A fala séria do brincar

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Vamos imaginar. É ano da Copa do Mundo, e na escola, quando a diretora precisa adequar o calendário escolar, é a primeira coisa que cai: vamos diminuir o tempo do recreio, não precisa de tempo para brincar.

A reação é instantânea. Alguns alunos jogam papel, outros chutam lixeiras. Os mais exaltados – os 'vândalos' – são levados para uma conversa na diretoria e tomam advertência. E na cabeça de qualquer um, vai a velha máxima: Você vem para a escola para brincar?

 

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Fala sério! É. E é sério. Tarja Branca fala sobre isso, sobre a importância do brincar. E aqueles que defendem uma vida mais criativa e brincante saem do cinema felizes: Ufa! Sou mais um. Ou somos mais que alguns. E esse é o ponto alto do filme, a de conseguir muita gente animada e criativa para falar seriamente sobre o brincar. Falas que, como tudo na vida, não são sempre homogêneas. Há uma polifonia sobre o brincar, e só com esse ponto o filme teria feito muito para o debate sobre como vivemos. 

 

 

Mas com certeza, o filme traz mais.

Em tempos onde a ação política tem se espalhado por diversos espaços, nas mídias sociais, nos filmes independentes e nas ruas, Tarja Branca nos convida a refletir sobre essa forma como estamos lutando por uma Revolução. Não falta aí a voz da criança?

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Releitura de Bansky por Alex Frechette https://coletivocarranca.cc/banksy-da-copa/

 

Há tempos viemos reproduzindo esse modelo de luta onde cada qual fica de um lado, os que gritam contra a sociedade como ela está, e aqueles que, do outro lado, preferem as coisas como estão. Mas é aí que a brincadeira fica séria. Tarja Branca mostra isso: a luta contra uma vida onde só se presta trabalhar só pode ser uma brincadeira. Ou melhor dizendo, a luta só pode ser através das brincadeiras. A divisão do tempo entre trabalho, arte, 'cultura' e ócio são divisões históricas e com um objetivo simples: a produção de corpos dóceis e produtivos.

E não é por um acaso que, no Brasil, temos várias manifestações que agoram são descritas como 'populares', como,a capoeira, o jongo, o congado, entre tantos outras, mas que remetem a uma história de luta e resistência. Manifestações que, em um passado não tão distante, tinham cunho político, eram perseguidas pelas autoridades e seus praticantes presos por vadiagem. Ou seja, pessoas presas com a justificativa de estarem realizando atividades que não eram consideradas úteis e produtivas.

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O paralelo com o tempo em que vivemos não é inocente. Nosso tempo urge por novos experimentos, novas brincadeiras, com novas regras de quem manda, de quem faz, de quem cria. Defender uma vida onde o papel do lúdico seja mais do que acessório não é uma despolitização da vida, ao contrário, é a implicação política total na construção e experimentação da vida social, de como nos organizamos e regemos horários de trabalho, de lazer, de estudos e ainda, como controlamos a vida de nossas crianças.

 

 

Como num jogo de tabuleiro, Tarja Branca traz de volta todas aquelas peças perdidas há muito tempo desse jogo que, muito sem jeito, continuamos a jogar. E agora sim, é hora de sentar, e com todas as peças em mãos, pensar e criar uma nova maneira de brincar a vida. Quais são as regras que queremos para essa brincadeira de viver?
 

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Manifestação contra a Copa. Foto de Leonardo Soares Coelho https://coletivocarranca.cc/dia-dos-namorados/