A vida por trás do Morro
Acostumamos a ver a bela paisagem do Morro do Careca, cartão postal da cidade do Natal, vista por todos os recantos do mundo, orgulho da cidade, desejo dos visitantes. Concordo com tamanha beleza, devemos preservá-la, cuidar do nosso meio ambiente, deixarmos para futuras gerações.
Porém, o que vi por trás dessa linda paisagem foram cenas que jamais esquecerei ou esqueceremos, digo isso, porque estávamos todas, Enfermeiras e Agentes Comunitárias, cadastrando na Estratégia de Saúde da Família nos becos e ruelas da Vila. Uma Vila cheia de contrastes, de um lado os nativos: pescadores, rendeiras, vendedores ambulantes, comerciantes, artesãos, do outro, pessoas que vieram de outro ponto da cidade, bem como de outras culturas, adotando a Vila como sua casa. Uma torre de Babel que aos poucos vai se tornando uma grande família, ou talvez não.
Nessa manhã vimos crianças sem um amanhã, tratadas como se fossem animais, sem carinho, sem afeto, sujas, descabeladas, nuas, indo as tapas por um simples lápis, que para elas significava muito. Uma mãe “sem eira, nem beira”, desempregada, apática, ainda de ressaca da noite de um prazer efêmero, de um caminho que não há retorno. O que pode tal mãe oferecer àquelas três criaturas, unidas pelo mesmo destino. Sem uma comida que os alimente, sem roupa para vestir, sem um abraço para sentir. Todos rodeavam a genitora, que sentada numa cadeira, respondia com um olhar distante as nossas perguntas. A miséria humana estava ali presente. Talvez nem os maiores dramaturgos da humanidade possam idealizar o quão a vida real se revela numa cena imaginavelmente dura.
Saímos daquele cenário com uma sensação de impotência, de tristeza, de raiva, pelo tamanho descompasso de condições de vida do nosso país, apesar de alguns avanços, ainda temos uma má distribuição de renda, que por vezes precisaríamos mais 500 anos de uma política social com mais equidade. Como diz uma amiga historiadora, para chegarmos até lá, é preciso que atravessemos algumas guerras, para nos tornar um país mais justo.
E nós, o que faremos? Qual o nosso papel nessa grande roda de acontecimentos, de emaranhados de sentimentos? Somos profissionais de saúde em busca de uma saúde com mais equidade, qualidade de vida, com todos tendo acesso ao trabalho, lazer, educação, aos serviços de saúde; querendo ser feliz. Que possamos cuidar com dignidade e respeito, essa população que nos acolhe.
É o nosso desejo.
Meine Siomara Alcântara – continuando a conhecer a Vila
Enfermeira da Estratégia de Saúde da Família
Por Cláudia Matthes
não ficaremos anestesiados como essa senhora, levantaremos amanhã retornaremos a campo e recomeçaremos, não importa quanto tempo leve, ou mesmo que o tempo nos leve, começaremos do zero, dia a dia, essa é a nossa cara, nossa identidade, é a nossa marca.
Um forte abraço
com carinho imenso
Peju