Vulnerabilidade e potência
Devo ao Erasmo o impulso para escrever este post. Essa articulação de idéias provocadas por imagens e imagens que provocam idéias me parece encantadora.
As imagens são de esculturas de Ron Mueck.
Um fio sutil e invisível costura a trama de idéias das postagens na RHS. Em nossa rotina de apostolado em favor de um mundo melhor encontramos espaço para reflexões mais profundas. Estamos sujeitos às contingências do mundo. A margem de manobra é mais estreita do que costumamos crer.
Contra senso: A liberdade e autonomias são relativas, ao passo que a ordem é um princípio do cosmos. No entanto vivemos na fé. Fé no progresso, nas luzes, no homem e na salvação pelo conhecimento.
Um mundo partido: De um lado as frias evidências. De outro a episteme. Uma razão baseada em progresso continuado alimentado pelo saber que ordena o caos continuamente. Uma fé que desafia a entropia.
Se de um lado promovemos a capacidade construtiva dos seres humanos, sua potência para produzir e reproduzir a vida, de outro, não deixamos de pensar a direção inversa de nossa potência. O SUS é um remédio para as dores do mundo. É porque sabemos da constante ameaça do que é deixado a própria sorte que nos animamos a cuidar.
Intuímos que um ser que pode ver o mundo como se fosse ele mesmo o seu centro e fim último, paradoxalmente, é o que cumpre mais rapidamente o papel de mero acidente existencial. A crer em nosso destino de filhos prediletos da providência seremos mais efêmeros do que alguns insetos que partilharam a existência com os dinossauros e, agora, conosco.
Para nós parece ser uma sina: Ao apostarmos tão cegamente em nossa relevância, exterminamos as comunidades que levemente esbarravam em seus ecossistemas, os caçadores coletores, em favor de nossa civilização da conquista, da dominação e, no fim, do auto-extermínio.
Arautos do amanhã que somos, não podemos deixar de sê-lo da morte, assim como do nascimento. Não enfrentamos a morte ou as contingências da existência, mais precisamente, bailamos com esta certeza e com o inusitado. Apenas apostamos na dúvida que assinala uma grandeza transcendente em nossa imanência.
A arte nos remete a esse instante ínfimo e infinito em que o saber é mais que a razão. Onde a física aponta o caminho incontornável da metafísica. Nossa vulnerabilidade é nossa incompletude. Nossa potência é nossa comunhão.
Estamos envolvidos pelo mundo que nos cerca e ele não cabe, completo, em nosso saber. Desta evidência, que não pode ser comprovada, emerge conosco nossa solidão, nosso sexo e nossa perplexidade: O que somos sem a teia de sentidos que tecemos? Ao sentirmos o mundo damos sentidos a ele. Mas e quando não sentimos mais? O mundo permanece e será relevante, ainda que impossível, tentar pensá-lo sem nós?
Talvez seja apenas prudente. Talvez seja recomendável, diante das imensas perplexidades que nos assolam, adotarmos uma postura mais modesta. Há um mundo que pode prescindir de nós. Pode. E esta possibilidade recomenda parcimônia, contemplação e instinto de preservação comedida.
É bom ler em todos as postagens esta fé animada na vida e esta prudência reflexiva. Somos pensadores profanos que atiram o conhecimento à vida. De volta a sua origem, portanto. Se for uma religião é esta. Circularidade fértil, reconciliação e remissão que nos faz gestantes.
Por Loiva Leite
Marco, fiquei pensando em Morin quando li o teu post. Convivemos com antagonismos o tempo todo e precisamos lidar com isso. Essa coexistencia de diferentes é que faz da vida um desafio permanente e uma aprendizagem constante. O humano é um ser em mutação e nunca esta pronto. bjo
Loiva Leite