A INTERSETORIALIDADE COMO FATOR DE GARANTIA DE CONTINUIDADE DOS SERVIÇOS PÚBLICOS

9 votos

Pretendemos neste artigo lançar algumas questões que merecem atenção sobre a justificativa da falta de recursos e a descontinuidade dos programas e a intersetorialidade como uma forma de minimizar essa prática costumeira.

 

RUPTURA POLITICA DE PROGRAMAS FUNCIONAIS

Quando pensamos nos serviços ofertados à população, garantidos pela Constituição como saúde, educação, segurança e social, vamos notar uma total falta de confiabilidade nas ações que os Governos vêm ofertando nas últimas décadas, sempre justificadas pela falta de recursos e cumprimento das exigências  do Plano de Responsabilidade Fiscal.

Na forma como funciona nosso Estado ainda em processo de construção democrática, é inquestionável que importantes cargos de Secretários Municipais, Gerências, Coordenações e Chefias acabam sendo ocupadas considerando-se os acordos das siglas partidárias. Essa forma de escolha nem sempre privilegia a excelência técnica no preenchimento dessas vagas, sendo mais importante os acordos partidários prévios. Isto significa que a cada mudança na direção, além da insegurança proporcionada aos programas em andamento, ainda pode acontecer um descompasso com o ritmo em que as ações se desenvolviam com o ritmo e preceitos de pensamento do novo gestor. A expressão “cargo de confiança” denota, via de regra,  muito mais a confiança do gestor no seu homem que vai consolidar a proposta política de seu superior muito mais do que a execução de um serviço voltado ao bem estar da população.

A contratação de um novo gestor ou a renovação da equipe técnica e de agentes de campo poderia causar perda de conhecimento específico,  caso a qualificação, a experiência e a prática do pessoal recém-alocado sejam inferiores àquelas da equipe anterior. Somado a isso, a falta de verba  ou  nova  liderança  dos programas, por exemplo, poderiam resultar em uma falha temporária na vigilância entomológica e epidemiológica  local… (PUC-Rio – Certificação Digital Nº 0912842/CA).

A triste constatação em nossa realidade é a de que a escolha de seu escalão administrativo é de maior importância a fidelidade com a direção de sua sigla partidária e com alguns corregilionários, do que necessariamente com uma perspectiva administrativa que efetive políticas públicas de resultados. Trocando em miúdos, define-se o titular do cargo muito mais por sua confiabilidade aos propósitos do gestor, muitas vezes voltado a promoção pessoal, do que sua competência na administração de projetos e programas de eficácia social.

Essa prática corriqueira torna-se um dos fatores geradores de descontinuidade e implantação de serviços com curto período de duração. Nesse sentido, utiliza-se a crítica nas deficiência dos serviços existentes ou uma garantia verbal de sua continuidade, sem promover um debate amplo com os vários setores sociais que possam avaliar de maneira ampla e democrática o que hoje se oferta de serviços.

A  cada período eleitoral  e/ou transição de gestores  comumente esta discussão vem à tona se haverá continuidade e/ou se prevalecerá a descontinuidade administrativa e  das  políticas públicas. Este debate  acontece  principalmente  na esfera municipal, estadual  e até  as algumas vezes na  federal. Contudo  o problema se torna mais evidente com  a proximidade dos  pleitos eleitorais,  a  questão ganha notoriedade  e entra na pauta  das agendas e dos discursos de  candidatos, nos comentários políticos,  na população,  nos meios de comunicação,  enfim  forma opinião pública.

Para aqueles que estão no poder vem a advertência aos eleitores sobre as ameaças de que se a oposição vencer as eleições, obras e projetos serão paralisados , servidores transferidos e/ou demitidos; já os oponentes garantem que darão continuidade  aos bons programas e projetos, comprometendo-se  a  melhorar ainda mais os  que  vem  sendo  executado.  Desta forma o que deveria gerar um debate crítico sobre a gestão administrativa e das políticas públicas quer seja locais ou não,na maioria entra-se  num vazio  sem nexo  e se perde a oportunidade de discutir propostas concretas para se ter uma gestão mais transparente e eficaz. (Estevam, 2010, p. 02).

