Coletivo Nacional da PNH se reúne em Brasília-DF para discutir novos arranjos
Realizado na quinta-feira (3), em Brasília-DF, o encontro do Coletivo Nacional, da Política Nacional de Humanização junto à Secretaria de Atenção à Saúde (PNH/SAS), teve como poposta a discussão da nova direcionalidade da PNH, sendo voltada à Estratégia de Apoio às Regiões de Saúde e à integração de políticas e áreas do Ministério da Saúde (MS). Um convite para refletir sobre os pressupostos da Política, com vistas a pactuar estratégias, arranjos e eixos de atuação da Humanização no que tange a interface com:
– O plano de trabalho dos Apoiadores Descentralizados e Referências Estaduais para o apoio, com foco nas regiões de saúde e RAS, articulando-o às demandas que diferentes serviços nos territórios têm feito à PNH;
– As demandas oriundas de áreas do MS, bem como à demanda da própria SAS, de que a PNH possa contribuir para a integração de áreas e políticas no MS.
A programação contou com a presença da coordenadora nacional da PNH, Elizabete Vieira Matheus da Silva e apoiadores que compõem o coletivo da política, sendo dividido em quatro principais momentos:
• O desafio da transversalização: pressupostos que fundam a PNH e suas formas de expressão nas políticas de governo.
• A sustentabilidade da produção simbólica da PNH: acúmulos e conquistas que fortalecem o ideário e a defesa do SUS.
• O Apoio como estratégia de capilarização da PNH nas RAS, com foco nas regiões de saúde.
• A aposta da SAS na implementação e fortalecimento da PNH articulada à Estratégia de Apoio do MS.
“A multiplicidade do Brasil e do próprio MS propõe formulações diferentes para atender às várias demandas. É importante transformar a conversa sobre o SUS, para que ela não seja apenas discutida em meio aos gestores. O SUS é transversal.” (Gustavo Nunes de Oliveira- Professor do Departamento de Saúde Coletiva da UNB e ex-coordenador da PNH).
“Para falar do capital simbólico da PNH, lembro aqui da criação da insígnia ‘Faço Parte do SUS Que dá Certo’ porque esse acúmulo da PNH emana das Práticas, e também da Rede HumanizaSUS, que é hoje, uma máquina de dicussão do SUS, onde experimentamos o jornalismo comunitário.”(Ricardo Teixeira- Professor Doutor do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).
“A PNH pôde até aqui, vivendo nesse tempo institucional contribuir muito com a simplificação nos modos de fazer.” (Ana Maria Figueiredo- Secretária de Atenção à Saúde Substituta).
“O espaço da gestão é também lugar de construção de conhecimento e estruturação de Políticas e Cuidado. Por isso, nossa aposta é na criação e produção de Saúde em Rede, para isso, é necessário reconhecer a PNH como política de governo, valorizar os princípios e diretrizes e investir na comunicação dos vários grupos." (Elizabete Vieira Matheus da Silva- coordenadora da PNH).
"Esse espaço permite debater e fomentar Redes. A PNH ajuda a pensar melhor, porque faz isso de maneira coletiva." (Liane Righi- professora adjunta da Universidade Federal do Rio Grande do Sul).
Além disso, houve momento de debate e um espaço destinado à realização de trabalhos em grupo, onde ficou claro que a Humanização tem planos em rede, para mobilizar, discutir e melhorar o SUS.
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*Equipe de Comunicação e Jornalismo NUCOM/PNH/ SAS
Texto:Sheila Souza
Foto:Thiago Castellan
Por miguel angelo maia
Fico aqui imaginando a potência do encontro que, certamente, este post não dá conta de expressar, posto que só alinhava os temas de discussão, bastante pertinentes, mas não dá nenhuma pista do que foi discutido.
As duas interfaces e os quatro momentos devem ter produzido riquezas de problematizações que, certamente, contribuirão para o novo desenho do jeito de ser da PNH e, que, dos territórios, ainda não nos permitem entrar na conversa, mas como interessados, saber que ela está sendo levada a cabo.
Percebo, nas fotos e falas, que além da Coordenadora Nacional, de Coordenadores Regionais e de Apoiadores da PNH, a programação contou também com professores, hoje externos à política: Gustavo Nunes (UNB e ex-coordenador da PNH) e Ricardo Teixeira (USP e ex-coordenador da RHS).
