Acabei de ver a entrevista¹ do Frei Betto para UOL e achei extremamente interessante e importante para nossa leitura, principalmente pra gente que é contra o impeachment, mas não tem estômago para ficar gritando que temos hoje uma democracia. Estômago esse que se embrulhou no ato em defesa da “democracia” que ocorreu na FSP, onde a autocrítica, como Frei Betto bem diz, passa bem distante.
Eu ri quando vi o anúncio da presença de um representante da UNE e uma banderaça da CUT, além da presença dos Sindicatos de Trabalhadores da Saúde do Estado de São Paulo. Ri ao mesmo tempo em que fiquei com raiva, e nojo, pois a precarização e privatização constante do SUS não é um modelo que passa despercebido e neutralmente pelos serviços de saúde, este modelo anti-SUS vem acompanhado de uma luta ferenha de trabalhadores e usuários do SUS contra ele e na defesa de outras formas de organização do serviço e das redes, práticas de cuidado e diretrizes básicas do sistema de saúde, isto desde 1988 e até hoje. Porém, são estes mesmos sindicatos e centrais patronais que lá estavam defendendo o SUS, que foram e ainda são os responsáveis por silenciar o movimento dos trabalhadores de saúde, mais do que muitos governantes. Não foram só os garis que tiveram que passar por cima de seu sindicato e patronais para lutar por um trabalho digno, foi e é a luta das agentes comunitárias de saúde na cidade de São Paulo, além de diversos outros profissionais que são obrigados a criar outros meios e outras redes para poderem se organizar e defender o pouco de SUS que nos resta.
Hipocrisia eu vi e não acho que é com ela que construímos o movimento estudantil, o movimento de reforma sanitária e não é com ela que inúmeros trabalhadores estão buscando se organizar para defender a democracia.
Graças ao bom movimento dos cosmos e da luta de outros companheiros, no mesmo momento estava tendo na Faculdade de Medicina uma roda de conversa sobre Prostituição e Saúde, com os relatos da linda da Amara Moira, dando diversos “tapas na cara e socos fortes no estômago” de todos que estavam lá e que quase nem percebem as iniquidades que estão ao nosso redor, falando diretamente sobre a situação das prostitutas no país e diversas redes que elas criam para se manter, se sobreviver e se cuidar. Saí angustiado e com uma certeza que a democracia em que eu defendo não era aquela que estava no auditório João Yunes do outro lado da rua.
Seguimos com os exemplos do trabalhadores da saúde e das vivências e experiências que Amara nos relatou sobre inúmeras prostitutas que necessitam da democracia muito mais que muitos de nós!
¹https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2016/04/10/se-dilma-antecipar-eleicoes-estara-renunciando-diz-frei-betto.htm
Por Ricardo Teixeira
Oi Yago,
Gostei do post, contundente e necessário. Como é necessária e urgente a autocrítica que você reclama. Tenho a mesma visão!
Permita-me, entretanto, fazer três rápidos contrapontos:
– acho um momento especialmente difícil para cobrar essa autocrítica, especialmente num ato de resistência contra ameaças que se levantam contra todo o campo da esquerda, tanto aquele que está devendo uma autocrítica, quanto aquele que procura inventar novas práticas. Acho que não podemos perder de vista esta visada tática!
– também acho que seria mais adequado o combate no campo da crítica política e não do julgamento moral. Dito de outra forma, um combate fundado em afetos aumentativos da nossa potência de agir e de pensar e não da tristeza da raiva e do nojo.
– a construção de uma política pública como o SUS não tem como se fazer sem um mínimo respeito às regras democráticas e, tendo se dado historicamente numa sociedade profundamente desigual e injusta, atravessada por interesses díspares e alguns deles muito poderosos, não poderia se realizar sem profundas contradições. Não consigo imaginar como isso poderia ter sido diferente, a não ser que assuma uma boa dose de idealização. Sendo assim, não diminuiria em nada a importância dessa conquista, por mais imperfeita que ainda seja, considerando as condições concretas em que tem sido possível ela se efetivar. Tanto quanto autocrítica, tem faltado a amplos setores da esquerda uma outra prática que ela costumava fazer bem: análise das correlações de forças concretas e uma visão histórica.
Dito isso, não deixo de concordar amplamente com a gravidade de vários erros políticos que você aponta, que vêm sendo cometidos por uma esquerda burocrática, excessivamente institucionalizada e que se “normalizou”.
Bem lembrado o caso do movimento inovador dos garis do Rio, massacrado pela CUT e pelo governo do PMDB-PT, e podemos ainda agregar o episódio bem recente e perto de nós, aqui em Sampa, da agressão da APEOESP ao movimento dos secundaristas. Não apenas a incapacidade do sindicato dos professores em perceber a novidade política representada pelo movimento desses jovens, mas o quanto sua ação indica como se sentem efetivamente ameaçados no seu poder. A esse respeito, compartilho o link do FB abaixo (clique na data para ir direto para o post com a notícia em questão).
Seguimos amadurecendo essas reflexões e qualificando as novas formas de luta (o que inclui as novas formas de pensar e conversar)…
Abraços.