Redução de danos, o que é, como surgiu e seus principais desafios.

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Uma importante estratégia de Redução de Danos surgiu a partir de iniciativas de troca de seringas, realizadas por uma associação de usuários de drogas na Holanda (a Junkiebonden), no início dos anos 80 (BASTOS, 2003). Diante das contaminações de hepatites virais causadas pelo compartilhamento de seringas entre usuários de drogas injetáveis, grupos de usuários passaram a criar estratégias para se proteger. Trata-se de um pequeno grupo que conciliou o desejo de continuar a usar drogas com a construção de estratégias de cuidado de si e dos outros. Essa experiência local inaugurou novas possibilidades de se falar sobre as drogas e sobre os usuários de drogas. Usuários que queriam se cuidar para continuar vivos e usando drogas iniciaram a construção de um novo plano discursivo sobre si e suas experiências, antes silenciado e posto na invisibilidade.
Ao possibilitar que os usuários falassem em nome próprio, a Redução de Danos também tornava legítimas estas experiências. O que usuários de drogas dizem, pensam e sentem em relação ao uso de drogas? E o que dizem, pensam, sentem e fazem quando desejam continuar a usá-las? São questões que foram inspiradoras do movimento da Redução de Danos. No regime de criminalização e de condenação moral dos usuários de drogas, estes, quando convocados a falar, são sempre na condição de culpados e arrependidos, sendo o primeiro passo o reconhecimento da doença e o segundo a busca da cura. São convocados a falar somente na condição de doentes, sejam ex-usuários ou candidatos a ex-usuários.
A partir da mundialização da epidemia de HIV/aids, a Redução de Danos foi inserida em um novo circuito institucional. A Organização Mundial da Saúde (OMS) incluiu as estratégias de Redução de Danos (RD) no repertório de ações de combate a esta epidemia. As orientações da OMS e os financiamentos vindos do Banco Mundial possibilitaram que, em muitos países, a Redução de Danos fosse adotada como uma das ações de prevenção (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 1993 apud WODAK, 1998). O anteparo institucional criado pelas políticas mundiais de HIV/aids possibilitou que questões como direitos dos usuários passassem a ser pautadas localmente. Desse modo, as questões trazidas pela RD a respeito das experiências de pessoas que desejam usar drogas, passaram a ser tema de debate político em torno de busca de garantia de direitos humanos.

Para além das polaridades

Acusada de incentivar o uso de drogas, a RD enredada-se em um esquema binário em que o campo da justiça define o que pode e o que não pode no campo da Saúde, especificamente no que diz respeito à atenção aos usuários de álcool e outras drogas. É esse tipo de imagem formatada que faz com que uma parcela da sociedade civil, gestores, juristas, familiares, acreditem que a RD, por não dizer “NÃO ÀS DROGAS”, estaria inevitavelmente dizendo “SIM ÀS DROGAS”, associando-a com a imagem de um bando de usuários usando drogas livremente pelos estabelecimentos de saúde. Se, por um lado, essa operação não passa de um ataque banal a RD, por outro ela revela uma característica emergente que a RD traz para o campo das drogas: fazer surgir novas regras diferentes da regra da abstinência e de atrelar a saúde a uma terceira via que possibilite escapar do esquema jurídico do contra ou a favor, do lícito e do ilícito. Quando a abstinência é tomada como regra única e superior, ela acaba por destituir outras possibilidades de regras. Isolada como única regra, torna outras possibilidades de regras em não regras, logo, em um “vale tudo”.

Universalidade e clínica ampliada: confrontos e encontros entre Redução de Danos e abstinência

Partimos do esforço para que o tema das drogas seja um ponto de problematização do próprio SUS, por um lado, e, por outro, faremos com que os princípios e as diretrizes do SUS possam fortalecer e qualificar a discussão sobre as políticas de drogas. Interessa-nos, igualmente, discutir o SUS e a especificidade do campo das drogas. E faremos isso tratando estas duas instâncias como dobras que não se contém inteiramente: o tema das drogas não cabe inteiramente no SUS; os problemas vividos pelos usuários de drogas no sistema de saúde são constituídos por forças que atravessam, interferem e redirecionam a política do SUS. Por outro lado, o SUS, não se resume à problemática das drogas, e enquanto campo em construção, pode atualizar e reforçar um conjunto de forças (e relações de poder) constituídas historicamente, como pode produzir mudanças e alternativas potentes para Cadernos HumanizaSUS 225 a vida dos usuários de drogas.
A abstinência como regra absoluta insere o sentido de universal proibicionista, operando como um conceito que agencia um conjunto de pretensos universais: uma concepção universal de saúde como sinônimo de vida livre das drogas, o universal de que as drogas fazem necessariamente mal à saúde, um universal de que todos devem parar de usar drogas. Segundo Jullien (2009), a noção de universalidade surge de três impulsos da história humana, que não possuem genealogias em comum. O primeiro é a noção de universalidade do conhecimento, surgido da filosofia pré-socrática, em que o conhecimento verdadeiro surge do afastamento das singularidades e do caos da experiência. Essa noção de universalidade constituiu uma primeira separação entre universal e singular e foi a base para o conhecimento científico. Uma segunda noção de universalidade vem do direito romano, que constitui as bases para a universalidade do acesso, por exemplo. Um terceiro sentido de universalidade surge com o cristianismo, em que a salvação é posta como um universal, diante do qual devemos agir no presente segundo regras morais que vão garantir no pós-vida a eterna salvação das almas. 

Acredito que a RD deve ser mais divulgada, em relação a "o que é, como funciona", pois como citado anteriormente, muitas pessoas a vêem como uma incentivadora do uso de drogas, o que não é verdade. Existindo essa divulgação, muitas pessoas que são dependentes, e tentaram largar da droga (sem sucesso), terão uma nova alternativa, que é a RD.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

SOUZA, T.P.; CARVALHO, S.R. Reduzindo danos e ampliando a clínica: Desafios para a garantia do acesso universal e os confrontos com a internação compulsória. Ministério da saúde. Cadernos HumanizaSUS vol. V