Vou me ater, em meus comentários, aos pedaços de falas dos participantes que, creio, devem ser indicadores do que foi debatido e que, sem sermos partícipes, nos conduzem a participar através do mínimo divulgado.
O pedaço de fala do Gustavo Nunes nos remete à multiplicidade que constitui o SUS e que, assim o é, porque reflete a multiplicidade de composição de um trabalho que, sempre em rede, não pode prescindir de atentar para múltiplos aspectos que, não por deficiência, mas por necessidade produtiva, não pode estancar-se em homogeneidades. O SUS é transversal, vaticina sua fala, e, portanto, deve e só pode ser transverso em sua gestão e em sua atenção.
Poderíamos aqui argumentar com um monótono lugar comum acerca da continentalidade de nosso país e da dificuldade daí decorrente de traçar um comum para aquilo que, sendo único, reúne em si um obstáculo a mais, como se, por ser imenso, o Brasil comportasse mais complexidade que outros países.
Falso problema, a meu ver, porque não é a diversidade e o tamanho que dificultam o comum. Qualquer município e, mesmo, qualquer bairro ou qualquer pessoa em sua singularidade, por ínfima que seja, já porta em si uma complexidade: o de ser vivo e, como tal, jamais se ajustar em qualquer visão homogeneizante.
Transversal, assim, do que eu depreendo deste pedacinho de fala, deve ser algo a ser entendido para além de qualquer compreensão de único e unidade. Assim, não podemos ter um Ministério da Saúde Único, não podemos ter uma Rede de Saúde Única, não podemos ter Serviços de Saúde Único e, portanto, nenhum apoiador único, que mesmo rebolando entre generalista e especialista ao mesmo tempo, coisa impossível, possa dar conta, com um único método, de fazer funcionar o que, para funcionar, é e deve manter sua diversidade.
Assim, para que a conversa do SUS não se faça apenas entre gestores, entre trabalhadores e entre usuários e, a partir destes centramentos, se irradiem para um centro maior, que constituiria uma síntese das conversa, efetuada por um Ministério único, transversalizar significa, para mim, focar nas relações, no diverso e, a partir do diverso, traçar diretrizes diversas de, no diverso, se diversificar em torno de um objetivo comum, nunca dado, mas sempre reavaliado e rearranjado em um novo movimento comum.
Engana-se quem vaticinar que o diverso é um problema, quando o problema é querer como unidade o que não tem unidade nenhuma. O que não quer dizer que não possa haver unificação de interesses.
A fala do Ricardo Teixeira traz outro importante ingrediente. Ao falar da RHS ele fala de uma máquina expressiva, máquina expressiva do SUS, como a nomeio e alardeio, esperando que ela possa continuar assim.
Mesmo sendo ele o idealizador e o progenitor desta máquina, ouso aqui inverter suas proposições, com o argumento de que os filhos jamais são cópias idênticas dos pais, pois, muitas vezes, afirmando a paternidade, eles assumem a complicada e nada tranquila condição de serem os pais de seus pais, de forma que os filhos, às vezes, acabam sendo mais velhos que seu pai.
Não acho que a RHS faça jornalismo comunitário, acho, ao contrário, que o que ali se passa é mais efeito de uma comunidade que, em meio a sua multiplicidade de funções, é às vezes e somente às vezes, jornalística. Ao menos se considerarmos o jornalismo em seu aspecto instituído.
A RHS é máquina expressiva e se expressa por tantos outros meios do qual o “ser jornalística” é apenas uma de suas manifestações. Ela não só informa e partilha jornadas e compreensões de jornadas, ela é, muitas vezes, apenas expressão de uma singularidade que, sem valor para a mídia jornalística, se faz diário de bordo ou mesmo bilhete de trocas de singularidades intensivas que não anseiam formar ou informar nenhum público, mas apenas publicizar experiências de vida, ainda que singulares, ainda que sem o domínio das formas de se expressar. A RHS não funciona como um canal jornalístico, no qual um pretenso e legitimado ser da informação social manifestaria o que outros pensam, numa média de expressão pública.
