PREGUIÇA DE LER, POBREZA DE MUNDO?

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Apenas para compartilhar inquietações e iniciais reflexões sobre um intrigante fenômeno que venho testemunhando como de ocorrência freqüente no contemporâneo, atingindo até mesmo espaços nos quais jamais esperaríamos tal atitude, quero falar sobre a “preguiça” ou a “falta de tempo” para leitura de textos considerados “grandes”, levando os que gostam de escrever, assim, como eu, ao estranho sintoma de se ver preocupado com o tamanho dos textos que, por qualquer razão, queremos publicizar.

Certo que, aonde vemos com maior prevalência isto ocorrer é no meio virtual, quando textos tidos como de importante teor por aqueles que compartilham vêm com o inquietante anúncio: “embora longo, vale a pena ser lido na íntegra”.

Poderíamos, neste caso, dar as devidas desculpas da celeridade exigida pelos que se utilizam da rede virtual, o fazendo geralmente entre tempos corridos de produção e que, desta forma, a leitura e a rede se tornam apenas um entretempo, um entretenimento luxuoso da nossa vida contemporânea.

Mas, de fato, o que me inquieta é que este não é um requisito só das redes e, também no meio acadêmico, o enxugamento de artigos, dissertações e teses são freqüentes, quase obrigatórios, com a ressalva de que “hoje ninguém tem muito tempo para ler”. O lema é ser objetivo e direto, mesmo quando o tema tratado exigiria uma maior explanação, sem o que, acabamos por não dizer aquilo que gostaríamos de dizer. Estaríamos sendo formatados no estilo jornalístico que mais informa que comunica?

Esta perda de tempo para leitura leva-me a refletir que, se Benjamin* falava da pobreza de experiência e fim das narrativas, poderíamos conjecturar que isto não se restringe à dimensão oral, já que agora parece derramar-se sobre a dimensão escrita e, por que não, auditiva. Estaríamos vivendo uma pobreza de vida disponível para a comunicação? Estaríamos economizando nossa expressividade como economizamos dinheiro?  Escrever, ler, ouvir estariam sendo encarados como atividades improdutivas, tempo perdido?

Poderia ser apenas uma rabugice de uma pessoa de outra geração que, mesmo lá, já era excessivamente um amante da leitura e da escritura em seu tamanho necessário, sem pressa, sem ditames e amputações devido ao tempo da catracas com a quais, quase que imperceptivelmente, vamos tendo nossas vidas acorrentadas pela engrenagem de um sistema que nos quer a todos produtivos em tempo integral.

Poderia ser…

Não visse aí um grande engodo em que vamos todos sendo enredados quase sem perceber. Um engodo que, penso eu, vai nos subtraindo de nossa dimensão humana, enquanto esta vai sendo formatada de um jeito tal que, vivendo na era da comunicação, vamos nos esquecendo, numa pobreza de experiência, daquelas condições em que tornar comum não é informar e nem ditar palavras de ordem, mas compartilhar nossas diferenças, com tempo necessário, não para perder tempo, mas para ganhar vida. Vida livre, bem comum, não consumível.

Quem tem “preguiça” ou “falta de tempo” para ler acaba, por extensão, não tendo tempo, não para falar, mas para se expressar e, na expressão, que sempre exige uma conversa, um versar com e não para, terminando por abdicar de sua potência de ação para tornar comum, portanto, de comunicação.

Paradoxalmente, quando mais parece que os meios de troca se expandem e alargam globalmente e inimaginavelmente, nos vemos obrigados a encurtar conversa e a só falar por códigos e por padrões formatados, numa velocidade a tudo contrária e contraproducente à boa conversa, à boa leitura, à boa audição. Considerando aqui como “boa” nada de ideal, mas apenas a disponibilidade de se dispor àquilo que nos diferencia como humanos: a linguagem.

Assim, para encurtar conversa e poder ser lido, lanço aqui uma in-quieta/daga–ção a que pretendo voltar, se tiver tempo, e que é só começo de conversa e proposição?

Até que ponto “preguiça” ou “falta de tempo” para ler é algo que sentimos ou de que somos acometidos ou é, na exata medida, uma captura insidiosa na qual vamos aparentemente, quase que de forma autônoma e auto-culposa, caindo nas malhas daquilo que não nos quer comunicantes, mas comunicados e, por “preguiça” ou “falta de tempo”, repetidores de pensamentos, reflexões, julgamentos, conclusões, por fim, visões de mundo e de contextos que, embora pareçam nossas, são apenas “curtidas”, “compartilhadas” daquilo que alguém, sem “preguiça” e “falta de tempo”, constrói como sua visão de mundo?

Enfim, “preguiça” e “falta de tempo”:  É só isto mesmo? Inquieto-me.

Nada contra curtir e compartilhar textos alheios, quando com eles concordamos, mas até que ponto não estaríamos virando canais de propagação da construção de mundo alheia a nós. Ecos e não voz, redundâncias e não som?

Se o tempo e a disposição para ler passam a depender do número de parágrafos e, por extensão, a escrita passa a depender desta economia pobre, não é a própria experiência com a vida, com nossa vida, que vai ficando sem expressão?

Não estaria aí uma das explicações para que tantos e tantos acabem “comprando” pronto aquilo que as mídias, com tempo lucrativo e sem preguiça, imputam como mundo real?

Inquieto-me e o indago.

 

* Benjamin, Walter. Experiência e Pobreza. In: Obras escolhidas. Vol. 1. Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1987, p. 114-119.