…Doí na Alma…
DOÍ na ALMA…
“nova onda de estupro”, porém, não é novidade. Casos como o da menor de (16), no Rio de janeiro, sempre aconteceram, especialmente em ambientes que valorizam a pegação regada a muito álcool – basta conversar com alguma conhecida sua que ela vai saber contar alguma história parecida. Meninas muito bêbadas para consentir ou rapazes que insistem em sexo mesmo depois de a moça dizer que não está a fim existem desde que o mundo é mundo. Antigamente, atos assim eram descartados como “sexo ruim” ou “uma noite para esquecer” ou “ressaca moral”. A diferença é que agora as meninas estão sabendo dar nome à violência que viveram: estupro. “Antes, muitos dos casos apareciam como `ele forçou a barra¿, `eu não queria, mas acabou acontecendo¿, ou algo que começa consensual e depois fica violento, e a menina não consegue parar o rapaz. Agora, as meninas estão percebendo esses casos como uma violência, o que é uma grande mudança de perspectiva”, diz Heloisa Buarque de Almeida, professora de antropologia da USP, que montou um grupo de apoio para vítimas de violência sexual no campus.
É muito importante não descreditar esse tipo de estupro entre conhecidos como menos grave do que outros – como já fizeram figuras famosas, como o biólogo Richard Dawkins, da entrevista na pág. 56. Ser obrigada a fazer sexo à força, mesmo que seja com um conhecido, é traumático e traz consequências para o resto da vida afetiva e sexual da vítima.
Pesquisas também mostram que há um comportamento predatório entre os universitários acusados de violência sexual. De acordo com David Lisak, psicólogo da Universidade de Duke e um dos maiores especialistas em violência sexual entre conhecidos, apenas uma pequena minoria de rapazes é responsável pela vasta maioria de ocorrências de estupro entre universitários – entre 90% e 95% dos casos são cometidos por alguém que já estuprou antes. E esses rapazes cometem os atos repetida e conscientemente. Lisak entrevistou dezenas de rapazes em universidades e pediu para que eles descrevessem como costumam seduzir as meninas, sempre tomando o cuidado de não chamá-los de estupradores. O relato de um deles, que ele apelidou de Frank, é assustador: “A gente sempre fica de olho nas meninas mais gatas. As mais fáceis são as calouras porque elas não sabem beber ainda, aí a gente convida elas para a festa e serve qualquer bebida muito doce e cheia de álcool. Tem que ter talento pra isso, escolher as gatinhas já durante e semana e jogar o papo. Aí quando elas estiverem muito bêbadas, eu dou o bote. Levo prum quarto e tento tirar a roupa. Elas reagem, dizem que não querem, mas eu insisto e uma hora elas acabam capotando mesmo. Aí eu como elas.” Qualquer semelhança com conversas de vestiário não é coincidência.
O problema aí está, claro, no que se espera de um rapaz jovem. Muitos deles, ao forçar a barra ou fazer sexo com uma moça bêbada demais para saber o que está fazendo, não têm noção de que estão cometendo um crime grave e impondo um grande trauma às meninas. Instigados pela cultura (universitária e generalizada) de pegar o maior número de mulheres possível e não perder nenhuma chance de fazer sexo, acabam ignorando consentimentos não dados ou resistências. A solução está, é claro, em mudar essa cultura. Não cobrar de meninos que sejam pegadores. Nunca culpar uma menina pelo que aconteceu com ela. Entender que sexo só vale a pena quando os dois estão a fim. E que `não¿ sempre – sempre, sempre – quer dizer “não”.
Nos EUA:
20% das universitárias foram estupradas*.
84% por alguém que elas conheciam.
57% por ficantes ou namorados.
Mas… 73% não achavam que era estupro, apesar de sentir que tinham sofrido um crime.
*Desde os 14 anos. Mulheres que responderam “sim” à pergunta se já foram forçadas a fazer sexo. Pesquisa do Nationai Institute of Mental Health.
Entre universitários:
4% dos rapazes admitem que já obrigaram alguém a fazer sexo com eles.
Desses, 63% já fizeram isso com mais de uma mulher (a média é seis vítimas).
83% deles têm o hábito de embebedar as meninas antes do sexo.
92% conheciam as moças que estupraram.
Fonte: Dados americanos. David Lisak e Paul Miller, “Repeat Rape and Multiple Offending Among Undetected Rapist
No Brasil:
15% dos estupros são cometidos por duas ou mais pessoas.
50% dos estupros no Brasil são de crianças de até 13 anos e, desses, 68% são cometidos por pessoas próximas, como familiares ou amigos.
Fonte: Sinan/Ministério da Saúde