Duda Mendonça Venceu!

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Estava fazendo "faxina" no computador e redescobri velhos textos publicados em listas de discussão. Um deles me chamou a atenção por um certo caráter profético…quem sabe? Escrito às vésperas das eleições que levaram ao primeiro mandato de Lula (2002), o texto é uma mistura de decepção com os rumos ideológicos da campanha com um certo ceticismo do que seria o governo Lula. Temo que, apesar de alguns  exageros, o texto não perdeu certa atualidade, principalmente quando fala da rendição das plataformas políticas frente às receitas dos marqueteiros.

E quanto a "profecia"? Em que pese a evidente popularidade do governo Lula, fica um gosto de amarga decepção, principalmente quando percebemos que os investimentos em saúde não avançaram e que o goverrno parece assitir imóvel a virtual privatização do SUS em algumas regiões do país. Mas, tudo bem. Temos dinheiro garantido para a Copa do Mundo e as Olimpiadas. Os sem saúde estarão do lado de fora dos estádios vendendo camisetas e apitos.

 

Deixo com vocês o texto em questão. Boa leitura:

 

DUDA MENDONÇA VENCCEU!

 

A campanha de Lula rendeu-se ao pragmatismo do "marketting" político. Lula sorri para todos nós e, com isso, deixa de ter uma postura ameaçadora às elites. Sorri quando diz que irá repartir o bolo, sorri quando diz que os contratos serão todos cumpridos, sorri admiravelmente quando afirma que atingiremos o nirvana do desenvolvimento sustentado com estabilidade monetária.
Sinceramente, eu gosto do sorriso do Lula, na verdade gosto de qualquer sorriso. Mesmo o sorriso irônico tem seu fascínio, o mesmo sorriso do jogador de xadrez quando percebe que seu adversário caiu na armadilha habilmente preparada. A garota propaganda dos anos 50 já sorria abandonada pela geladeira que emperrava a porta no momento em que era anunciada suas facilidades às donas de casa. Antes, as coisas eram ao vivo. Agora, as coisas são feitas aos "mortos vivos", àqueles que se renderam frente a ditadura das imagens cujo significado nunca transcende o que sua casca afirma com a profundidade de um pires.

 

Lula sorri, Lula diz que o PT está pronto para governar e as elites, aparentemente desunidas, atiram no próprio pé afundando o Titanic de Roseana enquanto ameaça sossobrar o transatlântico de Serra. Tantos tiros trocados permitem a este pobre mortal uma conclusão talvez um tanto precipitada mas, quem sabe, infelizmente real. Lula não é mais ameaça porque expressa um projeto político completamente controlável. O desafio agora é tentar demonstrar isso aos especuladores externos para que eles continuem jogando dinheiro no cassino Brasil. Aos déspotas esclarecidos vermelhos, que se tornaram brancos e evangélicos, resta gerenciar com maestria as políticas sociais compensatórias para que as pessoas tenham algum refrigério neste inferno chamado Brasil. Afinal, parafraseando os salmos, se o FMI é por nós, quem será contra nós?
 

Os últimos dados eleitorais mostram que o limite das campanhas com propostas claras, com discurso cristalino sobre o que se quer fazer, o discurso que sinaliza a vontade irresoluta de mudar o quadro político das relações entre os grupos sociais como condição fundamental para evidenciar uma nova redistribuição de renda mesmo que ainda nos moldes do capitalismo, foi definitivamente ultrapassado. Como nos lembra o grande Oscar Wilde, basta que possamos colocar nossas máscaras para que a verdade possa finalmente ser dita. Não há diferenças palpáveis entre os candidatos tidos de oposição porque quem comanda o jogo da política são as pessoas que navegam pelo nevoeiro dos estúdios de TV, são os timoneiros dos institutos de pesquisa, são os investidores internacionais escudados pelo "risco Brasil", É a Hebe Camargo na companhia de Fausto Silva e da eterna ameaça Abravanel. Sempre foi assim, só que agora o rei se desnuda e ninguém mais se importa com isso, nem mesmo o rei em seu translúcido manto de cinismo.
 

Hoje cedo na TV Globo ouvimos as entrevista do coordenador da campanha de Lula. Palocci desfilou um leque de "tranquilizantes" aos nossos "benfeitores" internos e externos. No final das contas a mensagem foi a seguinte: "não se preocupem conosco, só queremos que as coisas mudem permanecendo como estão". A que ponto chegamos! A Globo abre suas portas para que os investidores sejam informados que o PT perdeu seus dentes e que
em relação a este governo só mudará a ênfase de como o chá beneficente deve ser distribuído aos "sem futuro". E que ninguém se importe com o dinheiro público injetado na Globocabo. O jogo da política é vivido muito mais pela emoção do que pela razão.
Essa afirmativa, entretanto, pode conduzir ao erro de pensar-se que razão e afeto são instâncias em separado no psiquismo. Pelo contrário, razão e afeto caminham juntas, formam um todo. Durante muito tempo implementou-se o desenvolvimento de uma estética das emoções na propaganda política que se transformou, nas mãos do fascismo e do estalinismo, quase que numa engenharia social. Com o tempo, as grandes companhias criaram formas de
controle da subjetvidade que, em alguns momentos foram roubadas da propaganda política e, que em outros, serviram de munição a mesma.

 

Duda Mendonça venceu! Lula transformou-se na nossa Brastemp. Sorrindo alegre e feliz promete o paraíso de uma sociedade onde os interesses contraditórios poderão ser conciliados pela vontade esclarecida das elites. Serra lava roupa. Garotinho conserva os alimentos. Ciro Gomes limpa toda a casa. Mas Lula sorri e é "tudo em um". A emoção, quase sempre monitorada para o comportamento do consumo, é redirecionada ao comportamento eleitoral, de tal maneira que a obsessão possa transformar-se em compulsão e vencer a razão. Votemos pois no candidato que nos fará atravessar o mar vermelho e se necessário for destruirá todas as pragas no Egito Neoliberal. Com as bençãos de Edir Macedo, venceremos!

 

O livro santo começa no "Gênesis" e termina com as
"Revelações". O criativo sorriso mascarado nos revela uma límpida clareza de intenções: "quem tiver ouvidos para ouvir que ouça, quem tiver olhos para ver, que veja".

Erasmo Ruiz