A “maior” idade penal.

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Se você acredita que instituições de saúde, assistência social, sócio educativas, presídios e juízes podem compensar a ausência de um lar onde o afeto é o que mantém unidos os vínculos de cuidado e proteção, não deve achar um absurdo pagar um salário para que alguém te dê amor de mãe, de irmão, de esposo ou esposa.

Se você acha que a redução da maioridade penal, pode compensar a ausência de solidariedade e carinho, imagine-se na situação (comum entre crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade e negligência) de não ter o apoio de ninguém que não seja pago para estar com você.

Essa criminalização da infância é um tapa na cara de mães, avós, tias, irmãs, madrinhas e primas que, em meio a muitas dificuldades, não abandonam as crianças que lhe são confiadas. Você é um ingênuo útil se acha que o crime é apenas uma questão de escolha.

Quem deseja condenar um menor deve examinar sua profunda necessidade de absolvição. Não confunda a condição de vítima, com a de inocente. Você pode morrer na queda de um avião pilotado por um suicida, pode ser atropelado por um bêbado ou ser atingido por uma bala que errou o alvo… Isso faz de qualquer um uma vítima. Mas não faz ninguém virar um inocente.

Ninguém pode escapar das consequências de seus atos. E, fora do pacto social, ninguém está livre das consequências das ações alheias. Um adolescente assassino pode ser o resultado de muitas formas de ruptura familiar, do individualismo calculista que consome até o amor de mãe e, mais frequentemente, o amor de pai.

Um criminoso psicopata não é um filho do demônio. Pode ter nascido assim. E, como tal, é só mais uma criatura de Deus, ou da natureza, como um político corrupto ou um sonegador de impostos. Felizmente, os primeiros são mais raros que os dois últimos. 

Nada disso tem a ver com culpa. Tem a ver com a necessidade de cuidar ao mesmo tempo em que se impõe limites. E isso não pode ser comprado ao preço de um salário de servidor público. Nem que seja o salário de um juiz, o salário de um agente penitenciário, de um professor ou de um trabalhador da saúde.

O amor que edifica o cuidado não tem preço.

Há uma guerra civil não declarada em nossa sociedade. O lucrativo mercado de nossa moral hipócrita, de nossa ética do consumo e de nossa estética de publicidade movimenta bilhões de reais. Uma parte importante da economia monetária e simbólica está no comércio de armas, drogas e exploração sexual. Muita riqueza circula e é produzida na economia das sombras.

Nesse mundo pragmático e amoral, milhões de jovens que vivem em condições de miserabilidade material, afetiva e ética estão sendo levados a combater seus vizinhos de bairro. Armados eles se voltam contra as pessoas da rua de cima, da outra escola do bairro e contra eles mesmos. Praticam atos de barbárie em que o agressor, não escapa de ser a próxima vítima na rodada seguinte.

Milhares de civis que não estão engajados nessa guerra tornam-se danos colaterais na estatística da violência. É possível encontrar aquele menino que foi nosso colega em imagens no Whatsapp que detalham, em fotos de alta definição, as condições em que a vida teve fim para ele.

Numa espécie de ironia trágica, mesmo quem está um pouco mais afastado das trincheiras desta guerrilha urbana, assiste em suas salas a cada evento violento em cores vivas. Se o campo de batalha está restrito as zonas de vulnerabilidade onde o comércio ilegal floresce, o horror vai até você através de todas as mídias.

Talvez a sanha e o clamor pela diminuição da maioridade penal encontre sua lógica na necessidade de vingança contra a existência. Mas se for assim, certamente esse ódio se sustenta no vazio de sentido que se esconde atrás do maniqueísmo. A ficção do bem, do belo e do verdadeiro oculta a profunda solidariedade que une os seres humanos e sem o qual, a humanidade não seria possível…