Provavelmente vocês estejam se perguntando porque inicio este post com esta pergunta e com estas fotos? Também por que farei as seguintes perguntas: se você pudesse escolher, em quais das casas você iria morar?
Pois é, provavelmente a maioria, senão a totalidade diria escolheria a casa de alvenaria que tem inclusive um ar condicionado, apesar de estar com suas paredes sem pintura. Mas esta não é a realidade de um família – um idoso de 76 anos, viúvo e seu filho que conheci apenas nesta semana.
Só tive conhecimento desta triste realidade nesta semana porque estes não autorizam a entrada de nenhum integrante da equipe de saúde em sua residência, o que inclui toda a terra e pátio, tendo inclusive, no passado, ameaçado com facão profissionais que tentaram chegar até lá.
Com isso, não quero colocar desculpas do porque não tomamos nenhuma atitude antes, a verdade é, eu não tinha a mínima idéia de que situação se encontrava esta família, até porque não existia nenhum prontuário da mesma na Unidade de Saúde pela impossibilidade de contato e o que haviam nos passado (para a atual equipe que atua no serviço, na qual estou incluída) que os mesmo se recusavam a aceitar visita e que era ariscado tentar.
Bom, acabamos tendo contato com esta família e com esta situação no último dia 19 de novembro quando a Patrulha Ambiental veio averiguar uma denúncia de corte ilegal de árvores nativas e, ao se deparar com a situação entrou em contato com o serviço social do município que automaticamente me chamou para acompanha-la.
O Sr. V.W., 76 ano, viúvo, com seqüela de AVC, faz tratamento para HAS e cardiopatia (conforme relato do filho), faz acompanhamento com médicos “particulares” dizendo que não querem contato com o “pessoal da saúde” do município. Apresentava-se extremamente sujo, emagrecido (as fotos demonstram o que quero dizer) mas o mesmo diz estar muito bem cuidado e em ótimas condições.
Entre muitos fatos que nos chamaram a atenção, o que nos deixou muito angustiados foi que, apesar de, serem agricultores e o idoso ser aposentado e pensionista, o que se comparado com a maioria dos moradores do município lhes mantém numa situação sócio-econômica priveligiada, preferem morar na casa de madeira (galpão) e na casa de alvenaria que possue inclusive um ar condicionado que funciona são criadas galinhas.
Chão da casa em que residem.
Chão da casa em que criam galinhas.
O que quero colocar com este post não é o que devemos ou não fazer, já que diversas ações foram feitas e tomamos as devidas providências para que esta situação seja alterada, inclusive tendo acessada a promotoria de justiça para que se possa atuar junto ao idoso e também a este filho que demonstra ter alguma doença mental, que apesar de muitos de nós olharmos no sentido de que ele está provocando uma violência ao pai, idoso, ao buscar conhecer um pouco da história desta família, descobrimos que ele é fruto das violências que o próprio pai praticava contra ele quando criança e adolescente e com a mãe enquanto esta era viva. O que quero instigar é a discussão é de como é difícil aceitar, se é que é possível, que nem tudo o que é errado para nós realmente é para os outros.
Bem… não sei se esse é bem o espaço de expor minha angustia em relação a este caso, visto que estamos de mãos amarradas pois, apesar de termos muita vontade de mudar esta realidade, não está apenas em nossas mãos, além do que, não podemos ir com a cara e a coragem até eles, pois infelizmente corremos o risco de sairmos feridos de lá e a policia do m abunicípio não tem demonstrado muito interesse em nos auxiliar. Por isso temos que aguardar a promotoria de justiça se manifestar e torcer para que ela também perceba que ali há um problema muito além de saúde pública, há um problema de saúde mental, já um problema que só poderá ser melhorado com clínica ampliada.
Por Shirley Monteiro
Olá colega Eliana,
Este post é duro, mexe com a gente, suscita várias e várias reflexões e sentimentos antagônicos… Além disso é rico, e está tão autêntico, tão bem construído.Estou cansada, após uma viagem, e este foi o único post que me motivou a ler, por causa do chamamento das duas imagens, as duas casas.
As cenas após o texto inicial em que voce introduz esta historia do seu cotidiano de trabalho ( aqui, inusitado), são instigntes.
Em um segundo momento: As reflexões profundas que suscita, me fez lembrar de uma angústia que é nossa , cuidadores, de cuidar quando alguém até faz vínculo com agente na relação terapeutica, mas simplesmente não quer se cuidar, não quer receber o cuidado " gosto muito de voce, voce é gente fina, mas meu jeito de viver é esse mesmo e não vou mudar, quero não " só quer a amizade ( institucional, ir ao CRI para visitar as "doutoras" de lá que são atenciosas).
… isso que relato e que vivi há alguns anos atrás, como psicóloga e como cuidadora é uma forma forma diferente, em que o usuário não se faz violento na rejeição do cuidado, mas é quase a mesma escolha desta senhora de quem lembro, com o seu idoso deste relato.
Diante desse sentimento nosso, no início impotência, depois para mim aprendizado e respeito pelas diferenças e singularidades, mesmo com certo lamento. LEMBREI muiiiito de um pensador muito especial, Filósofo que se dedica também a estas questões existenciais em interface com a saúde mental, e ele estava no 2º SEMINÁRIO NACIONAL DE HUMANIZAÇÃO, falo do LUÍZ FUGANTI : Em uma roda com Edu Passos e Amarante, Fuganti falou do direito às exoticidades da vida, e das pessoas que conseguem se libertar da determinações da existência. Falou da violencia as vezes que praticamos querendo cuidar "com produção de subjetividades" e o risco de não aceitarmos e acolhermos as subjetividades em suas exoticidades já produzidas e escolhidas como produção singular de cada um. E lembro da frase do RAUL SEIXAS : " … se eles tem dois carros, eu posso voar" … "louco é quem me diz que não é feliz, eu sou feliz " … Uma hipótese deste caso, poderia-se pensar no idoso contando : " Se eles tem casa limpinha e são normais, eu tenho duas casas e decidi dar a melhor para minhas galinhas, e morar no galinheiro, trocar com elas ! ". E aí ?
Sei que é muito complexo, ainda mais na relação pai e filho, quem está limitando quem … é preciso não deixar de acompanhar esta complexidade.
Mas acho que a leitura do texto do FUGANTI, que está na revista INTERFACE anexa e on-line no link esquerdo aqui da RHS, pode te ajudar. Eu mesma, sinto-me ambivalente diante de situações assim, mas a que se respeitar a liberdade de escolha, e o direito à diversidade de expressões, por que não, no sentido mesmo de estabelecer comunicação com certas loucuras.
E depois de ler FUGANTI, ( este texto mexe muito com a gente) … POR QUE NÃO MUDAR A ABORDAGEM, focar a visita nas galinhas que eles criam, suas condições de vida, buscar os significados daquele espaço vital ,mesmo nas expressões que venham anuviadas pelo nevoeiro da doença mental, ou da deficieencia mental e intelectiva se for o caso, existe um significado muito singular a ser buscado nestas escolhas deles, e a relação muda, se a abordagem começa pela troca de ideias, na compreensão e aceitação; de diferentes formas de viver, e não diretamente uma intervenção.
Eu gostaria de poder conhecer esta pequena família. Seu post é lindo, e forte.
Obrigada, Um abraço.
Shirley Monteiro.