A visão amplamente difundida nos períodos eleitorais é promessa de mudança para melhor do que se tinha até então. Embutida nessa visão, vamos perceber uma necessidade de destruir o que esta acontecendo e construir um novo modelo. Perde-se a oportunidade de avaliar os velhos programas, seus pontos de eficácia e os pontos em que necessita de uma readequação à realidade fluída na qual vivemos. Aparentemente esse processo de ruptura e nova construção refere-se mais à necessidade de auto-afirmação, do que um verdadeiro interesse na eficácia de uma atenção que deveria estar garantida ao cidadão.

Esse fato se traduz na interrupção de projetos, obras  e  serviços  públicos; nas mudanças radicais  de  prioridades que são muito freqüentes. O viés político-partidário quase sempre sobressai, aos demais aspectos; planos futuros são menosprezados e considerações sobre possíveis qualidades ou méritos se transformam  em ações (des)continuadas. O resultado desse processo  é  observado no desperdício de recursos públicos, desestímulos das equipes envolvidas, tensão  e a animosidade entre técnicos estáveis e o s  que entram com as vitórias  processos eleitorais (NOGUEIRA, 2006, p ).

Estevam (2010, p.3)   considera ainda que existe uma anulação do passado para justificar que a partir desse momento tudo irá funcionar de forma eficiente, recomeçando do ponto zero. Existe uma necessidade de deixar a marca de sua passagem pelo setor e, para tanto, considera-se necessário apagar os atos do passado, executado por outros e, portanto, a própria história e seu desenvolvimento.

A origem da (des)continuidade de uma maneira  mais ampla,  estaria  ligada ao clientelismo  político  e  ao personalismo característicos  do setor  público  brasileiro. Caracterizada no  cargo de confiança  –  comissionados  –  e da necessidade  a  cada nova gestão apresentar  “novas”  soluções (não necessariamente inovadoras, mas que tenham sua marca). (NOGUEIRA, 2006).

Esse autor destaca ainda que a existência de feudos dentro de uma empresa se valem da descontinuidade como justificativa a baixa efetividade dos projetos, reforçando ainda mais a fragmentação de análise da realidade (NOGUEIRA, 2006,p.17).

Um gestor personalista, cujos interesses beneficiam apenas aspectos de promoção de siglas partidárias, desconsiderando todo o histórico técnico-científico, gera insatisfação, desânimo e o que podemos chamar de “doença gestorial”, diminuindo a eficácia e até mesmo extinguindo serviços de relevância. A garantia e continuidade na oferta de serviços considerados essenciais à comunidade, portanto, não podem estar subordinadas à descontinuidade, às caracteristicas pessoais do gestor e seus subordinados indicados, nem estar relacionados com aspectos outros que não sejam a promoção do bem estar social.

Devemos considerar, portanto, todos os cuidados que devem ocorrer quando na mudança dos cargos de chefias, coordenações, entre outros, visto que diretamento geram ansiedade nos profissionais que já desempenham uma função podendo dificultar ou mesmo diminuir o ritmo no andamento de um projeto ou, pior ainda, a nova coordenação ou possui idéias próprias contrárias aos projetos ou resolvem que o mesmo deve tomar outro direcionamento, sem uma prévia discussão com os profissionais e, principalmente com os usuários e beneficiários dos programas.

 

 

FINANCIAMENTO E PRODUTIVIDADE

 

Falta de prioridade na agenda do gestor, o personalismo, a não observância de aspectos técnicos e científicos, vai influenciar diretamente na elaboração da dotação orçamentária e ao investimento destinado aos programas, isto é ao processo de planejamento. De acordo com Frezzati, orçamento é necessário por constituir-se como:

plano financeiro para implementar a estratégia da empresa para determinado exercício. É mais do que uma estimativa, pois deve estar baseado no compromisso dos gestores em termos de metas a serem alcançadas. Contém as prioridades e a direção da entidade para um período e proporciona condições de avaliação do desempenho da entidade, suas áreas internas e seus gestores. Em termos gerais é considerado um dos pilares da gestão e uma das ferramentas fundamentais para que o accountability, a obrigação de prestar contas, possa ser encontrado (FREZZATI, 2010)

