram ter sofrido algum tipo de violência, 46% informaram agressão física, 33% ameaça e 15% violência sexual. Dos homens entrevistados, 15% relataram ter cometido agressão grave contra a mulher, destes 34% agrediram fisicamente, 9% ameaçou e 2% obrigou a mulher a manter relação sexual
O artigo aponta a Delegacia da Mulher como porta de entrada para os relatos de violência doméstica, podendo contribuir para uma nova etapa nas relações conjugais de quem procura este serviço. As informações contidas nos inquéritos policiais e processos penais, gerados após denúncias de violência entre casais, segundo as autoras, são dados oficiais desta realidade, que podem não representá-lo no todo, mas fornecem questões valiosas sobre um fenômeno que ainda é silenciado.
O artigo Violência conjugal: as controvérsias no relato dos parceiros íntimos em inquéritos policiais foi publicado na Revista Ciência e Saúde Coletiva vol.19 n.4, de abril de 2014.