A RHS é o público se dizendo, é a fala polívoca e sem formatação hegemônica daquele que quer se dizer e, como tal, se faz jornalismo, é um jornalismo do vivencial, vivencialismo sem pruridos de falar em uma língua menor. Portanto é uma espécie não de um ‘faço parte de um SUS que dá certo”, mas, muito mais, como entendo, “dou certo porque faço parte de um SUS que dá certo”. E dá certo não por uma suposta idealidade do SUS, mas porque, no frigir dos ovos, me reconheço como parte participante de algo que não tem centralidade e unidade programática, mas polivocidade de construtores em meio à construção sempre em processo. Nela, não sou realmente, eu troco de ser no embalo de um sendo.
A expressividade potente da RHS não é jornalística, no sentido social do termo, ela é vivencial e, por sê-lo, às vezes remete a certo jornalismo, ainda que desviante dele. O acompanhamento da tragédia de Santa Maria me convenceu profundamente disto.
O pedaço de fala da Ana Maria me remete a outra coisa importante. Embora eu entenda e aceite, através deste entendimento, o que penso ser a frase: “A PNH pôde até aqui, vivendo nesse tempo institucional, contribuir muito com a simplificação nos modos de fazer”, ousaria também contradizer.
A PNH não simplificou nada e não tomou nada como simples, apenas tentou fazer o que vinha do simples se transformar em um plano de ação, nada simples, para fazer frente ao que, embora nada simples, simplificava tudo em um único jeito entediante e impossível de fazer. A PNH visava à ampliação da capacidade de análise, não nos esqueçamos. Daquilo que ela analisava e do que, em conjunto, os protagonistas de suas experiências analisava. A formação da PNH não desejava ser acadêmica e capacitadora, desejava, isto sim, ser formação em serviço na qual a formação era sempre uma inseparalidade entre quem aprende e quem ensina. Aprendíamos no empreendimento de uma relação em tudo coprodutiva.
Alguns consultores, inclusive, a nomearam de messiânica, alguns achavam que, por covardia, a PNH insistia em não se ater às táticas verticalizadas de gestão. Acreditavam que, puritana, a PNH queria se manter virgem e intocável.
Estranho isto porque, se formos realmente nos debruçar sobre seus modos de fazer, a PNH nunca foi casta. Se máquina celibatária, nunca o foi em prol de medos ou preceitos morais, mas como vestal grega que dormia, fornicando com todos os estrangeiros, sem jamais pertencer a nenhum, porque servia a um deus que era pandemônio.
A PNH contribuiu com o complexo, com as diferenças e com os seus nada simples modo de fazer. Tanto é que, depois de 12 anos, a PNH, ao menos como a vivo, jamais conseguiu formular um único modo de fazer que tivesse, nos parâmetros quantitativos, uma eficiência e eficácia definitivos. Foi em aparentemente não fazendo muita coisa pelo tempo da macropolítica que, na face micropolítica, a PNH fez muito, um muito que, após 12 anos, a manteve viva e, após isto, só se manterá, apesar do nome, se continuar em sua humildade transitiva, embora muitos a vejam como autista, ineficiente e falando muito, fazendo pouco.
Desta forma, a iluminada Liane Righi e a visionária e desejante Coordenadora atual da PNH falam de um espaço coletivo. Liane diz que “pensar melhor é pensar em rede” e Elisabete diz “nossa aposta é na criação e produção de Saúde em Rede”.
Rede tem nós, mas rede também tem buracos, tem vazios que não são faltas, mas excessos desejantes. Redes têm e são vivas.
Para além e aquém de qualquer idealidade, um Ministério de Saúde único, uma regionalização e construção aquecidas de regionalização do SUS, não passam por uma uniformidade de propósitos e economia de meios. Passam, acho eu, por um projeto em comum e por uma diretriz vivida daqueles que, agradecem todas as boas intenções, mas militam nos campos do inferno.
Há muito cansamos de pão e circo, mas estamos dispostos, se realmente nos considerarmos e nos levarmos em conta, a alimentar a engrenagem com nossos esforços e a sermos palhaços do futuro.
Fora isto, agradecemos, mas não podemos participar daquilo que nos desconsidera como força e nos vê apenas como engrenagem de um maquinismo programado por quem pretende saber o que é a melhor vida e a melhor maneira de cuidarmos dela.
Embora políticos, somos trabalhadores. Revejam todas as vantagens que os constituem como seres políticos legitimados e nos legitimem, ao menos na inclusão de nossa autonomia viva, como aqueles que vivem e produzem vida, no desgaste do esforço de continuarmos produzindo, apesar de tudo.
Não queremos respeito e consideração, queremos reconhecimento e participação.
Não somos recursos, somos GENTE!