O Grande Irmão.
A questão é que as empresas não tem apenas acesso ao que curtimos publicamente. Diferentemente do que as pequisas de opinião buscam saber, ao nos perguntarem sobre qualquer assunto, nossa navegação na internet é como um roteiro dos nossos atos online. Aqui está a diferença: O que queremos que pensem de nós; e o que queremos esconder.
Onde vamos no mundo virtual e quanto tempo ficamos nos locais que acessamos, é uma informação que vem sendo acumulada em gigantescos servidores. Imagine combinar as informações de nossas ações online nos perfis públicos, com os roteiros de navegação oculta. Temos um cruzamento entre o que desejamos que pensem de nós mesmos, e o que pretendemos esconder. Há sempre uma parcela de nosso comportamento que é constrangedora ou que que consideramos de interesse íntimo apenas.
O fato é que dificilmente haverá muitas pessoas interessadas em saber se eu, como indivíduo, navego por sites de sexo explícito ou de apoio a causa dos palestinos. Mas, saber qual o percentual de católicos declarados que frequentam endereços suspeitos na web é uma informação muito significativa.
Há softwares que são capazes de ler e analisar milhões de perfis e roteiros de navegação que os motores de busca mantém arquivados. A navegação em privado, ou oculta, é um recurso para não armazenar em meus dispositivos de acesso as informações sobre a navegação que são parte da intimidade de interesses que embora comuns, são inconfessáveis. Ou seja, ao navegar anonimamente estou preservando informações privadas das pessoas que me são próximas. Nada além disso. Apenas protege minhas informações pessoais em um computador, Tablet ou Smartphone, que pode ser de uso conjugal ou familiar.
Então, embora meu vizinho provavelmente não vá perder tempo e dinheiro tentando acessar minhas declarações de amor online, ou imagens íntimas, (armazenadas em um servidor do WhatsApp) grandes empresas e governos podem, e certamente desejam, possuir essas informações. Porque você acha que o Facebook comprou o WhatsApp por 16 bilhões de dólares? O aplicativo é gratuito para instalação e não se cobra nada pelo tráfego de informações. Apenas retém o conteúdo das mensagem trocadas. E esse é o ativo, a base real, do valor de mercado dessa empresa virtual.
Quase certamente, as empresas ou governos, cada vez mais vão querer ter acessos aos perfis coletivos, delineados a partir das análises relativas ao conteúdo das mensagens trocadas entre usuários das redes sociais. Eles se interessem por diálogos amorosos, sensuais ou apenas maliciosos que homens casados mantém quando estão online. Mais ainda, podem querer saber o percentual de pessoas, por sexo e faixa etária, que namoram mais de uma pessoa, ao mesmo tempo em ambientes virtuais. Que alimentos são os mais consumidos, as opções de lazer mais procuradas, livros, filmes e séries de TV mais mencionadas, etc… As possibilidades são infinitas e a desculpa está a disposição: Combate ao terrorismo.
Mas o comportamento objetivo, relacionado com as opiniões – que são adereços que usamos para dar contorno as nossas qualidades – tem um significado que serve tanto as estratégias de vendas de serviços e produtos, quanto as necessidades de controle de Estados e instituições.
Esses dispositivos tecnológicos permitem calcular quantas pessoas flertam online e frequentam motéis no lapso de tempo entre essas conversas… Podem indexar posições políticas com comportamento religioso, com hábitos de lazer e assim por diante. Enfim, nunca o perfil social dos comportamentos esteve tão exposto, como agora, em plena era do Selfie e do individualismo hedonista.
Há três protagonistas nesse drama pós-humano: Pessoas, como eu e você, muito interessadas em visibilidade, inteligências artificiais capazes de ler e indexar, bilhões de interações nas redes sociais e governos ou instituições ricas o suficiente para comprar essas informações.
Justamente quando o individualismo mais radical é moda, o controle coletivo das pessoas, seus hábitos e valores vem sendo aperfeiçoado em níveis jamais imaginado nas mais sombrias distopias. George Orwell estava certo, apenas foi modesto em suas previsões sobre "O grande Irmão".