Se você não consegue reconhecer a força de seus preconceitos, o efeito dos rótulos pejorativos (e diagnósticos) que se sobrepõe a humanidade e singularidade de cada sujeito, considere o seguinte:
1. Ter que administrar o Lar de Idosos “Repouso dos Richthofen” ou a Creche “Tia Nardoni”.
2. Feito isso, lembre as menções a “cabelo ruim”, faroeste, escravidão, heróis e bandidos em filmes, seriados e novelas, homilias católicas ou pregações pentecostais. Pense no oceano de imagens da superlotação de presídios, nas referências a macumba e magia negra. Reflita sobre o uso dos adjetivos favelado, marginal, zumbi da pedra, prostituta, travesti, bugre, e assim por diante, até a náusea…
3. Tente pensar por um instante no efeito disso na construção dos imaginários sobre a branquitude, negritude, povos indígenas e mestiços ao longo da infância e adolescência de nossas crianças desde sempre.
Ninguém pode falar com propriedade do peso dos rótulos que aderem ao outro, se não puder mergulhar nas profundezas de si mesmo e ir além da auto-condescendência de se instituir nas supostas falhas alheias.
Quem precisa de conceitos como o demônio, pecado original, verdades reveladas e outras bengalas ontológicas está no seu direito inalienável de crer.
Porém deve restringir sua fé e seu pré julgamento ao seu contexto íntimo. Pois esse mesmo direito pertence a qualquer outra fé ou ceticismo.
Quanto mais intensamente uma crença reclama a conversão forçada, mais impotente e covarde ela é. Apenas aceite a irrecusável e irreconciliável diversidade que caracteriza o amor e a solidariedade.
Você sempre pode estar errado. O outro sempre pode estar certo. Tudo que podemos saber está restrito a perspectiva de nosso peculiar contexto. É, portanto, ponto de vista.
Avalie o quão realista é esperar que quem pensa diferente de você possa mudar de ideia, aceitar seu ponto de vista e se desculpar contigo.
Se ficar difícil, faça o inverso. Tente se ver pedindo desculpa a “Nhanderu ete” por ter estado erradamente ao lado de Jesus, Buda, ou Maomé.
A violência política que veremos crescer no Brasil, estará diretamente ligada a intensidade dessa onda fascista que caracteriza a base de sustentação do governo ilegítimo de Temer.
O desespero dos conservadores, em meio as metamorfoses culturais que caracterizam este início de século, os levou a simplificação de culpar as esquerdas pela perturbação de sua ordem ontológica.
Com o golpe jurídico, parlamentar e midiático desferido contra Lula e Dilma, pretendem atingir a todos os pobres, homossexuais, indígenas, negros, artistas, intelectuais, religiosos, enfim, o que chamam de “tudo que há de ruim”. O que Luis Nassif chamou de longa noite de São Bartolomeu pós golpe, está se confirmando de modo ainda mais amplo.
Eis o resumo do delírio de onipotência:
- Professores vão se desculpar por ler Paulo Freire;
- Assentados vão devolver suas terras e voltar às periferias urbanas;
- Cotistas vão abandonar a universidade, com o adequado pedido de perdão pela ousadia de entrar na casa grande;
- Feministas irão aceitar a revisão da Lei Maria da Penha e aderir ao figurino “Bela Recatada e do Lar”;
- Todos os ateus irão se tornar cristãos novos;
- Os homossexuais, travestis, transexuais e transgêneros vão buscar a “cura gay”
- Há uma aposta generalizada na capacidade dos brasileiros e latino americanos de suportarem resignadamente…
Evidentemente que essa arrogante redução do outro as medidas dos mitos conservadores vai resultar em violência. Primeiro porque isso é uma violência, é uma negação homicida de toda a diferença e diversidade. E, como sabemos, o assassinato simbólico sempre precede o assassinato real.
Esse é o motivo pelo qual a menção aos dois crimes no início desse texto pode gerar tanta indignação, ao passo que a tortura por esquartejamento, as decapitações e estupros nas favelas passam ao largo do noticiário da grande mídia.
Jovens negros têm suas mortes socialmente naturalizadas. O assassinato de uma criança de classe média e dos pais de uma adolescente branca são notícias alarmantes porque todo “bem pensante” de classe média, as considera inaceitáveis, até mesmo impensáveis.
A explosão da violência política já parece uma possibilidade alarmante. Aí não será impossível vermos uma expansão da arena das lutas, rivalizando com a guerra civil não declarada que já é travada nos guetos e periferias. Nela tombam, jovens, adolescentes, crianças, homens e mulheres, principalmente negros e pardos.
O interesse geopolítico na desestabilização e falência de Estados onde petróleo e gás natural vão rapidamente se esgotando é um precedente perigoso. Ele reduz o interesse das grandes potências na estabilidade social e política na América Latina.
O Brasil é a uma das últimas grandes reservas de biodiversidade, de recursos hídricos, energéticos fósseis e renováveis num mundo de 7 bilhões de habitantes.
Esse coquetel de disponibilidade de recursos em meio a cronicidade da mesquinharia de nossas elites e as imensas e crescentes necessidades das superpotências não autorizam prognósticos otimistas.
Muita intolerância, nenhuma prudência, imediatismo e auto sabotagem…
Prepare o seu coração e seu espírito. Fortaleça seus vínculos comunitários e resista.