Ensaio pós-humano II

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Toda a cognição responde a uma necessidade de adaptação. Está, desse modo, relacionada a desafios impostos pelo ambiente. Uma bactéria se adaptará a uma abordagem bidimensional do espaço, relativa ao meio onde existe. Exceto quando precisar se adaptar a situações que exijam a percepção e organização da ação em um espaço ampliado. Note que ela está imersa em um universo pleno de todas as dimensões que existem. É apenas sua perspectiva do mundo que pode ser descrita como bidimensional.

Assim, nós temos dificuldade em lidar com as evidências de que estamos imersos em uma realidade com, pelo menos, quatro dimensões. Embora o tempo nos afete diretamente, temos a percepção clara de apenas três dimensões.

O processo adaptativo de bactérias primordiais resultou desenvolvimento de estratégias tecnológicas que podem ser descritas como tendo levado até seres altamente complexos como os seres humanos. Então, de seres bidimensionais, como bactérias, surgiram seres com percepção tridimensional. Talvez, desses últimos, surjam outros com uma percepção diferente e mais ampla.

No entanto, não estamos, atualmente, adaptados cognitivamente para perceber espaços superiores que incluam a quarta dimensão. Nesse sentido o tempo, desvinculado da noção de espaço, é uma espécie de confinamento opressivo. Da mesma forma como outros seres vivenciam um presente absoluto, aparentemente sem memórias conscientes do passado. E sem a capacidade de projetar conscientemente o futuro. Seu percurso pelo tempo é limitado a sensação absoluta do presente, sendo o hábito e o instinto suas únicas ferramentas para modular suas respostas ao fluxo do tempo.

O tempo é o espaço estendido até a 4ª dimensão. Nossa percepção distorcida dessa dimensão superior nos faz pensar numa existência tridimensional confinada ao instante presente. Assim, eu sou um ser de quatro dimensões que se percebe como fluindo pelo tempo de modo, que só me percebo como tendo existência concreta no agora.

O passado desaparece instantaneamente em meu infinitesimal instante de apreensão. Ao passo em que, o futuro não existe até que se transforme em agora. Apenas, para imediatamente ser dissolvido na noção de evento acontecido. De forma precisa, o tempo é a dimensão concreta onde todas as substâncias persistem na existência. O mundo não surge no instante em que se torna presente, nem desaparece quando se torna passado.

O passado e o futuro existem tanto quanto o instante presente. Ou até mais. O presente é a percepção limitada de uma realidade multidimensional que nossa cognição não adaptou-se para perceber.

Para manter o conforto ontológico oriundo das crenças em conceitos tridimensionais como liberdade, responsabilidade, culpa, mérito, demérito, entre outras abstrações, resistimos a acolher as consequências de uma realidade ampliada até a plenitude das dimensões em que, de fato, existimos.

Se o passado e o futuro formam um tecido único chamado espaço tempo, é uma ilusão o pensamento de que estou determinando possibilidades em aberto. Estamos no limiar da possibilidade de termos que mudar nossa incipiente natureza, de modo a perceber a relatividade da percepção dos eventos passados e futuros.

O livre arbítrio é uma ilusão de perspectiva. O que percebemos como futuro já é passado na perspectiva de um observador distante que esteja vindo rapidamente em nossa direção. Na medida em que, em alta velocidade, ele se move, o espaço-tempo se curva. E o tempo passa mais devagar para esse referencial. Assim, ele poderia captar sinais de TV, que viajam a velocidade da luz em sua direção e assistir a contagem dos votos da eleição para presidente do Brasil em 2016.

Ou seja, tudo já aconteceu, acontecerá e está acontecendo nesse instante. Nossa percepção é que se desenvolveu no sentido de calcular linearmente os fatos da vida.

No entanto, o mundo é como esse texto. Estou digitando essas linhas, mas posso retornar ao início do texto e fazer alterações. Um livro é uma projeção tridimensional de um objeto de quatro dimensões. Podemos ler as palavras escritas desde milhares de anos. Posso lê-lo a partir de trechos aleatórios e construir uma linearidade singular de entendimento desse todo.

A noção de ausência é subvertida na escrita, assim como na imaginação e nos sonhos. Delírios febris dissolvem nossa noção de passagem do tempo. Nossas vidas se tornas vizinhas daquelas que que vem do passado até nós, pelo texto escrito.

O que não conseguimos imaginar é como a percepção do tempo, como um aspecto do espaço, irá afetar nossa cognição. A racionalidade tem o limite de sua própria fronteira interna. Não podemos saber nada além de nossa maneira limitada de nos adaptarmos ao meio.

Quando pensamos onde estão os seres inteligentes no universo, imaginamos que eles possam ter desenvolvido tecnologias de mergulhar profundamente no espaço-tempo, mantendo as mesmas categorias mentais, valores morais e éticos que temos. O fato é que não podemos vê-los. Da mesma forma que os demais animais não podem calcular nossa existência para além de suas próprias perspectivas de apreensão da realidade. Somos uma parte dos elementos do mundo para um inseto.

É assim que vemos os seres de dimensões superiores: como aspectos sobrenaturais e transcendentes de nossa própria realidade. Eles são o inconcebível e o inominável. Poderíamos entender a vida em um planeta fora do sistema solar. Especialmente, se ela for semelhante a nossa aqui na terra. Entretanto, não podemos conceber seres que tenham aprendido a manipular o espaço-tempo e viajar em velocidades próximas a da luz. Basicamente, suas premissas ontológicas são ininteligíveis para nós.

Simplesmente não podemos pensar de forma a violar as leis de causa e consequência. Nossa mente não é capaz de conceber paradoxos que aparecem na medida em que vamos tentando observar fenômenos da quarta e quinta dimensão. Isso é precisamente o significado do absurdo. Uma realidade que nossos sentidos não podem perceber diretamente. É o que designamos como magia, delírio ou impossível.

2014 está terminado. 2015 está começando. Poderemos aceitar que essa é uma realidade relativa a nossa perspectiva de observação do tempo? Poderemos sentir o fluxo do tempo sem o peso de o estar determinando? Poderemos superar o paradoxo de que a liberdade implica em estarmos pendurados em um pincel? Podemos pensar a ideia da liberdade como estar diante de uma tela, sobre o fundo de uma nuvem, de onde as gotas da chuva apagam a pintura no mesmo momento em que a pintamos?

Prefiro acreditar que 2015 foi um ano de fluxos felizes. E que agora, chegou, para todos nós, a hora de vivê-lo. Para outras inteligências cósmicas ele já é passado. Assim como vivemos as potências de 2014, podemos acolher os fatos do que parece ser um próximo presente em nosso horizonte…