Você é normal?
Uma das origens mais corriqueiras do sentimento de frustração e inadequação nas pessoas é não conseguirem ser como as outras. Vemos hoje em dia a proliferação de normas em todos os campos – e as pessoas que não se coadunam com essas normas, são consideradas anormais, doentes ou ineficientes.
Vejamos dois exemplos: 1) há uma tendência a supor que uma criança que só gosta de esportes ou de artes e não se dá bem em matemática ou em português, é portadora de algum problema cognitivo, devendo submeter-se a um tratamento ou medicada para ter o mesmo rendimento escolar que as demais. 2) Uma jovem que, apesar de ser querida pelos seus amigos e familiares e considerada bela, sente-se infeliz e julga-se feia porque nasceu com o nariz aquilino.
No primeiro caso temos um padrão educacional; e no segundo, um padrão estético. O padrão é a referência em relação à qual o indivíduo é compelido a se encaixar. Eu pergunto: o problema está na pessoa que não se encaixa ou na existência do padrão, cuja rigidez e inadequação não contemplam as diferenças individuais?
Einstein era considerado retardado por que até os 2 anos e meio não falava. O grande compositor Debussy foi reprovado no teste de ingresso ao Conservatório de Música de Paris. O problema está no indivíduo ou no critério de avaliação?
A jovem, então, pede aos pais que banquem uma cirurgia plástica para “corrigir” o seu nariz. Algum tempo depois da cirurgia, se dá conta de que a sua infelicidade continua a mesma, e que na verdade o problema não era a aquilinidade de suas narinas, mas sim a sua não aceitação de si mesma. Um aluno que não gosta de estudar português e matemática, mas é apaixonado pelas artes, revela uma deficiência cognitiva? Para os professores sim, pois na escola não se estuda artes. E aí? O problema está na escola que não oferece artes para aqueles que nasceram com talento artístico ou no aluno que não se interessa pelas matérias lá oferecidas?
Nós vivemos sob o império da tirania das normas: você tem que ser feliz, tem que ser heterossexual, você tem que ter tal peso, tem que transar tantas vezes por semana, etc. e muitas pessoas que não conseguem se adequar a essas normas se sentem infelizes ou inadequadas.
Tentando dar conta destes dilemas, alguns autores criaram o conceito de normose – a neurose da normalidade. Normótica é a pessoa que, querendo ser igual os outros, por mais que tente, não consegue. A sua neurose não decorre de sua incapacidade em ser normal, mas sim no fato dele não aceitar que é diferente dos demais e que o padrão de normalidade é nocivo e apenas serve como instrumento de domínio e controle das pessoas.
É por isso que alguns indivíduos, por fraqueza, pressão ou desejo de reconhecimento, de submetem aos padrões impostos. Outros simplesmente os ignoram. E outros se insurgem contra eles, adotando comportamentos extravagantes ou provocativos.
Assim, acho que é sempre relevante, antes de avaliar alguém como normal ou anormal, considerar a questão do interesse e das diferenças individuais, bem como questionar a validade, a abrangência e a pertinência dos padrões estabelecidos. Pois, como disse o poeta Píndaro, “a maior glória da vida é ser quem você é”.
Por Maria Luiza Carrilho Sardenberg
Oi Ramos,
Você aborda de forma clara e distinta uma questão sempre espinhosa em qualquer tempo e cada vez mais relevante hoje. Uma questão que encobre a imposição de certos modos de viver mais servis e adequados do que outros para um determinado controle da vida em sua complexidade.
Teu post dialoga com a abordagem feita pelo Benilton Bezerra em outro publicado recentemente. Uma espécie de conversa entre Benilton e Canguilhem a partir do Normal e o Patológico.
https://redehumanizasus.net/95048-acerca-do-normal-e-o-patologico-de-canguilhem-um-problema-contemporaneo