“Tropeçar num caminho que continua”: lições de cuidado com Renato no CAPS
Filipe José Alves Abreu Sá Lemos
Estudante do Internato em Saúde Mental da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Alagoas
Este texto relata alguns dos aprendizados que vivenciei durante meu estágio no Centro de Atenção Psicossocial – CAPS Casa Verde, em Maceió-Alagoas.
Durante as semanas em que estive inserido nesse espaço (figura 1), fui atravessado por encontros que, mais que técnicos, foram profundamente humanos. Entre eles, destaco minha convivência com Renato (nome fictício, para preservar sua identidade).
Quando eu iniciei o o rodízio, coloquei na minha cabeça que, ao máximo, tentaria enxergar aqueles indivíduos para muito além das suas patologias. Renato, segundo a médica que o acompanhava, tem esquizofrenia, mas com certeza não se reduz a isso. Ele me contara que é poeta (nunca chegou a me mostrar suas poesias, sempre inventava uma desculpa), entusiasta da cultura nordestina e autodeclarado “presidente do bom humor”. Ele nos ensinava, todos os dias, que o cuidado em saúde mental não se faz apenas com remédio e consulta, mas com escuta, acolhimento e presença.
Numa manhã, sentei ao lado dele no sofá da instituição, abaixo do ventilador. Ficamos um tempo em silêncio, até que ele olhou pra mim e disse: “Aqui, eu aprendi que ter recaída não é voltar ao zero. É só tropeçar num caminho que continua.”. Essas não foram exatamente as palavras, mas esse era o sentido do que ele quisera dizer.
Essa frase me atravessou. Renato falava de si, mas também falava por muitos. A vida em sofrimento psíquico, por vezes, é marcada por idas e vindas, e o CAPS surge como esse espaço que acolhe sem medir desempenho, sem exigir tanta linearidade. A ideia de progresso ali é outra: é feita de vínculos, de pequenos passos, de escuta e de acolhimento.
Com Renato, aprendi que o cuidado em saúde mental exige paciência, presença e, acima de tudo, a capacidade de enxergar a pessoa para além do diagnóstico. Seu jeito sereno de lidar com as próprias dores, sem negar que elas existem, me ensinou mais do que muitos livros conseguiram.
Ainda, aprendi com ele sobre o poder da arte no cuidado, sobre a potência da convivência diária e sobre como o CAPS pode ser espaço de resgate da dignidade e da autonomia.
Que esse relato seja também uma homenagem à luta antimanicomial e a todos os Renatos que resistem e nos ensinam todos os dias.
Por Tamires Melro
👏🏻👏🏻👏🏻