Humor é saúde – crônica da vida cotidiana na RHS
O cartunista Jaguar e seu humor nas palavras de Paulo Mendes Campos:
A inteligência de um grande humorista é tão ágil que se aproxima da velocidade do reflexo. E o mal humilhante do raciocínio é a lentidão bovina: o boi dá a todos a impressão de que está pensando porque o pensamento é tão arrastado que parece imóvel. O mais leve e faiscante pensamento tem de superar, antes de nascer, a tonelada de estultícia que bloqueia o espírito.
Ora, o humorista está para o animal raciocinante como o beija-flor está para o boi moroso; de minha parte, confesso que jamais consegui acertar uma bodocada em um beija-flor, apesar de ele esculpir-se como uma miniatura cheia de graça diante da corola. Seu radar captava a vibração de meus movimentos torpes, e a estatueta colorida desaparecia de meus olhos antes que a pedra partisse. Essa mágica do beija-flor aguçou o meu ressentimento de boi tardo jungido à canga do raciocínio. Mas aguçou também a minha capacidade de admirar e invejar os pássaros, os artistas de balé, Garrincha, Pelé, Carlitos, acrobatas de circo, Houdini, jogadores de basquetebol, Molière e os caricaturistas de hoje. Em literatura, não sei de nada mais descontraído e eletronicamente rápido que Molière: é um beija-flor, um monstro de ligeireza.
Uma vez meu filho me perguntou que animal eu gostaria de ser, e respondi prontamente: gaivota. Foi a oportunidade que me deram de me libertar por um segundo da minha grave condição de boi. Vi-me voando, planando, mergulhando, boiando, caminhando, livre e versátil, possuidor do mais completo know-how da máquina de viver dentro das condições terrestres que nos foram impostas.
trecho do prefácio de "Átila, você é bárbaro", de Jaguar, ed. Civilização Brasileira, 1968
O que isso tudo tem a ver com saúde? Tudo!
O que fazemos cotidianamente por aqui senão navegar pelas invenções de tecnologias leves por parte dos humanautas que as produzem e comunicam numa plataforma virtual?
O que é esta imensa rede amorosa e criativa senão um coletivo de gaivotas, com toda a idiossincrasia apontada por Paulo, sobrevoando um campo dominado por modos pesados de pensar a saúde? Campo demasiadamente terrestre, como a condição do boi atesta.
O que é o ciberativismo em saúde senão um grande movimento pela afirmação de vida? Uma máquina-gaivota de guerra em sobrevôo pelo mar de excessiva codificação de know-how do viver hoje.
Assim como o riso solto, o pensamento e as práticas que se pautam pela leveza e suavidade no trato com seu objeto – em nosso caso a saúde – contagiam e encantam. Uma rede que se propõem a incluir por contágio afetivo é soft em todos os sentidos desta acepção.
Uma rede no berço, a Tenda do Conto, a política de redução de danos, as práticas integrativas em saúde, a arquitetura leve e acolhedora, a humanização do parto, o apoio Paidéa, a gestão compartilhada e tantas outras tecnologias leves são a expressão desse encontro cotidiano que se dá “no chão dos equipamentos”. Encontro da inventividade de nosso povo com o desejo que constitui uma vitalidade alegre e produtiva. Uma alegria-artista, lépida como uma gargalhada que introduz uma dimensão intempestiva nos sentidos conservadores vigentes.
versão de O Grito do Ipiranga por Jaguar, que rendeu 3 meses de xadrez prá toda a redação d’ O Pasquim.
Por Emilia Alves de Sousa
Esta rede é um potente espaço de produção de saúde, sem dúvida. Aqui, a todo momento entramos em contato com experiências bem sucedidas que revelam os modos diferentes de fazer saúde, e que vão se multiplicando. Sem falar no bem-estar proporcionado pela possibilidade de nos interagir com esses atores da saúde pelo pais afora. Navegar na rede em si já é saúde, produz subjetividades que nos fazem bem.
Parabéns pela beleza da crônica Iza!
Bjs!
Emília