Futebol, Arte, Paixão e Dinheiro
Ontem mais uma vez o país parou, e ainda com a obra e graça de ser um domingo. Milhões juntaram-se em torno da televisão ao som de vuvuzelas e a voz de Galvão Bueno competindo em pé de igualdade com elas. Vibramos felizes com gol de mão e braço e nos indignamos irados com a expulsão do belo cristão Kaká, bom moço que inventou a cotovelada defensiva.
Mas passado o momento da catarse do afeto futebolístico, é necessária uma dose de bom senso, nem que homeopática. Desde os meus tempos de menino – a vibrar com os gols de Jairzinho e Pelé na copa de 70, imerso na magia do futebol, elo que "irmanava" militares torturadores e guerrilheiros urbanos do impossível no auge da ditadura – eu não tinha visto uma copa tão chata, repleta da mesmice do futebol feio pontilhada de empates e de "1X0". Diria que é uma copa do "clichê", onde os jogadores vão assumindo cada vez mais a sua preocupação em aparecer diante da tela não para representar uma metáfora chamada "nação" mas principalmente aumentar a cotação do contrato publicitário.
Nós alimentamos com nossa alegria e dinheiro um negócio montado pelos europeus que absorvem nossos recursos humanos a peso de ouro. Os esquemas táticos estão disponíveis no mercado. Os técnicos de jogadores limitados sabem objetivamente o que fazer diante dos talentos, tudo descrito e previsto pela frieza das estatísticas. O futebol pode ser hoje reduzido a uma planilha de cálculo, fenômeno que já aconteceu com o Volei e o Basquete
Mas não é só isso. A situação atual lembra a fábula da galinha dos ovos de ouro". A primeira coisa sacrificada diante dos interesses econômicos dos times e empresas que os patrocinam é o esporte, sua beleza enquanto arte e técnica. A copa acontece no final da temporada européia quando os jogadores estão extenuados. As exigências de campeonatos e patrocinadores impedem tempo ideal para que as seleções possam produzir entrosamento e um jogo mais coordenado. O resultado é este. Times formalmente mais fortes são batidos diante de seleções medíocres, os jogos se arrastam, ficam monótonos.
O Brasil exporta centenas de jogadores para a Europa. Mas os europeus estão inaugurando agora uma nova forma de "trabalho infantil". Ao invés de pagar caro por um jogador já formado na américa latina, eles agora o levam ainda menino para a Europa, "livrando" essa pobre criança das agonias do subdesenvolvimento. A globalização do futebol leva a globalização das técnicas de treinamento e preparo físico. Estamos marchando para a mesmice e a chatice onde a artesania vai cedendo espaço para uma espécie de fordilização do esporte.
Mas vamos seguindo adiante. Essa semana jogaremos com Portugal e na próxima fase enfrentaremos Espanha ou Suiça. O Brasil vai parar para que milhões possam ter seu momento de glória enquanto aprendemos nessa ou naquela mensagem publicitária do cartão de crédito que existem coisas que o dinheiro ainda não pode comprar. Enquanto o SUS se arrasta numa crise de vida e morte que vai se refletindo na saúde da população e por decorrência impactando na vida, teremos muito recurso público para investir decididamente na melhoria da infraestrutura das cidades para a Copa de 2014 e as olimpiadas de 2016. Seria maravilhoso que em meio ao concreto dos estádios, às linhas de metrô em expansão e na ampliação do parque hoteleiro pudéssemos colocar em planejamento a redução da mortalidade infantil e maternoinfantil, a eliminação do analfabetismo de adultos e a erradicação do trabalho escravo e infantil. Mas já ganhamos 5 copas com terríveis estatísticas sociais. Podemos ser "hexa " e "hepta" com elas.
Por Luciane Régio
E não é de vuvuzela!!!
Beijos,
Luciane