Rede de conversações: afetividade e serviços de saúde
Fala de Ricardo Teixeira sobre a dimensão linguageira e de rede em nosso trabalho com a saúde
12 Comentários
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Por Marcelo Dias
Contribuindo com uma pergunta um tanto quanto lacaniana, rs: "o sujeito, aquele que buscamos na humanização, estaria entre os pontos da rede, no intervalo entre esses pontos?"
Abraço!
Se puderes explicitar mais a tua questão, que nos parece bem interessante…
Você fala de uma subjetivação? Ou de um sujeito concreto, encarnado?
Mande as coordenadas porque essa conversa pode dar samba!
obrigada,
Iza
Por Marcelo Dias
Oi Iza!
A fala do Ricardo me provocou muito porque me fez pensar no quanto várias colocações espinozianas poderiam ser retomadas em Lacan a partir da linguística de Saussure. Pensando no sujeito como uma rede de significantes (S1-S2-S3,,,), acho que poderíamos dizer que essa rede se repete em vários e vários níveis. S1 e S2 podem estar representando Homem-Mulher, Atenção Básica-Especialidade, Academia-Humaniza, por aí vai.
Quando Ricardo fala da pergunta "por quê?", aquela que no exemplo faria de uma simples recepção de um paciente um encontro, estamos de certa maneira dizendo que aquele ponto é mais do que um ponto encarnado. Estamos considerando que aquele sujeito está representado por mais de um significante, não só por aquilo que ele está demandando,,,
Ora, a PNH enfrenta muitas dificuldades porque ela acredita que o sujeito, a subjetivação só vai surgir a partir dos laços. E isso vai totalmente contra o que vivemos atualmente, inseridos no discurso capitalista, o qual não permite laços. O capital insiste em nos dizer que nos bastamos, e se falta algo, esse algo pode ser adquirido através de um objeto, de um gadget.
Mas apesar disso, o sujeito insiste,,,, E o sintoma vem mostrar isso. Novamente me aproveitando da fala do Ricardo, sobre as mulheres vítimas de violência, não é à toa que os sintomas que as fazem retornar à unidade não são resolvíveis, funcionam como uma resistência às tentativas do sistema de anulação do sujeito.
Iza, legal você ter sido minha S2,,,,,
Abração, Marcelo.
Uma grande alegria nos toma quando surgem estas participações como a tua, desenvolvendo e "engordando" o campo problemático relacionado a algum tema postado.
Fazer esta conexão com os ditos de Lacan é bem interessante. Não sei se entendi bem, mas me pareceu que você buscou nele o que há de afirmação de uma multiplicidade nos sujeitos. Digo sujeitos porque não é possível pensar num sujeito transcendente e apriorístico. A gente se dá conta disso direto na clínica pois entramos em contato com as singularidades em ato.
Quanto ao que disse Ricardo sobre a produção de subjetividade no encontro, é exatamente o modo constitutivo delas. Nunca há um sujeito a priori. Repare que somos diferentes conforme o encontro: se me encontro com algo ou alguém e o resultado deste encontro é o aumento das potências, devenho outro ( devir ) bem diferente do encontro com algo que diminui a minha potência. A relação é sempre o primado. E se não fosse assim, como poderia haver mudanças?
Você tem toda a razão, o capitalismo nos quer como sujeitos consumidores/eternos devedores, sempre subjetivados pela FALTA. Mas nem o regime do "tá tudo dominado" do capitalismo consegue eliminar as linhas de fuga. O que se dá hoje, por exemplo, nas manifestações das ruas é justamente a produção de algo novo, da ordem do encontro ( o encontro das pessoas com outras numa nova espécie de vibração intensa, o encontro com a rua, um objeto perdido, o encontro com novas possibilidades de fazer política, entre outros totalmente inusitados ).
A gente sabe que o objeto/gadjet não nos totaliza, não nos completa. Ontem li uma notícia ótima: nos EUA, paraíso dos consumidores de carros, 25 por cento dos jovens já não o desejam. Andam de bicicleta para trabalhar e estudar.
Tudo isso é pura PNH. É humanização e potência de novas subjetivações.
Não achas?
grande beijo,
Iza
Por Marcelo Dias
O seu escrito me fez trabalhar em mais alguns pontos.
Sobre minha participação, você sabe que tem algo que me incomoda um pouco (ou muito, rs) que é a maneira como funciona nossa rede (Humaniza). Ela me parece que em muitos, muitos casos não funciona como rede.
Pensando nos participantes desta rede e em suas postagens, quais seriam as demandas e para quem elas estariam sendo endereçadas? Há endereçamento? Há diferenças na demanda e endereçamento quando se trata de trabalhador de ponta, professor de universidade, etc,,,?
Percebo que a maioria dos posts parecem demandar um reconhecimento, "o SUS que dá certo". Pois bem, demandar um reconhecimento supõe uma pergunta: "quem eu sou?" Será que nessa busca de reconhecimento não estamos "cada um por si"?
Quem é o HUMANIZASUS? Associando ao que falei na postagem anterior, acho que ele não se identifica com os pontos da rede (instituições, profissionais, participantes da rede,,,). Ele "não é uma coisa nem outra".
Usando como exemplo o campo da saúde mental. A saúde mental não está nos pontos da RAPS. Está entre os pontos. E trabalhar com essa ideia não é fácil. Porque não é fácil trabalhar com a ideia de que como sujeitos não somos nem uma coisa nem outra. Você falou sobre "multiplicidade de sujeitos". Penso mais em divisão do sujeito.
