A seguir, a situação vivenciada por uma usuária, na recepção de uma unidade de atenção básica:
“ – Joana: Bom dia, eu queria marcar uma consulta com o Dr. Antônio.
– Vilma: O dia de marcação pro médico é a sexta-feira, tem que chegar cedo porque são distribuídas 20 senhas.
– Joana: Mas a minha irmã acabou de marcar uma consulta pra próxima semana.
– Vilma: É porque ela é hipertensa e faz parte de um programa.
– Joana: Mas eu não tô me sentindo muito bem desde ontem.
– Vilma: Aqui é PSF, não é urgência. Você tem que ir ao PA.
– Joana: O problema é que o PA é longe, eu tô sem dinheiro, e o Dr. Antônio é muito bom. Não dá pra fazer um encaixe não?
– Vilma: Já falei, ou você vai ao PA ou volta na sexta-feira logo cedo. Quem é o próximo?”
Infelizmente, o caso de Joana não é só uma ficção. Muitas pessoas já viveram e vivem, na pele, situações como a do diálogo acima, em que o trabalhador não consegue se colocar no lugar do outro que sofre, e o trata de forma burocrática. Este é talvez um dos principais problemas vividos no SUS, a banalização do sofrimento alheio. Isso nos permite perceber o quanto o acolhimento é essencial.
Acolher é dar acolhida, admitir, aceitar, dar ouvidos, dar crédito a, agasalhar, receber, atender, admitir (FERREIRA, 1975). O acolhimento como ato ou efeito de acolher expressa, em suas várias definições, uma ação de aproximação, um “estar com” e um “estar perto de”, ou seja, uma atitude de inclusão. Essa atitude implica, por sua vez, estar em relação com algo ou alguém. Acolhimento é uma prática presente em todas as relações de cuidado, nos encontros reais entre trabalhadores de saúde e usuários, nos atos de receber e escutar as pessoas, podendo acontecer de formas variadas.
Como um dos dispositivos que contribui para a efetivação do SUS, o acolhimento no campo da saúde deve ser entendido, ao mesmo tempo, como diretriz ética/estética/política constitutiva dos modos de se produzir saúde e ferramenta tecnológica de intervenção na qualificação de escuta, construção de vínculo, garantia do acesso com responsabilização e resolutividade nos serviços. É uma tecnologia do encontro, um regime de afetabilidade construído a cada encontro e mediante os encontros, possibilita que se analise o processo de trabalho em saúde com foco nas relações e pressupõe a mudança da relação profissional/usuário e sua rede social, profissional/profissional, mediante parâmetros técnicos, éticos, humanitários e de solidariedade, levando ao reconhecimento do usuário como sujeito e participante ativo no processo de produção da saúde.
O acolhimento não é um espaço ou um local, mas uma postura ética: não pressupõe hora ou profissional específico para fazê-lo, implica compartilhamento de saberes, angústias e invenções, tomando para si a responsabilidade de “abrigar e agasalhar” outrem em suas demandas.
Colocar em ação o acolhimento, como diretriz operacional, requer uma nova atitude de mudança no fazer em saúde e implica:
• Protagonismo dos sujeitos envolvidos no processo de produção de saúde;
• uma reorganização do serviço de saúde a partir da escuta e do problema do usuário;
• mudanças estruturais na forma de gestão do serviço de saúde, ampliando os espaços democráticos de discussão e decisão, de escuta, trocas e decisões coletivas. A equipe neste processo pode também garantir acolhimento para seus profissionais e às dificuldades de seus componentes na acolhida à demanda da população;
• uma postura de escuta e compromisso em dar respostas às necessidades de saúde trazidas pelo usuário, de maneira que inclua sua cultura, seus saberes e sua capacidade de avaliar riscos;
• uma construção coletiva de propostas com a equipe local e com a rede de serviços e gerências centrais e distritais.
• Ato da escuta e a produção de vínculo como ação terapêutica;
• a humanização das relações em serviço; Cartilha da Política Nacional de Humanização 24 Acolhimento nas Práticas de Produção de Saúde
Uma postura acolhedora implica estar atento e poroso às diversidades cultural, racial e étnica.