A sustentabilidade, costuma estar ligada à questão dos financiamentos, cuja interrupção pode significar a permanência ou não de um projeto ou de uma organização. No setor público o fenômeno relevante que tem o poder de interromper uma iniciativa em curso é outro: trata-se da mudança de gestores a cada troca de prefeito, governador ou presidente da República, provocando o que se conhece amplamente como descontinuidade administrativa. (NOGUEIRA, 2006, p. 05)

Outro fator de extrema relevância é a forma de financiamento das ações. Acreditamos ser de extrema urgência uma reavaliação das quotas e metas. Ainda em sua essência, essa avaliação é feita em cima da produção e de resultados ainda seguindo o modelo biomédico e o preceito saúde/doença, por exemplo. Apesar do texto constitucional deixar clara a função de Promoção da saúde, educação, segurança, etcetera, vemos que a forma de gerenciamento de recursos ainda esta centrada na produtividade. Os repasses ministeriais aos municípios e aos respectivos fundos, está intimamente relacionada com o número de procedimentos realizados, principalmente em termos de atendimentos individualizados: numero de atendimentos, número de consultas, numero de curativos, numero de cestas básicas distribuídas, numero de vacinados, numero de exames, numero de medicamentos distribuídos, e por aí vai. Nesse raciocínio, a tendência é quantificar estatisticamente a promoção, atenção e cuidado em relação com a carga horária dos profissionais, estabelecendo-se metas a serem alcançadas para a manutenção do programa. No final das contas acaba determinando a quantidade de tempo que deve ser dispensada a cada atendimento, sem prever, necessariamente as necessidades individuais, as características do serviço e principalmente da clientela assistida ou ainda suprir outras necessidades que não sejam as constantes das tabelas de procedimentos. Esse direcionamento no repasse de recursos impede a construção de uma política com as características regionais além de impor um modelo muitas vezes não adequado ou pobremente adaptado para garantir recursos e a continuidade dos programas, além de gerar abertura na incursão da iniciativa privada atendendo uma demanda que as políticas públicas não conseguem atingir. (CISLAGHI; TEIXEIRA; SOUZA, 2011, p.2).

Não se pode afirmar que essas ações da iniciativa privada recebem o mesmo tipo de controle social dos serviços governamentais, apesar de estarem preenchendo uma lacuna que as políticas públicas não atingem.

Outro fator de preocupação dos gestores é na abertura de novos programas, onde o repasse financeiro não possibilita o aumento do quadro de pessoal, sendo este contrapartida do município. A falta de garantia na continuidade de repasses, gera  a insegurança do gestor na implementação e implantação de programas que acompanhem as rápidas mudanças sociais.

Nesse cenário desolador, uma discussão tem se mostrado eficaz e adequada, quando alguns programas desenvolvidos já preveem em sua constituição a ação intersetorial. Quando uma ação pública esta ligada exclusivamente a uma hierarquia governamental, fica subordinada unicamente a uma gestão, portanto ficando mais suscetível à influência da indicação de uma sigla partidária, nem sempre privilegiando a competência técnica, nem a visão de uma diretriz nacional dos programas.

 

A INTERSETORIALIDADE

 

Ao falarmos em intersetorialidade, estamos nos referindo aos programas que, devido a visão ampliada de ser humano, visa atender a várias demandas sociais, envolvendo diversos setores de serviços. A integralidade de ações é que pode garantir ao reordenamento participativo do sujeito-cidadão, enquanto construtor da própria história, caminho contrário ao paternalismo e favoritismo sempre presente em momentos de crise social.

A intersetorialidade para Junqueira (2004, p. 4, 9) constitui uma concepção que deve informar uma nova maneira de planejar, executar e controlar a prestação de serviços, de forma a garantir um acesso igual dos desiguais. Isso significa alterar toda a forma de articulação dos diversos segmentos da organização governamental e dos seus interesses. Diante disso, a implantação integrada das várias políticas sociais não depende apenas da vontade política de quem tem o poder ou os recursos disponíveis, pois cada política setorial tem seus interesses e práticas. (Nascimento, 2010, p. 100).

