Colegiado Ampliado de Pesquisa como dispositivo participativo para a humanização da pesquisa
Olá a tod@s
É com grande alegria que compartilho com vocês uma resenha da minha dissertação de mestrado, do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, do Departamento de Saúde Pública da Universidade Federal de Santa Catarina (PPGSC/UFSC), que teve como título: Colegiado Ampliado de Pesquisa como dispositivo participativo para a humanização da pesquisa.
O estudo estruturou-se com revisão de literatura – dividida em marco contextual (que contemplou uma revisão sobre a PNH e sobre o dispositivo CAP) e marco conceitual (onde revisitamos os temas Gestão em Saúde, Participação em Saúde e na produção do conhecimento e Avaliação de 4ª geração), percurso metodológico e resultados e discussões, apresentados na forma de artigo científico, conforme exigência do PPGSC/UFSC. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, com design exploratório e descritivo, realizada junto aos membros dos Colegiados Ampliados de Pesquisa (CAP) da pesquisa intitulada “FORMAÇÃO EM HUMANIZAÇÃO DO SUS: Avaliação dos efeitos dos processos de formação de apoiadores institucionais na produção de saúde nos territórios do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo”.
O objetivo da dissertação foi discutir a participação no processo de gestão de uma pesquisa avaliativa de 4ª geração, na percepção dos membros de um Colegiado Ampliado de Pesquisa (CAP). A partir da análise de conteúdo temática surgiram três categorias analíticas. Foram entrevistados 10 (dez) membros dos colegiados dos três estados envolvidos na pesquisa multicêntrica, utilizando-se um roteiro semiestruturado. Após transcritas, as entrevistas foram organizadas, codificadas e reagrupadas em categorias analíticas com o auxílio do software de análise de dados qualitativos Atlas.ti®. E a análise revelou três categorias: “Iniciando a experiência: inserções e motivações”, “Vivências no CAP: experimentações, tensões e desafios” e “Sobre produtos e processos”.
Na categoria “Iniciando a experiência: inserções e motivações”, aponta-se como iniciou a participação dos membros, apresentando as formas de ingresso dos participantes e suas motivações para participarem desse espaço de gestão. Enquanto as formas de ingresso foram muito similares entre os entrevistados, as motivações foram mais variadas, porém tinham em comum o interesse na Política Nacional de Humanização, seja para conhecer como estavam se dando as práticas de apoio nos territórios, quanto para aprimorar os conhecimentos sobre a Política.
Na categoria “Vivências no CAP: experimentações, tensões e desafios”, são apresentadas as tensões, pactuações e compartilhamentos que os membros dos CAP’s experimentaram ao longo do processo de gestão dessa pesquisa. Os resultados demonstram que o entendimento do que era participação num espaço de gestão foi um gerador de tensões, que motivou várias pactuações durante a realização da pesquisa. Essa tensão foi atribuída ao fato de se tratar de uma experiência nova a todos os integrantes da pesquisa. Para Passos et al. (2013) na pesquisa participativa, a integração entre pesquisador e os ditos sujeitos de pesquisa, requer um olhar a partir do método de tríplice inclusão. A primeira inclusão é a que coloca lado a lado os diferentes sujeitos implicados na produção do conhecimento. Esse primeiro procedimento, porém, faz emergir as tensões geradas pela não hierarquização da diferença entre os grupos de interesse da pesquisa.
Outra pactuação apontada foram as funções de cada membro do CAP. Embora houvesse o entendimento de que a participação nesse espaço era uma construção coletiva, a prática revelou que cada membro tinha atividades específicas dentro desse espaço, deixando a participação num âmbito mais individual. Essa conformação, em alguns momentos, gerou em alguns participantes a percepção de que sua participação no processo ficou aquém do desejado pelo participante.
Os resultados também demonstraram que, no processo de vivência do CAP, houve uma diferença quanto a apropriação da metodologia da pesquisa entre os chamados pesquisadores acadêmicos e aqueles que não eram pesquisadores tradicionais, demonstrando que haviam informações diferentes a serem compartilhadas, reforçando a demarcação de papéis nesse espaço. Guba e Lincoln (2011) reforçam que a opção pela avaliação construtivista responsiva pressupõe uma renúncia ao controle sobre o processo, entendendo que os steakeholders desempenham funções igualmente definitivas em todos os estágios com o avaliador.
