spirit of ubuntu
Ocupar é a razão de todo corpo.
Seu lugar: sempre uma parte no espaço.
Há, entretanto, inúmeras classes de corpos.
Assim como inúmeras classes de espaços.
A cidade, por exemplo.
É (ou deveria ser!) o espaço ocupado por cidadãos.
Mas nem todos os cidadãos a ocupam.
Não importa o que diga o seu registro civil.
Dois direitos fundamentais dos corpos: movimento e repouso.
Movimento do cidadão: saúde, escola, trabalho, lazer.
O repouso: paz, férias, conforto, moradia.
Mas, como dissemos, nem todos ocupam a cidade.
Habitam, na verdade, as estatísticas.
Da doença, pobreza, violência.
Histórias que os números jamais saberão contar.
Histórias que ocupam o corpo.
O corpo impedido de ocupar.
Como não nos ocuparmos disso?
14 Comentários
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Penso que o momento é muito propício e nos convoca mesmo a ocupar. Ocupar o corpo carente de tudo, sem medo de ser feliz; ocupar os espaços das políticas públicas, no bom sentido, e assumir nosso protagonismo; ocupar a cidade, usufruir mais das suas ofertas; ocupar as tribunas, as plenárias e defender nossos direitos de cidadãos… não nos deixar capturar pelo medo.
pablo
vc pode enviar seu texto para o Buzine Saúde ^^
Grande Pablo
Estava com saudade de seus textos.
Mas enfim, vivemos tão preocupados com as coisas com as quais nos querem ocupados que esquecemos que ocupar a vida de corpo e alma deveria ser nossa obrigação ética diária.
Por menos preocupação e mais ocupação em meio as coisas que realmente importam. No entre movimento e repouso que haja sempre um ponto vibrátil de ubuntu à vida.
Vamos ocupar…
Por deboraligieri
Pablo querido.
Que poema provocador!
Como todos os seus textos (incluindo o debate publicado na revista interface “A justa dose da medida”, que espero ver em breve divulgado aqui na RHS – meus comentários já estão preparados e devidamente anotados), provocador de muitas reflexões. À sua pergunta “O que nos cabe?” não me vieram respostas, mas outras perguntas: onde cabemos? Como o espaço se faz nosso? Como nos tornamos espaço? Como nos enredamos nesse espaço? E como este espaço nos ocupa?
Provocador ainda de afeto, pela construção de um raciocínio muito bem elaborado, não lógico, mas dialético com o coração. Há algum tempo comecei a escrever um pequeníssimo poema sem conseguir terminar. Lendo o seu poema, me veio a ideia completa, e ele ficou assim:
Entre nós (entre-nos!)
A liga do corpo é o outro
Corpo espaço
Nos ocupamos de nós mesmos
Abraços,
Débora
Belezura Debora
Gostei muito do poema e também me dei conta da pergunta do Pablo “O que nos cabe?” Acho que ela remete a outra do Espinosa “O que pode um corpo?”. Penso que são perguntas sem respostas porque só “sabemos” respondê-las na ação e no encontro, “entre-nos”, já que elas dependem da potência e da afirmação da potência nos encontros alegres. Onde há espaço, não há perguntas a fazer, há ocupação. O corpo sempre ocupa um espaço, “ocupar é a razão de todo corpo”, mas o espaço que o corpo não ocupa tem a estranha propensão de ocupar-se do corpo.
Faz muito que a cidade perdeu sua característica de pólis. Perdeu, será? Ou a deixamos perdida em algum espaço que não ocupamos? O que nos cabe? O que cabe a nós? O que cabe caber? O que caber não cabe? Trata-se sempre de ocupação do espaço, de “movimentos e repousos próprios que são direitos fundamentais do corpo” que, sem eles, vira apenas zumbi.
Zumbi que adormece na solocência da potência paralisada ou se movimenta engolfado por ondas que o arrastam, na alienação da potência embriagada de estímulos.
Bombardeio a que todos estamos submetidos na guerra da vida cotidiana e que, penso, nos cabe encontrar a paz que comunga, que constrói comum e, acima de tudo, favorece afetos que permitem que nos encontremos no espaço que nos ocupa sem ocupá-lo de todo, para que que haja sempre ventos dançando entre as concordâncias e raios que possam dizimar as homogenizações muito duras, muito redutoras, muito tediosas.
