ACESSO DE PESSOAS COM SÍNDROME DE DOWN AOS PLANOS DE SAÚDE – Uma questão de direito Constitucional
A questão de se basear nos abusivos termos contratuais das operadoras de planos de saúde para impedir que pessoas com deficiência (PcD) do tipo Síndrome de Down (SD) tenham assegurados direitos de assistência, consultas, exames, procedimentos de médias e grandes complexidades, fundamentais ao bem estar, saúde e reabilitação, muito nos preocupa. Mesmo que fundamentada na distorcida hipótese de que a SD, como demais malformações congênitas e doenças raras não se enquadram nas denominadas doenças pré-existentes, pois entendemos ser mais um abuso que retrata a falta de controle do Estado nesse comércio de saúde tão rentável para as empresas e investidores.
É preciso nos unir manifestando toda nossa indignação, inclusive, que as instituições do movimento organizado – pessoas com deficiência – ganhem as ruas, em apoio ao Movimento Down, para impedir que os planos de saúde recusem tratamento para pessoas com malformações congênitas e doenças raras sob a alegação de que elas sofrem de moléstias preexistentes e utilizarem com mais frequência a assistência à saúde. Interpretação equivocada acerca de deficiências, como a SD, por demonstrar contra-senso histórico da construção dos direitos humanos das PcD, quando ainda se supunha concebê-la pela ótica assistencialista, pautada na perspectiva médica e biológica de que a deficiência era uma “doença a ser curada”, estando o foco no indivíduo “portador da enfermidade.”
Procurando melhor consubstanciar a defesa das pessoas com SD junto à Agência Nacional de Saúde Suplementar ANS, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro solicitou parecer do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (Cremerj), que deu conta de que a síndrome é uma alteração genética que não pode ser considerada doença ou lesão preexistente. Ao menos um avanço que prenuncia outros desdobramentos mais favoráveis ao exercício de direitos assegurados pela legislação vigente no Brasil.
O Artigo nº 25 da Convenção da ONU sobre Direitos da Pessoa com Deficiência, que dispõe sobre a saúde, determina que os Estados-Partes deverão exigir dos profissionais atendimento com a mesma qualidade para PcD e para outras pessoas, incluindo, com base no livre e informado consentimento, entre outros, a conscientização sobre direitos humanos, dignidade, autonomia e necessidades das PcD, através de capacitação e promulgação de padrões éticos para serviços de saúde públicos e privados. É bom sempre lembrar que no Brasil, como Estado-Parte, esta Convenção foi promulgada com força de emenda constitucional, pelo Decreto Legislativo nº 186 de 9 de julho de 2008, e, posteriormente, sancionada pelo Governo Federal, através do Decreto Presidencial nº 6.949, de 25 de agosto de 2009.
É imperativo destacar que com o advento da Convenção da ONU, diferentemente do que rezava o Decreto n. 5.296/2004, a questão da deficiência deixou de ser relacionada com uma patologia, e passou a ser considerada questão ambiental, de interação com a sociedade e com o ambiente. Ademais, a Convenção não tem o mesmo status de uma lei ordinária. Tem equivalência com a Constituição. Portanto, não se pode falar em revogação ou contrariedade dos valores da Convenção por um ato normativo ordinário, não importando de qual ordem federativa ele emana.
Então, de expressiva relevância jurídica se tornam pareceres conceituais dos Conselhos Regionais de Medicina, como o emitido pelo Cremerj, que implica no direito ou não das pessoas com SD terem assegurados atendimentos pelos planos de saúde, considerando que ainda prevalece entre maioria desses profissionais a compreensão baseada na perspectiva médica e biológica para julgar questões sobre deficiência. Definitivamente, os profissionais médicos divergentes deveriam ter humildade intelectual para assumir que a deficiência não é doença e sim um conceito em evolução, que resulta da interação entre PcD e as barreiras devidas às atitudes e ao ambiente que impedem a plena e efetiva participação dessas pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.
Portanto, seria inconsequente julgar que apenas o conhecimento e práticas médicas poderiam dar conta da diversidade de necessidades das PcD, não deixando, porém, de representar um conjunto de saberes e técnicas essenciais ao seu processo de saúde e reabilitação, mas, dependentes de outras áreas de conhecimento para a plena inclusão dessas pessoas. Até porque, quanto aos profissionais de saúde, a Convenção da ONU exige que dispensem às PcD a mesma qualidade de serviços dispensada aos demais e, sobretudo, que devem obter o consentimento livre e esclarecido das PcD. Para tanto, o Poder Público realizará atividades de formação e definirá regras éticas para os setores de saúde público e privado que conscientizem os profissionais de saúde acerca dos direitos humanos, sem o que sua atuação seria totalmente inadequada.
Por fim, toda iniciativa para eliminar quaisquer formas de discriminação da PcD deve ser valorizada, pois contradizem o atual marco social dessas pessoas, que constitui um novo modelo de sociedade para todos, que saiba interagir com as minorias e respeite e valorize a diversidade humana. Nessa condição, tais direitos gozam de regime jurídico especial, consubstanciando no que se convencionou denominar princípio geral do “maior valor dos direitos fundamentais” e, portanto, estão sob a garantia de “cláusula pétrea” (art. 60, § 4º, IV, da CF/88), têm aplicação imediata (art. 5º, § 1º, da CF/88) e têm proteção do núcleo essencial.
Wiliam César Alves Machado
Secretário Municipal do Idoso e da PcD – Três Rios/RJ