O custo da igualdade e o preço do privilégio
Merda d’artista, Piero Manzoni.
Perdoem-me o título, mas tenha a santa paciência. A gente corre, se consome tentando consolidar o SUS e seus princípios, efetuar suas diretrizes e eliminar as iniquidades do sistema. Mas as leis da termodinâmica são implacáveis. A quinta parece ser mesmo absoluta. Tudo degenera. Olha só a notícia da Zero Hora de hoje:
19 de maio de 2010 | N° 16340
MAIS OPÇÕES
Supremo amplia serviços do SUS
Decisão permite que pacientes optem por condições especiais, como uso de quarto exclusivo, desde que se pague a diferença
Uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) altera a forma de atendimento prestado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em um município gaúcho – e novas ações em curso podem ampliar a medida para todo o Estado. Válida inicialmente para Giruá, na região Noroeste, a medida permite que um paciente opte por condições especiais de internação, como quarto exclusivo e médico de sua escolha, desde que pague a diferença em relação ao que o sistema público oferece.
Esse recurso – chamado de “diferença de classe” e extinto no país desde o começo da década de 90 – permite ao paciente pagar a um hospital a diferença entre o que o SUS oferece para um atendimento padrão e o necessário para ocupar um quarto mais privativo e confortável, por exemplo. Também possibilita que receba medicamentos e realize exames custeados pelo serviço público, mas pague para ser atendido por um médico de escolha.
Recentemente, o Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers) entrou com várias ações para retomar a flexibilização do atendimento prestado pelo SUS, que chegaram ao STF. Ontem, com base na primeira decisão definitiva do Supremo envolvendo essa leva de processos, a Justiça Federal gaúcha determinou ao município de Giruá que “permita o acesso do paciente à internação pelo SUS e o pagamento da chamada diferença de classe, para obter melhores acomodações, pagando a quantia respectiva, quer ao hospital, quer ao médico”.
Essa é a primeira ação a ser transitada em julgado do conjunto de processos iniciados pelo Cremers. Além de Giruá, Porto Alegre e outras 10 cidades gaúchas onde a saúde foi municipalizada estão com medidas semelhantes em tramitação, além de uma outra ação estendendo a mesma alteração para todos os municípios gaúchos onde a gestão da saúde está sob responsabilidade do governo estadual.
– A decisão do STF deverá ser a mesma em relação às outras ações, porque o tribunal já firmou entendimento sobre esse assunto em casos semelhantes, só que movidos individualmente por cidadãos. A nossa foi a primeira ação civil pública a ter resultado favorável de que temos notícia – afirmou o consultor jurídico do Cremers, Jorge Perrone.
Autoridades de saúde não comentaram a alteração
Para o presidente do Cremers, Claudio Franzen, a medida amplia o direito do usuário do SUS.
– Se desejar, o paciente internado poderá optar por acomodações melhores, além de poder escolher o médico de sua preferência – exemplifica.
As autoridades da área da saúde preferiram não comentar o caso ontem. A secretária estadual da Saúde, Arita Bergmann, disse que procuraria ler os detalhes da determinação e somente deverá se pronunciar hoje.
O Ministério da Saúde foi procurado por ZH ao final da tarde, mas também não se manifestou sobre a mudança nos parâmetros do SUS. Segundo a assessora jurídica do município de Giruá, Maísa Thomas, a prefeitura recebeu somente ontem o comunicado da decisão e vai analisar o assunto a partir de hoje.
MARCELO GONZATTO
O tom da cobertura dá uma idéia da posição editorial da RBS. O resto rende uma tese sobre a irresponsabilidade dos agentes envolvidos e a forma como incidentes como esse podem mudar o rumo da história que construímos com sangue, suor e lágrimas.
Por Dario Frederico Pasche
A possibilidade da volta da cobrança por melhor hotelaria e/ou liberdade na escolha do médico, faz a saúde no Brasil regressar aos anos 60, quando isto era prática consagrada. E o que “aprendemos” com isto? Que as pessoas, as famílias passam a ser deliberadamente compelidas/forçadas a pagar “por fora” para obter a assistência com qualidade, o que já é um direito congraçado na constituição. Isto trará à cena iniqüidades e injustiças e a abertura de espaço para a ampliação do fosso social que ainda existe no acesso aos serviços. Além do mais, me parece uma estratégia de ampliação da privatização no SUS, pois esta decisão introduz na política públicas regras de mercado, indo na direção da mercantilização, da mercadorização de bens e serviços públicas. Esta medida do STF é inconstitucional e atenta contra a opção do povo brasileiro, registrado pelo legislador, que a saúde deve ser de qualidade para todos. Acho mesmo que é um caminho de ampliação da vampirização da política pública, pois aqueles mesmos que dizem que o SUS não presta, que não lhes interessa, aqueles mesmos que descontam seus gastos privados no IR, são os que clamam e aplaudem esta medida. Ela envergonha a sociedade brasileira e abre caminhos de rupturas na rede de solidariedade social que temos construindo em torno do SUS. Espero que a CNS e aas lideranças sanitárias do país se manifestem, fazendo que o STF recue neste atentado ao SUS.
Coordenador Nacional da PNH