Esse compartilhamento de informações também gerou pactuações referente a forma e ao tipo de informação que seria compartilhada. Entende-se aqui a informação como uma forma de poder. Essa questão foi problematizada pelos participantes, relacionando o acesso a informação com a possibilidade de tomada de decisão na gestão dessa pesquisa. Também se apontou a facilidade por parte do pesquisador acadêmico em acessar as informações geradas na pesquisa. Para Campos (2007), não há democracia sem a intervenção deliberada de Sujeitos concretos, sendo que a democracia depende da capacidade social de se construírem espaços de poder compartilhado. A democracia é, portanto, a possibilidade do exercício do Poder: ter acesso a informações, tomar parte em discussões e na tomada de decisões.
A diversidade dos membros dos CAP’s, formado por pesquisadores acadêmicos e não acadêmicos, foi visto como potência e como fragilidade pelos entrevistados. Se por um lado, havia o compromisso da escuta entre os membros, num esforço de que as diferentes vozes fossem ouvidas e se construísse uma experiência verdadeiramente coletiva, também se percebeu uma necessidade de se “rebuscar” a fala para se fazer entender, sendo apontada a necessidade de um cuidado na estruturação dessa fala.
E na categoria “Sobre produtos e processos”, apresenta-se o entendimento que os entrevistados tiveram sobre os produtos ao longo do processo de gestão da pesquisa. Os resultados demonstraram que houve entendimentos diferentes sobre esses produtos, novamente demarcados pelos papéis do pesquisador acadêmico (domínio sobre o “produto escrito”) e não acadêmico (compartilha o “produto experiência”).
A vivência nos CAP’s também se mostrou como possibilidade para reativação da rede PNH, reaproximando pessoas que trabalham com a Política. Também foi apontado que essa experiência motivou alguns participantes a retornarem ao meio acadêmico para investigarem questões referentes à PNH, reforçando o status quo da produção do conhecimento.
Nas considerações finais, aponta-se que a experiência de uma gestão de pesquisa participativa mostrou vários desafios frente à realidade atual na produção do conhecimento. Os resultados demonstraram que os entrevistados entenderam sua participação como a possibilidade de interferir nos rumos da pesquisa, embora também apontem que havia diferenças nos papéis de cada integrante dos CAP’s. Nesse sentido, demarcaram o lugar do pesquisador acadêmico como detentor do conhecimento metodológico e dos demais como possuidores do conhecimento prático do curso de formação. Os dados revelaram as dificuldades de se romper com o modelo hegemônico de produção do conhecimento, centrado na instituição universitária, trazendo novos olhares e novos atores para esse processo. Essa experiência mostrou-se válida, pois buscou justamente romper com essa lógica, incluindo novos olhares e novos saberes, não tradicionalmente ligados à produção do conhecimento. O CAP apresentou-se como um dispositivo potente para a humanização da pesquisa, no sentido de abrir a possibilidade de inclusão de diferentes sujeitos na produção do conhecimento, sinalizando uma nova lógica de distribuição do poder que advém das informações geradas pelos processos de avaliação e de pesquisa.
Essa resenha está publicada na revista Saúde e Transformação Social v. 5, n. 2, p. 125-127, 2014 (https://incubadora.periodicos.ufsc.br/index.php/saudeetransformacao/article/view/3280/3848)
Referências bibliográficas
CAMPOS, Gastão Wagner de S. Um método para análise e co-gestão de coletivos. 3ª ed. São Paulo: HUCITEC, 2007.
GUBA, Egon G. LINCOLN, Yvonna S. Avaliação de quarta geração. Campinas: Editora da Unicamp, 2011.
PASSOS, Eduardo; PALOMBINI, Analice de Lima; CAMPOS, Rosana Onocko. Estratégia cogestiva na pesquisa e na clínica em saúde mental. ECOS-Estudos Contemporâneos da Subjetividade, v. 3, n. 1, p. 4-17, 2013.
Tati Caetano
Por Maria Luiza Carrilho Sardenberg
Que bom que está publicando tua pesquisa por aqui. É material precioso!
Tomei a liberdade de incluir uma imagem para que teu post possa ir para o carrossel da RHS e, assim, ter maior visibilidade para todos, ok?
Parabéns pelo tema e pelo trabalho tão importante!
Iza Sardenberg
Coletivo de editores/curadores da RHS