Sobre o Manifesto “DIREITO A MORRER COM DIGNIDADE” divulgado em Portugal

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Em que pese posicionamentos apaixonados contra ou favor da descriminalização da prática da eutanásia ativa e e outras formas de morte assistida, este é um tema que não pode permanecer mais no limbo. No Brasil sabe-se que a eutanásia é informalmente praticada como ilustra algumas matérias da grande imprensa.

Pacientes em intenso sofrimento sem assistência e cuidado adequados buscam saídas trágicas como a prática do suicídio ou são condenados a morrer numa mar de dores. Meu otimismo diz que discutir abertamente sobre a eutanásia nos levará a uma discussão mais abrangente: cuidados paliativos como direito humano consagrado pelo senso comum e imposto por aparato legal e jurídico.

Neste sentido, não devemos ter receio de refletir intensamente sobre o manifesto publicado no sábado em Portugal, intitulado “DIREITO A MORRER COM DIGNIDADE” (06-02-2016), assinado por mais de 100 nomes com repercussão no país irmão bem como alguns conhecidos internacionalmente. Aqui compartilhamos esse manifesto e recomendamos enfaticamente sua leitura.

A primeira conclusão óbvia é que o manifesto não é o produto de mentes ardilosas ou maquiavélicas. Pelo contrário, a luta por eutanásia é o grito de desespero contra uma forma de morte cada vez mais mediada e controlada pela medicina com base no modelo biomédico de manutenção da vida, custe o que custar, mesmo que isso leve paciente e familiares ao um sofrimento intenso.

Muitos de nós paliativistas sabemos que a eutanásia não é a resposta adequada para essa situação mas não vamos avançar nessa discussão se continuarmos a pregar aos convertidos ou então hostilizar quem pensa diferente de nós apenas com base em argumentos de ordem religiosa. Nosso desafio é, na disputa de sentidos no cotidiano, mostrar que cuidados paliativos desenvolvidos de forma competente e humanizada é a resposta mais acertada aos sofrimentos físicos e psíquicos inerentes aos processos de final da vida.

Assim, vamos conversar?, .

“DIREITO A MORRER COM DIGNIDADE”

“Somos cidadãs e cidadãos de Portugal, unidos na valorização privilegiada do direito à Liberdade. Defendemos, por isso, a despenalização e regulamentação da Morte Assistida como uma expressão concreta dos direitos individuais à autonomia, à liberdade religiosa e à liberdade de convicção e consciência, direitos inscritos na Constituição.

A Morte Assistida consiste no acto de, em resposta a um pedido do próprio – informado, consciente e reiterado – antecipar ou abreviar a morte de doentes em grande sofrimento e sem esperança de cura.

A Morte Assistida é um direito do doente que sofre e a quem não resta outra alternativa, por ele tida como aceitável ou digna, para pôr termo ao seu sofrimento. É um último recurso, uma última liberdade, um último pedido que não se pode recusar a quem se sabe estar condenado. Nestas circunstâncias, a Morte Assistida é um acto compassivo e de beneficência.

A Morte Assistida, nas suas duas modalidades — ser o próprio doente a auto-administrar o fármaco letal ou ser este administrado por outrem — é sempre efectuada por médico ou sob a sua orientação e supervisão.

A Morte Assistida não entra em conflito nem exclui o acesso aos cuidados paliativos e a sua despenalização não significa menor investimento nesse tipo de cuidados. Porém, é uma evidência indesmentível que os cuidados paliativos não eliminam por completo o sofrimento em todos os doentes nem impedem por inteiro a degradação física e psicológica.

Em Portugal, os direitos individuais no domínio da autodeterminação da pessoa doente têm vindo a ser progressivamente reconhecidos e salvaguardados: o consentimento informado, o direito de aceitação ou recusa de tratamento, a condenação da obstinação terapêutica e as Directivas Antecipadas de Vontade (Testamento Vital). É, no entanto, necessário, à semelhança de vários países, avançar mais um passo, desta vez em direcção à despenalização e regulamentação da Morte Assistida.

Um Estado laico deve libertar a lei de normas alicerçadas em fundamentos confessionais. Em contrapartida, deve promover direitos que não obrigam ninguém, mas permitem escolhas pessoais razoáveis. A despenalização da Morte Assistida não a torna obrigatória para ninguém, apenas a disponibiliza como uma escolha legítima.

A Constituição da República Portuguesa define a vida como direito inviolável, mas não como dever irrenunciável. A criminalização da morte assistida no Código Penal fere os direitos fundamentais relativos às liberdades.

O direito à vida faz parte do património ético da Humanidade e, como tal, está consagrado nas leis da República Portuguesa. O direito a morrer em paz e de acordo com os critérios de dignidade que cada um construiu ao longo da sua vida, também tem de o ser.

É imperioso acabar com o sofrimento inútil e sem sentido, imposto em nome de convicções alheias. É urgente despenalizar e regulamentar a Morte Assistida.”