Garota estoca água mineral para dar banho na mãe acamada

11 votos

juliana-martins-soares-mae.jpg

A vida já não era fácil para Juliana Martins Soares antes que o desastre ambiental de Mariana chegasse à porta de sua casa sem reboco em Colatina, junto com os rejeitos de minério que desceram pelo Rio Doce.

Aos 21 anos, a jovem cuida da mãe, de 46, que sofreu dois AVCs cinco meses atrás e agora fica deitada semiconsciente o dia todo, ouvindo o som da TV e usando apenas camiseta e fralda geriátrica por causa do calor na cidade capixaba.

Na pequena residência no bairro pobre Ayrton Senna moram a mãe de Juliana, ela, seu filho de sete meses, Kauã, o pai da criança e um irmão dela, além de outro irmão que fica lá de vez em quando para ajudar nos cuidados com a família.

Esse último é o único que tem trabalho com carteira assinada e pode arcar com os custos extras que surgiram após a doença da mãe. O outro é “chapa” de caminhão. O marido de Juliana também faz bicos – esses dias ele tem trabalhado como vigia noturno de um reservatório da Samarco no bairro.

A mineradora, que pertence à Vale e à anglo-australiana BHP, instalou várias dessas caixas azuis com capacidade para 10 mil litros em Colatina, após a cidade ficar sem água devido à queda da barragem da empresa em Minas Gerais.

Outra medida emergencial é a distribuição de água mineral em áreas onde a água potável está prejudicada, caso principalmente dos bairros mais altos, como o de Juliana.

Na tarde desta quinta-feira (26), ela enfrentou a longa fila sob o sol forte junto com algumas amigas jovens e já mães de família, como ela.

Voltou de lá transportando as oito garrafas a que tinha direito no carrinho de Kauã e as colocou junto com várias outras que já havia na casa. “O pessoal reclama que a gente fica estocando, mas nós temos que estocar mesmo”, diz, a voz firme, meio desafiadora. “Tenho que dar banho no neném, limpar a mamãe, dar água para ela o tempo todo. Vou fazer como?”

Manchas na pele
Nos dois primeiros dias após a chegada da lama ao rio, a garota deu banho em Kauã com água corrente. O bebê agora tem pequenas manchas vermelhas por todo o corpo, que ela afirma terem surgido bem nessa época.

“Dei banho naquela água porque não tinha outra, mas ele ficou todo empolado. E hoje ele está começando a ficar com febre”, lamenta. “Agora só uso água mineral para dar banho e fazer a comida dele. Fiquei com medo.”

Ela também se queixa da falta de assistência do sistema de saúde pública à mãe acamada. “O certo mesmo seria vir uma enfermeira aqui dar uma olhada nela, mas não vem. Quando a gente volta do hospital a gente tem que colocá-la para dentro de casa pela janela. Imagina o que é isso. Mas não tem outro jeito, a gente não tem dinheiro”, afirma.

A mãe, conta, era uma pessoa ativa e ajudava a cuidar do neto até um dia desmaiar no banheiro por causa do AVC. Ficou em coma dois meses, sem mexer nenhum membro. Quando saiu do hospital, Juliana se mudou da casa onde morava com o marido e o filho e foi para lá cuidar dela. “Sou a única filha mulher”, justifica.

A garota não tem celular, não estuda nem trabalha. “Eu sou uma só, e tem a mamãe, o neném. Não tem como”, explica. Largou a escola no segundo ano do Ensino Médio, mas diz que quer voltar a estudar. “Queria fazer mestrado”, repete algumas vezes.

Questionada sobre que área gostaria de cursar, cita Medicina. “Acho que é uma profissão boa. Queria estudar de tudo um pouco. Quem me dera.”

Enquanto Juliana dá entrevista, Kauã choraminga e só sossega quando ganha uma garrafa vazia de água mineral, que usa como brinquedo.

Há várias outras no estoque montado pela família em um canto na entrada da casa. O fato de terem sido recebidas como doação é pouco comparado ao tanto que falta ali. “Ninguém nos dá nada”, diz a jovem.

A equipe do G1 percorre os 680 km das margens do Rio Doce por 10 dias, parando em ao menos 5 cidades, para mostrar a situação das pessoas afetadas pela queda da barragem em Mariana (MG).

Em Colatina (ES), a população depende das águas do Rio Doce e enfrenta problemas agora. Depois da passagem da enxurrada de lama, o sistema de abastecimento está sendo restabelecido, mas em alguns bairros a água demora a chegar.

O Exército e voluntários distribuem garrafas de água mineral. Em alguns bairros, as filas são longas.

https://g1.globo.com/minas-gerais/desastre-ambiental-em-mariana/noticia/2015/11/falta-dagua-piora-vida-dificil-de-jovem-que-cuida-da-mae-doente-em-colatina.html