Cartão SUS Digital: Impressões Iniciais de um Internauta (in)Tranquilo
Logo que vi o anúncio do cartão digital do SUS, não resisti. Baixei o aplicativo para meu celular. Foi uma sensação muito legal ver o meu cartão SUS, já tenho um “número” para o Sistema Único de Saúde embora o aviso que nos dão é que eu posso ser atendido sem ele. Ufa, parece que mais vale ser gente e cidadão.
Quando você vai instalar, o app te pergunta se você autoriza a usar os seguintes dados: “identidade”, “contatos”, “local”, “informação de conexão wi-fi”. Alguém pena nas consequências que isso pode ter para a própria privacidade? Acostumado a baixar uma porção de coisas, não pensei duas vezes e PIMBA! Autorizei o acesso as minhas informações. Mas antes de me deter nesse aspecto, vamos as impressões iniciais.
De cara eu posso colocar dados gerais sobre minha saúde, ver se estou com sobrepeso, listar medicamentos e alimentos que sou alérgico. Com o tempo poderei registrar atendimentos e procedimentos, medicamentos e exames. Porém, parece não ficar claro para o usuário como aquele banco de dados irá ser alimentado quando ele estiver em processo de atendimento afinal, ainda não dá para perceber se a ferramenta é apenas para manuseio do usuário ou se terá alguma conectividade com bases de dados.
Óbvio que nem todo mundo terá maior intimidade com o aplicativo, seja por faixa de renda, por não ter smartphone ou por dificuldades de saúde, idade etc. Na dúvida, consulte seus filhos. Eles sempre tem uma solução para tudo.
Registrar apenas resultados de glicemia é muito restritivo frente a infinidade de coisas importantes que também poderiam ser registradas. Seria ótimo que o usuário pudesse entrar em contato com bancos de informação que oferecessem subsídios para o autocuidado.
Apesar dessas ressalvas, é um grande avanço, abre portas para várias coisas interessantes que ainda poderiam ser feitas e pode potencializar o contato do SUS com o usuário. Imaginei situações no futuro onde o SAMU encontrasse um paciente desacordado e partir de seu celular pudesse acessar informações relevantes que orientassem o atendimento.
Mas vamos pensar em alguns problemas ou pelo menos o risco da existência deles. No caso desse app, quando preenchemos nossos dados não recebemos qualquer informação sobre termos de uso das informações que colocamos no celular. Existe um espaço oferecido pelo app que me permite registrar medicamentos que estou tomando e horários para tal além das substâncias que sou alérgico. Alguém além de mim terá acesso a essa informação? Os dados são criptografados? Eles farão parte de um banco de dados?
Pode ser “paranoia” nossa mas cabe lembrar o episódio do cidadão que criou um email específico para contato coma receita federal e de repente começou a receber dezenas de publicidades em sua caixa. Ação de um vírus de computador ou a conduta inadequada de seres humanos que vendem informações que devem ser sigilosas?
Mas não precisamos ir tão longe. O enaltecido sistema de saúde do Reino Unido possui talvez o melhor banco de dados sobre a saúde de uma população. Por um lado, isso é maravilhoso ao oferecer imensos subsídios documentais para a pesquisa o que representa implementação de qualidade de vida. Mas por outro lado, os dados podem também ser acessados por indústrias farmacêuticas e seguradoras para a obtenção de informação sanitária com objetivos questionáveis.
Sabe aquela informação que você é tabagista e não diz para a seguradora? Pois é, mas para o seu médico você diz. E informações sobre suas características pessoais, não induziriam ao comportamento de consumo quando se pensa a publicidade de medicamentos? Um escritor de ficção científica poderia ser estimulado a pensar uma sociedade onde as pessoas fossem melhor “governadas” a partir de um massivo banco de dados sobre saúde mental o que tornaria “1984” e “Admirável Mundo Novo” uma brincadeira de criança.
Apps com informações sobre o SUS e para o SUS e quem sabe em breve uma rede que forneça dados de prontuários eletrônicos em rede por todo o país. É o velho dilema notado por São Tomás de Aquino: O mal não está na faca mas no uso que podemos fazer dela.
Dúvidas sobre o app podem ser encaminhadas para:
Equipe do Sistema do Cartão Nacional de Saúde
[email protected]
Departamento de Informática do SUS – DATASUS
Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa – SGEP
Ministério da Saúde – MS
Brasília/DF, Esplanada dos Ministérios Bloco G
Ah, mas antes de mandar, compartilha com a gente aqui na RHS!
Por Ricardo Teixeira
… não apenas em relação a este app, mas ainda mais ao e-SUS e a perspectiva dos dados de milhões de usuários do SUS poderem estar disponíveis em rede.
Como você bem lembrou, Erasmo, essa foi uma das discussões mais quentes relacionadas ao NHS (National Health System do Reino Unido) no ano passado: a perspectiva dos gestores do NHS "negociarem" os bancos de dados dos pacientes do sistema britânico, alimentados por milhares de médicos, causou uma verdadeira comoção social por lá…
Pra quem se interessar por esse assunto tão candente, vale a leitura dessa matéria no The Guardian. Infelizmente, em inglês…
NHS patient data to be made available for sale to drug and insurance firms
Acho fundamental que essas questões sejam discutidas, conforme a informatização do SUS avança!
O direito à privacidade no mundo da web e a necessidade de criptografia de dados é uma discussão tecnopolítica na ordem do dia!
Seria muito interessante se os companheiros do DATASUS pudessem nos tranquilizar em relação a várias dessas dúvidas…
Abraços!