Saúde Mental dos Povos Indígenas do Brasil

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       Durante todo o período colonial e até depois da Ditadura Militar Brasileira (1964-1985) a perspectiva do estado brasileiro era integracionista, ou seja, não reconhecendo os povos indígenas como sujeitos de detentores de direitos. Esse contexto abrangia vários segmentos sociais e instituições, principalmente a igreja católica cuja narrativa buscava “integrar o índio no mundo dos homens válidos”. Tal postura do Estado Nacional Brasileiro e das instituições que lidavam com os Povos Indígenas, certamente, ao longo de cinco séculos, mantiveram o índio sob uma condição excludente, humilhante e dignificante frente a cultura hegemônica ocidental. Esse cenário de inúmeras situações infortúnias vividas – sofrimentos físicos e psíquicos – , significativamente, contribuiu e vem contribuído na questão da Saúde Mental Indígena.

     A complexidade entorno do conceito de saúde mental, corriqueiramente, traz divergências entre estudiosos de diferentes culturas. As definições abrangem entre outras coisas, o bem-estar subjetivo, a autoeficácia percebida, a autonomia, a competência, a dependência intergeracional e a autorrealiazção do potencial intelectual e emocional da pessoa. Conforme a OMS (2001) preconiza, “(…) numa perspectiva transcultural, é quase impossível definir saúde mental de forma completo. De um modo geral, porém, concorda-se ao fato de que a saúde mental é algo mais do que ausência de perturbações mentais.”

     A abordagem à Saúde Mental Indígena traz potenciais peculiaridades, visto que os Povos Indígenas possuem as suas próprias concepções de produção de saúde e adoecimento, intimamente ligadas às práticas/cultos de dimensão espiritual. Dessa forma, torna-se ainda mais desafiador para saúde pública definir uma intervenção teórico-metodológica na saúde mental indígena, pois a variedade cultural e multiétnica é deve substancialmente ser levada em consideração. A definição de saúde mental, em suma, tem como aspecto fundamental o bem-estar. O bem-estar é um forte indicador social, seja a nível individual ou coletivo, contexto e perspectiva de vida. Na amplitude desses aspectos, a faceta negativa saúde mental indígena está ligada ao “(…) uso abusivo de substâncias como o álcool e outras drogas, suicídios, excesso de medicamentos antidepressivos e de mais psicotrópicos, empobrecimento dos laços comunitários, aumento da violência comunitária, baixa autoestima, desvalorização das raízes culturais, entre outros apontados pelas lideranças” (Stock, 2011).

    O Ministério da Saúde lança em 2007 a Portaria 2.759 que no Art 1º estabelece as Diretrizes Gerais das Populações Indígenas, caracterizando-se como um marco para esses povos, bem como apoio e respeito à capacidade das diversas etnias e das comunidades indígenas, com seus valores, economias, tecnologias, modos de organização, de expressão e de produção de conhecimento. Sob essa ótica, a abordagem psicossocial passa a ser fundamentada e consensual junto as comunidades indígenas. Para tanto, também é levado em conta os conhecimentos da medicina tradicional das comunidades, com dispositivos alternativos viáveis e consensuais para a abordagem dos problemas de saúde destas comunidades. Não menos importante, segundo a Portaria, as soluções para os problemas de saúde mental devem ser atendidas no nível da atenção básica, e da potencialização dos Centro de Atenção Psicossocial – CAPS – na construção coletiva de ações em territórios indígenas, sobretudo em regiões com grande concentração de comunidades. O tratamento singular da saúde mental indígena é um avanço, tendo escopo na profundidade das especificidade, de maneira a não impor aspectos culturais dos 'não indíos' para o tratamento psicossocial dos indígenas, uma vez que a maior parte dos saberes "psi' foram construído em torno de outros modos de produção cultural e hermenêuticas ocidentais. Sobretudo, a atuação vai fronte “àquilo que envolve a problematização dos vínculos e da qualidade dos encontros com o mundo, as pessoas, as instituições, etc” (Stock, 2011).

