COMBATENDO O RACISMO COM DADOS

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Combatendo o racismo com dados

 

 

16 de julho de 2015

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Antigamente, havia duas formas de se descobrir o que alguém realmente pensava. A primeira era pegar a pessoa distraída. Para dados em massa, tínhamos apenas uma segunda opção, que era fazer a pergunta e esperar uma resposta sincera. Hoje, temos uma terceira: o Google.

Na semana passada, a jornalista Maria Júia Coutinho, do Jornal Nacional, foi alvo de ofensas raciais e foi defendida em campanha. A hashtag #SomosTodosMajuCoutinho chegou ao topo dos trending topics, os tópicos mais comentados do Twitter, na sexta-feira, 3 de julho. Maju, como é chamada por seus colegas de trabalho, declarou indignação com “minoria”, mas feliz com carinho de apoiadores. Chegou até a lembrar (e adaptar à situação) um velho provérbio árabe: “Os preconceituosos ladram, mas a caravana passa”.

Antigamente, havia duas formas de se descobrir o que alguém realmente pensava. A primeira era pegar a pessoa distraída. Porém, para dados em massa, tínhamos apenas uma segunda opção: fazer a pergunta e esperar uma resposta sincera. Infelizmente, as pesquisas são historicamente incapazes de revelar atitudes verdadeiras em relação a temas como raça, comportamento sexual, uso de drogas e até funções corporais, porque as pessoas editam as respostas. Pensamentos e crenças não acarretam uma ação explícita. Atitudes mais desagradáveis e polêmicas escondem-se por trás de um véu de ego e normas culturais quase impossível de remover.

É a maldição do cientista social: o que você mais quer saber é justamente o que seus objetos de estudo mais tentam esconder. Essa tendência, chamada influência da desejabilidade social, faz com que as pessoas respondam perguntas de modo a serem bem-vistas pelo entrevistador. Além do racismo, problemas como depressão e vícios também são difíceis de se diagnosticar em nível social, porque as pessoas não conseguem ser sinceras sobre esses assuntos. O simples ato de perguntar gera a autocensura.
O Google virou um repositório do id coletivo da humanidade. Ouve confissões, preocupações e segredos, é médico, padre, psiquiatra, confidente e, acima de tudo, não precisa perguntar nada, pois a pergunta está sempre implícita no espaço em branco da interface: E aí, em que você está pensando?

Quase todo site que registra opiniões ou coleta dados descritivos enfrenta o mesmo problema, mas há um lugar em que não se precisa fazer perguntas e, por isso, os dados estão livres de pressões: com a busca, não há pergunta, você simplesmente fala. O Google, aquele pequeno retângulo vazio, cujo cursor está inerte e pronto, apenas esperando pelos seus pensamentos, para lhe ajudar a encontrar o que procura na grande mata cerrada da Internet, de modo quase secundário, também virou um repositório do id coletivo da humanidade.

Ele ouve nossas confissões, preocupações e segredos, sendo médico, padre, psiquiatra, confidente e, acima de tudo, o Google não precisa perguntar nada, pois a pergunta está sempre implícita no espaço em branco da interface: E aí, em que você está pensando?

O que a pessoa procura geralmente mostra como ela é por inteiro. O truque até agora consiste em saber: como podemos ver as buscas? Desde 2008 o Google nos deu este vislumbre com a ferramenta Google Trends,qualquer pessoa pode pesquisar no banco de dados agregados de busca.

Cientistas já usaram o Google Trends para prever o mercado de ações, revelar o que move a produtividade econômica, analisar epidemias de gripe e dengue em tempo real. Mas, o site também registra outros tipos de “virulência”. A palavra “nigger” (um termo pejorativo para se referir a pessoas negras que pode ser traduzido como “crioulo”) por exemplo, é muito procurada nos Estados Unidos: está em 7 milhões de buscas por ano.

O que também é interessante é que ela aparece com muito mais frequência no Google do que em um lugar mais público, onde nossa alma é mostrada, o Twitter. Ao contrário dos ciclos agudos de doenças, o caminho do racismo é lento e persistente, trabalhando em nível geracional em vez de metabólico, sendo um dos poucos assuntos onde podemos começar a ver as amplas possibilidades longitudinais dos dados.
Ao contrário dos ciclos agudos de doenças, o caminho do racismo é lento e persistente, trabalhando em nível geracional em vez de metabólico.

Se por um lado, possa ser até “risível” (ainda que sempre deplorável) pensar em um cara furioso procurando “piadas de preto” porque Barack Obama foi eleito ou porque uma jornalista negra se destaque na mídia por sua competência, é muito menos engraçado quando podemos ver que esse “cara furioso” é apenas um em milhares e milhares fazendo a mesma busca. Portanto, a coisa é séria, trata-se da história de apenas um de nós versus a história de todos nós. É por isso que dados como esses que o Google Trends apresenta são necessários: para encerrar discussões que jamais poderiam ser vencidas por anedotas, pois eles fornecem fatos que precisam ser encarados.