O tédio é uma espécie de totalização niilista em que já não se ocupa e nem se é ocupado pelo mundo, este espaço criado pelos humanos para haver encontro.
Há uma vontade de fim de mundo que angustia, porque no final ela reflete o ódio daqueles que, sem poder amar, encontrados e ocupados por demais consigo mesmos, preferem já que não haja mundo. É um suicídio com tendência assassina.
Enfim, Pablo e você cutucaram em mim uma torrente de afetos, encontro alegre que esta rede nos propicia.
Talvez como da outra vez, coubesse um lançamento de um desafio a la ubuntu, desta vez com a pergunta “O que nos cabe? para a RHS. Fica a instigação para o Pablo.
Bjs.
Por deboraligieri
Miguel querido.
Ante a beleza desse seu poema em prosa/comentário, encontrando com o poema do Pablo, fico tentada a continuar desenvolvendo essas ideias de (des)ocupação do corpo e da cidade, e falar sobre a armadilha de tentarmos “não nos ocupar disso” que está em nosso entorno nas cidades, nos ocupando de nós mesmos singularmente (como zumbis), e não coletivamente (como sociedade de relações vivas). Mas gostei tanto agora da sua provocação para um novo desafio ubuntu que vou esperar uma resposta do Pablo, reforçando seu convite: topa Pablo?
Bjs.
Oi Debora, reverberações mil, né?
E por isso pensei também que o conteúdo da instigação do Miguel já está em pleno curso! A pergunta já não é minha, é nossa!
E a propósito: belíssimo poema!
Beijos!
Miguel, bom falar contigo novamente!
Fiquei impressionado com o jogo de remissões sacado por sua sensibilidade.
Ratifico o que disse à Debora: a pergunta já não me pertence, é nossa! Para usufruto de quem a ocupar…rsrs
Abração!
Pablo, o poema provocou em mim a lembrança de um outro poema, de meu pai: “Otimismo”…
Grande abraço!
Coisa linda, Anderson!
Obrigado por compor o post com esse gesto.
Abração
Belíssimo Anderson e, como quem está para nascer, também um morrer, ele me lembrou um poema meu que posto aqui nos comentários abaixo, puxado por este do seu pai.
Está ficando uma belezura esta conversa…
Abraços.
ALIEN, AÇÃO!
29/06/92
Sou um roto contorço do que pareço
E, embora não saiba, já esqueço
O saber do saber que há em mim.
Confesso tremer de frio e fome
Diante do fausto que consome
A simplicidade, que era um fim.
Que fez comigo a sociedade?
Despojou-me do anjo e do homem,
Inventou-me a total insaciedade,
A nobreza e a honra já me somem.
Precisar já não sei o que preciso,
Se me perde o real significado,
De verdades vitais me fiz conciso
E de nadas para mim necessitado.
Retirou-me a fé, plantou razão,
Sem amor me tornou crucificado
E às máscaras de ferro deu vazão,
Do meu corpo tornou-me alienado.
Nas horas, desfez toda a história
E da cura me fez desprecisado,
Sou um ser sem tempo, sem memória
Que de si não sabe ter cuidado.
E meu Deus tão grato, tão querido,
Do meu lar o fez desabitado,
E meu pai, minha mãe, já preteridos,
Sepultaram com eles meu legado.
Sou um ser sem corpo, um corpo sem ser,
Sem futuro, presente ou passado,
Sempre em busca de mim, vivo a tecer
Ilusões que me tornam escravizado.
Basta de cordões, arre marionete,
Dos grilhões quero ser já libertado,
Minha alma quer ser o canivete
Retalhando o desejo aprisionado!
Miguel Angelo Barbosa Maia
Nossa, quanta vida coube aqui!
Por Maria Luiza Carrilho Sardenberg
Olá Pablo,
Que belo desdobramento desta estética de existência da ocupação hoje. E ocupar a RHS com esta levada poética é uma alegria. Queremos mais!
bjs