Ao contrário das ações verticalizadas e setoriais, as ações envolvendo os vários órgãos públicos, a população e a sociedade civil, acrescentam maiores possibilidades de rapidez na implementação, durabilidade e continuidade dos programas, sem sofrerem de forma direta as tendências de determinado gestor, cuja permanência na função pode não ser duradoura.

Tanto as políticas de desenvolvimento urbano quanto a social trazem em seu bojo algumas perspectivas de ações intersetoriais, podendo fortalecer as atuações dos gestores e técnicos, a articulação com a população local, dar base para a interação de saberes (interdisciplinaridade) ou criação de outros, promover e consolidar ações políticas e trabalhar com a logística do processo de implementação. (Nascimento, 2010, p. 118).

Para concluir, devemos considerar que, em termos de um país em desenvolvimento, necessitamos do estabelecimento de novos parâmetros na construção das Políticas Públicas em todos os níveis governamentais, acrescendo a participação crucial dos setores sociais envolvidos tanto da população que necessita ter acesso ao que se considera como direitos básicos, quanto da sociedade civil organizada com sua valorosa contribuição nessas ações. Existe uma necessidade premente de mudanças no ordenamento orçamentário para a garantia de oferta e continuidade dos programas, sem que haja prevalecimento da iniciativa privada, garantidas no Plano Diretor municipal que propicie maior articulação entre os diversos setores de serviços.

Queremos destacar ainda a importância da participação dos diversos setores na implantação dos programas, garantindo a integralidade na atenção. A integração dos vários setores, em conjunto com os beneficiados pode dificultar ainda a interrupção ou prejuízo a partir do interesse do gestor ou dos gerentes e coordenadores. A intersetorialidade se apresenta como um reforço nas garantias de melhoria de qualidade e continuidade das ações, a partir do momento em que a construção das políticas de atenção envolvam os diversos órgãos não subordinados a apenas uma hierarquia.

 

A autora aponta como caminho a ser percorrido e para amenizar a situação, os seguintes quesitos:  a vontade  política dos governantes, os arranjos institucionais assumidos pelo poder público, o incentivo proveniente da esfera federal e estadual e os avanços na legislação em torno da gestão compartilhada. Estes seriam elementos para a construção de redes institucionais que reúnam diversos atores sociais, envolvendo articulações intersetoriais, intergovernamentais e entre Estado  e sociedade civil para amenizar  o círculo vicioso da (des)continuidade administrativa  e de políticas sociais. (Estevam, 2010, p. 04).

 

BIBLIOGRAFIA:

 

(PUC-Rio – Certificação Digital Nº 0912842/CA) – 3 Descontinuidade Política: Possíveis Efeitos.

 

Área 11 – Estado e Políticas Públicas – UNESC

 

CISLAGHI, Juliana Fiúza; TEIXEIRA,  Sandra Oliveira; SOUZA,Tainá.  O Financiamento do SUS: principais dilemas. Anais do I Circuito de Debates Academicos, IPEA Code 2011.

 

ESTEVAM, Dimas de Oliveira – A contínua descontinuidade administrativa e de políticas públicas – II Seminário das Ciências Sociais Aplicadas

NASCIMENTO, Sueli, Reflexões sobre a intersetorialidade entre as políticas públicas, in Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 101, p. 95-120, jan./mar. 2010.

 

NOGUEIRA, Fernando do Amaral – Continuidade e Descontinuidade Administrativa em Governos Locais : Fatores que sustentam a ação pública ao longo dos anos – tese de mestrado – Fundação Getúlio Vargas Escola de Administração de Empresas de SãoPaulo – 2006.

 

FREZATTI, Fabio. Orçamento Empresarial: Planejamento e controle gerencial, 4a. Ed. São Paulo: Atlas, 2008.

 

ZAMBONI, Leonardo Borges, O Orçamento como Instrumento de Planejamento e Controle nas Organizações Brasileiras, tese de conclusão – Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS- Porto Alegre, 2010.