    Para LACERDA (1999) o álcool é a droga mais amplamente utilizada no mundo, nas mais diferentes culturas, pois o consumo de substâncias que possuem a capacidade de alterar estados de consciência e modificar o comportamento, parece ser um fenômeno universal da humanidade. Historicamente, métodos mágicos e empíricos foram usados em várias sociedades e culturas, não apenas pela população de forma espontânea, mas também como recomendação dos responsáveis pelasaúde na comunidade local, como ações preventivas. Portanto, esse panorama também integra-se à realidade dos povos indígenas. O autor QUILES (2001) informa que as bebidas alcoólicas sempre foramutilizadas como instrumento de dominação em relação às populações indígenas. Contudo, o ato de ingerir bebidas alcoólicas passam a ser um problema quando começam a trazer impactos prejudiciais à vida do bebedor, da família ou da comunidade (Ferreira, 2001). A depender das distintas formas de exposição a situações de tensão social, ameaças e vulnerabilidade, dados da literatura nacional apontam para um aumento considerável de sua prevalência (Coimbra Jr., Santos & Escobar, 2003; Souza, J. A & Aguiar, 2001).

   É nítido que os condicionantes da situação de saúde das populações indígenas foram, ao longo das décadas, ditados pelo padrão de contato com a sociedade nacional. Pode-se ressaltas as epidemias que exterminaram milhares de povos. Então, as mudanças socioculturais e o contato dos indígenas com as civilizações ocidentais – desde meados da colonização – trouxe novas facetas de conhecimentos e recursos. Entre eles, o uso da bebida alcóol como um poderio recreativo e, muitas vezes, imprescindível na posição social/cultural do homem. Assim, o aumento da prevalência de alcoolismo em indígenas está diretamente relacionado com o processo de “pacificação” e a situação atual do índio frente à sociedade envolvente. O alcoolismo tem sido, portanto, considerado uma das principais causas de mortalidade, seja pelo aumento da ocorrência de doenças como cirrose, diabetes, hipertensão arterial, doenças do coração, do aparelho digestivo, depressão e estresse ou como causa de morte por fatores externos como acidentes, brigas, quedas e o suicídio – que não será explanado nesta resenha, embora fundamentalmente importante ao se tratar de saúde mental indígena.

   As consequências do abuso de álcool para as comunidades indígenas podem ser constatadas nos estudos relacionando-o especificamente: à violência social (Oliveira, 2003) à continuidade de uma saúde precária, e a altas taxas de suicídio em certas comunidades, tais como as dos Kaiowá/Guarani e Tikúna (Erthal 1998, 2001) e Kaingángs (Ministério da Saúde , 2001). O alcoolismo tem sido associado também a um importante aumento do índice de crianças com desnutrição e considerado como um dos fatores que têm provocado tensão dentro das comunidades, estimulando a sexualidade fora das regras do grupo, assim como abuso sexual e prostituição nos centros urbanos e em rodovias (Ministério da Saúde, 2001).

   A falta de uma uma equipe transcultural capacitada a atender as especificidades etnoculturais das populações indígenas não se resume aos reflexos de pendências que há acerca da saúde mental indígena. Nos últimos anos, muitas comunidades indígenas têm se mobilizado com relação ao bem-estar de seus membros. Entretanto, apenas em 2007 se tem a criação de uma diretriz de um sistema de monitoramento e avaliação das ações de atenção. Mesmo assim, a descontinuidade das ações e a carência de profissionais da saúde somam-se aos agravos.

   É essencial que haja mobilização de organizações juridicamente constituídas e, sobretudo, do Ministério da Saúde junto aos ramos políticos que defendem o direito à saúde integral aos povos indígenas do Brasil. É preciso – muito além de conhecimento e controle sobre as doenças/agravos – que os saberes técnicos não se transponham a valores étnicos, respeitando e compreendendo, assim, a diversidade deste segmento. A abordagem biopsicossocial deve ser um elemento agregante, a fim de acabar resultando apenas com a medicalização psiquiátrica. É de demanda do contexto que os próprios povos busquem e somem forças nos saberes médicos como fortalecimento no potencial terapêutico na saúde mental indígena.

 

Referências Bibliográficas:

• Conselho Indigenista Missionário. (2005) . Povos indígenas do Brasil.

<https://www.cimi.org.b>. Acesso em: 20 mai 2005.

• Oliveira, M. (2001). Alcoolismo entre os Kaingáng: Do sagrado e lúdico à dependência. In Anais do Seminário sobre Alcoolismo e DST/AIDS entre os Povos Indígenas (pp. 99-125). Brasília, DF: Ministério da Saúde.

• STOCK, B.S. Os Povos Indígenas e a Política de Saúde Mental no Brasil: composição simétrica de saberes para a construção do presente. Caderno IHU Ideias, ano 9, Nº 145.

Universidade do Vale do Rio dos Sinos. São Leopoldo RS, 2011.