Bom, falei o que me veio à cabeça, associação livre, rs.
Beijo, Marcelo.
Oi Marcelo,
As tuas questões ficam cada vez mais instigantes. Vamos lá, então:
A pergunta sobre "quem sou?" no caso dos movimentos, e particularmente no movimento HumanizaSUS, não pode ser respondida a partir de uma identidade. Uma identidade implica em algo da ordem do uno, do indiviso. Os movimentos contemporâneos se apresentam justamente como o contrário de tudo aquilo que representa a identidade.
Tomemos como exemplo justamente o HumanizaSUS. Coexistem aí muitas possibilidades de pensamento e práticas no processo de humanização. A PNH seria uma delas e, pensamos que uma das mais potentes, por ter a sua construção e crescimento a partir do "chão dos serviços", dos homens concretos e das práticas concretas. E aí há então todo tipo de diversidade possível.
Como diz o Ricardo no vídeo, uma grande diversidade subjaz a cada ponto ou nó das redes, são multiplicidades conectadas. Você pergunta se há um endereçamento de demandas. Pela própria condição de multiplicidade, ou melhor, multiplicidades, penso que o endereçamento se dirige ao coletivo e esta é outra marca da beleza do movimento.
Como você mesmo marcou, a potência se produz no entre. Mesmo um endereçamento mais pontual e específico passa pelo olhar e pelo trabalho de pensamento e mobilização coletivos. A dificuldade apontada por ti, do "não ser nem uma coisa nem outra", surge como potência e abertura para ser outro.
Acho que também falei o que me veio à cabeça, mas sabemos que aí também moram muitas importantes formulações, frequentemente descartadas como apressadas…
beijo,
Iza
Por Marcelo Dias
e pensando no que você fala sobre multiplicidades, poderíamos então pensar que justamente por isto, a identidade não estaria nos pontos, mas sim no "entre"?
Quando você fala sobre endereçamento da demanda para o coletivo, e levando em conta que uma demanda supõe um acolhimento (se quisermos que surja o sujeito em questão), o que seria então um "acolhimento realizado pelo coletivo"?
Muita coisa pra eu pensar,,,,
Valeu!
dos efeitos que os movimentos rizomáticos ( de redes ) produzem. Penso com Foucault ser mais potente o pensamento que supera as identidades e propõe as subjetivações em seu lugar. Identidade, como já vimos, é algo fechado, indiviso, igual a si próprio.
Um "acolhimento realizado pelo coletivo" se dá justamente quando nos deixamos afetar por outrem, sendo que isto pode ser tanto sujeitos, como idéias, afetos, diferenças, enfim, qualquer corpo ou incorporal que nos toca.
Acho que estamos colocando prá conversar no mínimo duas formas de pensar e viver o mundo. Às vezes se encontram e se fertilizam, outras vezes não… por partirem ou chegarem a formulações diferentes demais.
A conversa tá boa demais! Seria legal ver mais gente por aqui…
um beijo,
Iza
Por Carlos Rivorêdo
Ois, as inquietações do Marcelo me fizeram lembrar da discussão a propósito do lugar do sujeito. Tomo uma fala do Foucault, sobre Lacan, uma das referências mais frequentes por, pelo menos, duas décadas.
Para Foucault, Lacan mostra que no discurso do sujeito e para além dele mesmo, são as estruturas que falam – "e não o sujeito" (…) "Antes de qualquer pensamento humano, já haveria um saber, um sistema". Se assim for, não há um sujeito apriorístico, por certo. Contudo, há um "sistema" que, a um só tempo, o limita e engendra suas condições de possibilidade.
Nos ditos do Marcelo e compreendendo dessa maneira, fica mais tolerável a ideia das relações entre sujeito e Capital. Todavia, se há um "sistema" que dociliza o sujeito e, para sobreviver e viver este mesmo sujeito se torna dependente, há, nas brechas do próprio sistema e nas suas contradições, elementos que permitem condições de possibilidade dele existir, ser e se afirmar. Um exemplo: a revolta, mormente quando ela se constrói politicamente e não como reflexos de composições morais individuais. Penso que algumas vezes os discursos que emergem na RHS caem, se não na armadilha da moral individual, ao menos na iniciativa individual apolítica. O que a RHS possui de positivo seria o aporte das condições de possibilidade de tornar o espontâneo individual, em coletivo político.
Espero ter contribuído e não trapalhado.
Beijos
Carlão
Por Marcelo Dias
e destaquei dois pontos que acho que são questionamentos pra mim mesmo, rs.
Um seria sobre "tornar o espontâneo individual em coletivo político". O que você quer dizer com coletivo político? O espontâneo individual já não estaria determinado por um coletivo político? Seria a dimensão da ÉTICA fundamental para essa transformação?
E o outro ponto tem a ver com o que você falou no final: "Espero ter contribuído e não trapalhado". Diante das demandas, como profissional, como participante da rede, como contribuir e como atrapalhar? E aí é que caímos nos bons e maus encontros, grande potência, baixa potência.
Obrigado,
Marcelo.
Caminhamos juntos mesmo que não usemos os mesmos conceitos. No lugar da estrutura, os agenciamentos coletivos de enunciação. No lugar do sujeito, as subjetivações sempre moventes, efeitos dos encontros. No lugar das contradições, as linhas de fuga. Não digo que tudo isso seja equivalente, mas muitas possíveis composições acontecem por aqui. Beleza!
Por Cláudia Matthes
meu professor, meu MESTRE, Ricardo Teixeira, apreendendo sempre e muito com você.
Peju