13 Razões e 50 regras: é chegada a hora de falarmos abertamente sobre o suicídio na adolescência
A série do Netflix “13 Reasons Why”, estreou no final de março e causou um grande alvoroço no Brasil, especialmente pelas opiniões antagonistas, tão comuns nessa época polarizada, binarizada, dividida, em que vivemos.
Narrando a história de uma adolescente que grava em fitas cassete as 13 razões que a levaram ao suicídio, a análise de quem não indica a série baseia-se na ideia de que ela pode ser um gatilho para pensamentos suicidas, na medida em que coloca essa ação como a única saída possível.
Mesmo que a trilha sonora inclua Joy Division e The Cure, a trama é cansativa, recheada de clichês e com atuações semelhantes às da série brasileira “Malhação”.
Exceto pela cena do suicídio – desnecessário mostrá-la. Apresenta-se com relativa facilidade de execução, ainda que a personagem explicite sua dor -, a série tem tido o extraordinário efeito de fazer com que todos falem a respeito do assunto e questões como estupro, bullying, consumo excessivo de álcool, uso de maconha e narguile, a escola como uma arena de guerra e anestesia, cada vez mais distante da aprendizagem e da partilha, assim como a instituição família, engolida pelo sistema e incapaz de oferecer escuta e abrigo na maioria das vezes, permitem intensos momentos de discussão dentro e fora das redes sociais. Ainda que, nas redes, tal acesso inclua a carta de uma adolescente do interior do Maranhão, que cometeu suicídio dia 13 de abril, dizendo que assistiu a série e isso a fez questionar a atitude: “Eu Estava planejando tirar minha vida a meses e essa serie só fez eu parar e pensar: Estou prestes a fazer algo muito idiota”.
Infelizmente, seu solitário questionamento não foi suficiente. Mas outra adolescente, no twitter, escreveu que sofria de depressão e que a série a ajudou a refletir positivamente sobre seu problema. Profissionais de saúde, de educação, adolescentes, amigos, parentes, todos refletem, opinam, sugerem, conversam, enfim.
Hannah, a protagonista, não parece ter definido um quadro de depressão. A queda do rendimento escolar seria o único indicativo, mas a adolescência enquanto lugar de adoecimento, por si só, parece ser uma 14ª razão ou a razão 0, o que não se justifica. Mas também é possível se desdobrar um nível ainda mais delicado de se problematizar: só o sofrimento psíquico desencadeia o suicídio? Até onde, ou a partir de quando, somos donos de nossos corpos e vidas?
Os contrários à série também citam o risco do Efeito Werther, algo difícil de se provar, diferentemente do Experimento Rosenhan https://pt.wikipedia.org/wiki/Experimento_Rosenhan, que demonstra o quão frágil pode ser o diagnóstico psiquiátrico. Fragilidade que se estende ao cuidado em saúde mental, à rigidez de certas condutas ou hegemonia de certos saberes.
Caminhando sobre fina camada de gelo, não há garantias na vida. Por que haveria na ficção? Ou sobre o desejo de morrer?
Muito mais preocupante que uma razoável série de um provedor de filmes na internet ainda inacessível para boa parte da população brasileira, é o absurdo jogo da Baleia Azul. Com cerca de 25 mil acessos no youtube em poucos dias, um aparente boato que se iniciou na Rússia em 2015 levou ao suicídio de dois adolescentes aqui no Brasil. Os casos têm sido investigados pela polícia federal e são fortes os indícios desses jovens seguirem as regras (50) de “mentores” numa escalada crescente de auto-agressões cuja última tarefa consiste em tirar a própria vida. Movidos por razões variadas, que vão da banalização da vida (e da morte?), à curiosidade e, óbvio, à depressão, adolescentes sentem-se atraídos por esses grupos criminosos, que depois os coagiriam, impedindo-os de saírem do jogo.
Para cada adulto ainda desconfortável com a internet existe um jovem altamente conectado em virtualidades, rechaçando o contato do olho, da pele, do corpo.
Falar sobre suicídio partindo de uma ficção, deixando vir à tona as sombras da vida pode ser a chance de desencalhar a baleia azul da morte.
Por mais que os conflitos de Hannah culpabilizem a todos, assistí-los talvez seja uma forma de acessar dores-tabu, silenciadas desde sempre por todos os lados – os casos de suicídio na família são abafados constantemente, a notificação também é baixa, ainda que seja notório o aumento de suicídios entre os mais jovens. Deveria também ser um meio de divulgação dos CAPS, Centro de Atenção Psicossocial, pois os números de ligações ao CVV – Centro de Valorização da Vida – aumentaram, mas são os CAPS, em especial os CAPS infantojuvenis, no caso dos adolescentes, que dão um suporte continuado de acolhimento, de saúde, de cuidado e de olho no olho.
Ter a certeza de que não se está sozinho. Pois é no isolamento e sofrimento intenso que repousa o desejo da morte. É no real, não na ficção.
Por Mariana S Oliveira
Harete,
Debate mais do que necessário. O silêncio sobre o suicídio, e a intensificação do tabu em torno dele, constituem um desamparo social a esta questão, deixando ainda mais todos reféns dessa negação.
Vale muito seu alerta para outras formas de uso de recursos digitais para viralizar comportamentos de risco, que catalisam conflitos e vão ao encontro de jovens em situação de vulneração.
Também me chama a atenção para o risco de uma captura deste fenômeno apenas no campo da saúde mental, individual, quando me parece ser muito mais um fenômeno social amplo, que diz muito mais a respeito as possibilidades atuais de se consistir jovem no mundo em que vivemos do que apenas relacionados a conflitos internos de uma fase do desenvolvimento adolescente. Em outras palavras, o fator de vulneração me parece antes estar muito mais relacionado aos conflitos contemporâneos e perspectivas possíveis para a vida, do que em diagnósticos e conflitos intrafamiliares. Mesmo que estes tb sejam fatores muito relevantes de intensificação do desamparo.
Muito a debater, muitas palavras e sentidos e serem constituídos para encontrar um a rede de apoio e outras saídas, e saber a que resistir, antes de entregarmos esses jovens a outra camada de vulneração, a medicalização e estigmatização.
Obrigada por sua contribuição e ampliação do debate.
Sigamos,
Abs,
Mariana