REABILITAÇÃO INTELECTUAL E NUANCES DO AUTISMO
Houve tempo em que a ocorrência de comportamento introspectivo, reservado, não participativo, divergente do observado na maioria das crianças da família, era suficiente para rotulações e motivos para muitas preocupações dos pais quanto ao futuro e socialização dos autistas. Quem já contabiliza mais de sessenta primaveras pode facilmente se recordar dos personagens andantes da nossa fase de infância, alguns, provavelmente, autistas, marginalizados pelo abandono das famílias e desconhecimento então vigorante sobre o tema.
Personagens emblemáticos, maltrapilhos, desorientados, que povoam nossas lembranças da infância, pelo que representam para mentes de crianças, sempre em busca de explicações para tudo que lhes circunda. Com o passar do tempo, avanços no conhecimento científico e mais facilidades de acesso à informação, núcleos familiares passaram a creditar mais votos de confiança no tratamento e maiores possibilidades de inclusão dos autistas na sociedade.
Condição humana que requer atenção redobrada dos pais, familiares e profissionais atuantes na área de reabilitação intelectual, o autismo afeta milhões de crianças, adolescentes, adultos e idosos brasileiros. Demanda crescente que exige a implementação de políticas públicas cada vez mais abrangentes para esclarecimentos de dúvidas, acolhimento e suprimento das necessidades de cuidados específicos para essas pessoas.
Com evidentes sinais de descréito nos serviços públicos oferecidos aos seus filhos autistas, os responsáveis, majoritariamente, mães, chegam para triagem nos Programas de Reabilitação Intelectual, com muitas dúvidas e certo pessimismo quanto aos desdobramentos e resultados do tratamento. O advento da Rede de Cuidados da Pessoa com Deficiência instituiu oportunidade para que o autismo fosse incluído na conjuntura dos Centros Especializados de Reabilitação – CER, centralizando diversas abordagens e terapêuticas profissionais num único ambiente, o que é sobremaneira oportuno para a aceitação do autista.
As triagens têm mostrado para profissionais integrantes das equipes de reabilitação intelectual um universo desconhecido sobre o cotidiano de alguns autistas, inclusive ausentes nas abordagens de pesquisas científicas da área, aspectos relativos à “dependência” perpetuada por ações inadequadas praticadas por seus familiares. Digo inadequadas, considerando que se caracterizam cerceadoras de autonomia para o autocuidado e atividades cotidianas, elementos fundamentais para a construção da identidade adulta, autoconfiança e independência de pessoas em geral, inclusive, autistas.
Na intimidade dos núcleos familiares podem-se encontrar casos de adolescentes que ainda usam mamadeiras, para tomar se alimentar, outros incapazes de fazer a própria higiene íntima, não porque não tenham plenas condições funcionais para tais desempenhos, mas, porque as próprias mães não lhes ensinaram. A superproteção não liberta, ao contrário, antagônica da filosofia de reabilitação, retarda o processo terapêutico, transforma potenciais em fracassos.
É tempo propício para a conjunção de esforços, no sentido de avançarmos na oferta de serviços resolutivos, que atendam a demanda de cuidados dos autistas. Todos temos muito a ganhar, as famílias trazendo suas dúvidas, experiências e expectativas, somadas aos conhecimentos científicos norteadores das práticas profissionais dos membros da equipe de reabilitação, poderemos efetivamente contabilizar resultados satisfatórios para o bem-estar, saúde, reabilitação e inclusão social do autista.
Wiliam Machado