TARJA BRANCA e o devir-criança

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Infância perdida?

 

Tarja branca é o nome do filme de Cacau Rhoden com lançamento para dia 19 de junho em São Paulo. A brincadeira com a expressão "tarja preta" é bastante oportuna nestes tempos de novos e abundantes transtornos psíquicos a emergirem como subprodutos de uma indústria farmacêutica ávida por novos consumidores.

Brinca-se também com a advetência inócua dos tarjas pretas, "venda sob prescrição médica: o abuso deste medicamento pode causar dependência", convocando-nos a usar e abusar da tarja branca. Maniqueísmos à parte, o nome chama a atenção dos mais ligados nos modos de vida excessivamente codificados e medicalizados que vivemos hoje. E especialmente quando se pensa que a infância poderia estar sendo roubada nessa reedição da velha fórmula do "adulto em miniatura" de tempos passados.

O filme traz uma polifonia de depoimentos de pessoas comuns, pedagogos, artistas, escritores, psicanalistas, entre outros, que dão o tom da emergência de um "algo a mais" que o próprio diretor não esperava a princípio produzir. À medida em que desfilam as falas, misturadas com belas imagens de crianças brincando, um devir-outro do brincar vai se apresentando como uma experiência de reencantamento da dimensão lúdica na vida dos homens. Que parece estar soterrada hoje pela figura subjetiva do "homem sério" de que o capitalismo precisa.

Contrariando os depoimentos que caminham na linha da melancolia de um tempo perdido, surgem as manifestações da cultura popular como um “lugar” onde isto não teria se dado. Abre-se aqui a possibilidade de outras leituras, menos saudosistas da ingenuidade perdida da infância, pois os homens brincam ainda e muito. Mas, que homem brinca?
Há que se fazer aqui um desvio, uma modulação da questão aparentemente trazida em algumas falas como a infância perdida, na qual podemos embarcar rapidamente e perder outras dimensões talvez mais fecundas e radicais do brincar.

Um dos brincantes contumazes é um nordestino que insiste em dar expressão para o seu “cavalo marinho”, mais importante que a família, os amores e sem o qual ficaria difícil viver.
“A liberdade é perigosa, o sonho é perigoso…”, diz outra voz, bastante antenada com o devir-criança da brincadeira.

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Tá tudo dominado?

À idéia de que se deixou de brincar, seria preciso contrapor a existência de processos de captura que tomaram de assalto o brincar. Sabemos que hoje o capitalismo regula todo e qualquer modo de vida. Tudo é colocado a seu serviço. Não mais interditar, mas controlar e regular é a missão. Tal lógica não poderia deixar de estar presente também na dimensão lúdica do viver.

A liberdade, a plenitude, a inteireza do ser é o que pode estar sendo roubado nestas formatações contemporâneas da vida. Podemos sim, crianças ou adultos, brincar, desde que isto esteja regulado por uma função e que nada desta experiência produza linhas de fuga da lógica “produtiva” que nos circunscreve. É o caso das práticas e saberes que pensam o lúdico como via de acesso privilegiado à infância, tomando-o numa dimensão utilitária, matando a liberdade do gesto e a intensidade dos afetos em jogo. No lugar do ócio, agendas abarrotadas de brincadeiras dirigidas sempre para um fim.

A figura do esgotamento – idéia desenvolvida por Nietszche, Musil, Deleuze e Blanchot, entre outros, e retomada pelo filósofo Peter Pal Pelbart em seu último livro “O Avesso do niilismo – Cartografias do esgotamento” ( São Paulo, n-1 edições, 2013 ) – comparece no filme. Não é mais possível viver assim, sem tempo, sem espaço… sem nada. Trata-se de formatações sociais que vão chegando ao seu limite. “Indícios de um deslocamento em curso (…) pontos de estrangulamento, através dos quais, nos avessos do niilismo biopolítico, se liberam outras energias, visões, noções (…) os contramovimentos do presente”.

 

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