Memória, Verdade, Justiça e a Faculdade de Saúde Pública da USP
Em 1975, Ernesto Geisel visitou a Faculdade de Saúde Pública da USP em comemoração aos 50 anos de fundação da instituição. Diante de tal acontecimento, foi colocada uma homenagem ao então Presidente da República: uma placa de bronze no saguão de entrada do prédio principal.
Nessa história só existe um probleminha: o Instituto de Higiene de São Paulo, primeiro nome dado a instituição, foi fundado em 1918 e seu cinquentenário foi em 1968.
Descobre-se depois que a visita de Geisel deu-se 5 dias após o assassinato de Vladimir Herzog, em São Paulo (seu laudo de "suicídio" foi dado no IML, vizinho da FSP) acontecimento que chocou o país. Durante a Ditadura Militar, docentes da faculdade foram aposentados compulsoriamente, proibidos de entrar na unidade, a graduação em Nutrição foi fechada e reaberta anos depois com um currículo totalmente diferente e o então Grêmio Emílio Ribas proibido de existir*.
40 anos depois essa placa continua no mesmo lugar, e durante muito tempo permaneceu inquestionável.
Hoje, dia 26 de novembro de 2015, a Congregação da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo votou por aclamação a colocação de uma placa em homenagem a todos que lugaram contra a Ditadura Civil-Militar Brasileira, do lado desta mesma placa que homenageia o Geisel.
E porque não tirar a placa de Geisel? Escolhemos em não tirar a placa não por orgulho de nossa história, mas por vergonha. Não podemos esquecer que nossa instituição, como toda a Universidade de São Paulo, foi conivente com aqueles anos e contribuiu, e muito, para as atrocidades cometidas durante e depois da Ditadura Militar. Ela está lá, para que todos saibam que estamos num lugar onde apoiadores de um massacre estiveram. E agora, também estamos no mesmo lugar onde lutadores e defensores da saúde pública e da democracia estiveram, resistiram, e ainda estão.
Se lembrar para não errar novamente. Se lembrar para inspirar resistência.
Tenho muito orgulho de ter participado desse movimento, enquanto gestão do Centro Acadêmico Emílio Ribas, em 2014, em conjunto com a Associação Paulista de Saúde Pública , e principalmente com um docente que me inspira em sua luta pela verdade e justiça, Carlos Botazzo.
Foto da homenagem à Elza Berquó, organizado pelo Centro Acadêmico Emílio Ribas e a Associação Paulista de Saúde Pública em 2014. Elza foi docente titular do Departamento de Estatística Aplicada, atual Departamento de Epidemiologia, da FSP-USP, e aposentada compulsoriamente por pesquisar desigualdades em saúde em 1969. Só foi aceita novamente na instituição em 2014.
Por miguel angelo maia
Oi Ymatos
Belo relato e bela decisão de manter a placa, afinal não podemos apagar a história, ela deve se manter lá, com todos os seus atropelos e mesmo vergonha, para que nos lembremos do que nós e as instituições somos capazes.
Enfim, como um refazer a história, ao lado desta aparece agora uma outra homenagem, a aqueles que, lutando contra esta que foi instituída, ficariam apagados nas suas ações.
Que possamos ter mais tempos vindouros de glórias e menos de vergonhas em nossa história. Está difícil, temos visto, mas sabemos que, seja como for, "um filho teu não teme a própria morte" e continuará lutando, apesar de tudo e, algum dia, como vocês fizeram, ganharão seu justo lugar de homenagem.
Parabéns a USP.