Cuidar do outro é cuidar de mim , cuidar de mim é cuidar do mundo; o Corredor do Cuidado

11 votos

o_tambor_de_cura.jpg

 

Cuidar do outro é cuidar de mim
Cuidar de mim é cuidar do mundo
Ray Lima
Por Vera Dantas e Edvan Florêncio
A aproximação entre profissionais da saúde e os sujeitos populares com suas vivências de cuidado, historicamente construídas na luta popular, como superação às dificuldades de acesso ao sistema oficial e que Freire ( 1987, p. 77), denomina “saber-de-experiência-feito”, tem propiciado o reconhecimento do jeito de fazer saúde acumulado tradicionalmente nas formas populares de cuidar.  Optamos por nomeá-las Práticas Populares de Cuidado e estas tem desvelado possibilidades de construção de processos de cuidado dialogados, participativos e humanizados, acolhedores da cultura e do saber popular.
Podemos considerá-las práticas sociais uma vez que se constituem no encontro entre diferentes sujeitos, que se identificam com uma postura mais integradora do ser humano reconhecendo e legitimando crenças, valores, conhecimentos, desejos e necessidades das classes populares, refletindo sua leitura do mundo, referenciadas na ancestralidade, nas experiências e condições de vida, no contexto sociocultural, reconhecendo o ser humano em sua totalidade, comprometido com a transformação da sociedade, com o enfrentamento das iniquidades e a emancipação dos atores.
Podemos aqui nomear alguns dos seus protagonistas entre os quais estão parteiras, raizeiros, benzedeiras, pajés, xamãs, puxadores de ossos, massoterapeutas, homeopatas populares, terapeutas comunitários, mães e pais de santo e outros atores vinculados aos espaços de afrorreligiosidade, mestres da cultura popular e tantos outros, cuja principal referência é a profunda vinculação e amorosidade às pessoas e à comunidade onde vive e a luta solidária por uma vida mais digna para todos.
O Corredor do Cuidado é uma vivência que vem sendo trabalhada pelos movimentos populares do Ceará há muitos anos, inicialmente durante as formações em massoterapia que ocorriam no contexto dos movimentos. Sem maiores preocupações em definir suas referências conceituais, os atores e atrizes que protagonizavam esses processos, partiam da possibilidade de que esses cuidadores pudessem perceber que, além de realizar uma técnica de massagem, era possível em grupo acolher e cuidar das pessoas do modo como desejariam ser cuidadas. Dessa forma partiam de uma prática cultural da comunidade- o túnel da quadrilha junina- para que, ao entrar naquele corredor humano cada pessoa pudesse perceber a importância do carinho, da amorosidade e do respeito com o outro e com a outra, no sentido de compreender os limites de cada um na aceitação desse cuidado.  Todos se permitem cuidar e ser cuidados; acolher e ser acolhidos. Ao mesmo tempo, ao fechar os olhos e se permitir ser cuidado ou cuidada por um coletivo de pessoas, companheiros e companheiras de luta e de comunidade, possibilitava vivenciar a confiança no grupo, que consideravam fundamental para seguirem juntos na jornada.
Com o passar do tempo essa prática foi sendo incorporada como mística de acolhida em encontros dos movimentos, especialmente a partir das Farinhadas realizadas pela ANEPS –CE e dessa forma chegaram aos congressos, encontros e outros eventos do campo da saúde e da educação popular. 
O jeito como acontece é simples. Antes, os cuidadores fazem uma pequena explanação sobre os sentidos do corredor e o papel de cada pessoa nele. Em seguida forma-se um corredor humano e alguns cuidadores ficam fora dele para fazer um cuidado individual em cada pessoa. Após esse cuidado individual, a pessoa adentra no corredor enquanto o cuidador diz ao seu ouvido, palavras de força, valorização, estímulo e confiança. A pessoa, de olhos fechados, segue vagarosamente pelo corredor permitindo-se ser cuidada por todos e todas. Ao final é acolhida com um abraço pela pessoa que está no final e logo a seguir esta assume o seu lugar para acolher o próximo participante.
No percurso das Farinhadas e outros encontros, o diálogo e interação com outras práticas como as práticas tradicionais indígenas e da afrorreligiosidade, o reiki, além dos grupos de teatro, folguedos populares e da cenopoesia novos ingredientes foram sendo acrescentados ao cuidado com toques de massagem originalmente utilizado.    Assim é que hoje as vivencias do corredor têm agregado, cuidados com tambor, maracás, ervas medicinais aromáticas, pedras, músicas, poesias que se incorporam de acordo com o contexto onde ele ocorre e em geral, o corredor se transforma ao final da vivência, em uma grande roda ou espiral que nos permite refletir sobre a relação não apenas com os seres humanos mas com o planeta e o universo.
Outra questão importante que a prática do corredor tem nos revelado é que o cuidar nem sempre necessita de técnicas apuradas e talvez por isso,  esta é atualmente uma prática presente no contexto de movimentos populares, eventos e até mesmo serviços de saúde  de vários estados e até de países latino-americanos cujos companheiros e companheiras o vivenciaram e o recriaram em seus contextos.

corredor_do_cuidado.jpg

corredor_na_escola.jpg