O filme em cartaz “O cisne Negro” (Black Swan), do excelente diretor Darren Aronofsky, conta a história de Nina (Natalie Portman) que, ao se ver escolhida como primeira bailarina da companhia, irá interpretar a rainha dos Cisnes em uma versão do exigente coreógrafo Thomas (Vincent Cassel) de “O Lago dos Cisnes”, de Piotr Ilitch Tchaikovsky. Ao ter que interpretar simultaneamente o cisne branco (símbolo da pureza e ingenuidade) e o cisne negro (metáfora para a malícia, sensualidade e maldade), Nina verá toda sua vida posta no limite da sua existência.
Em vista da relação de dominação de sua mãe (Barbara Hershey), que a torna insegura e solitária, Nina produz um modo de vida em que predomina a disciplina e a competência técnica em todos os espaços, excepcionalmente na dança. Verão ai os psicólogos: Édipo nas suas várias substituições.
Mas o que de fato ocorre é excepcional. Estando ligada a um fluxo contínuo em que há o privilégio da organização, do organismo, a função de órgão como dominância da vida, (veja que não estou dizendo que Nina é vitima deste processo, mas que, de algum modo, pactua-se com ele), Nina encontra outro agenciamento, na dança a necessidade de “ser” o Cisne Negro. Thomas entende isso, vê em Nina apenas o Cisne Branco, mas sabe que a qualquer momento o Negro surgirá, bastando para isso provocar Nina; ser, ao gosto do Don Juan de Carlos Castañeda, seu pequeno demônio e conta para essa tarefa com a ajuda da sedutora Lily (Mila Kunis, em ótima atuação).
Eis a tarefa de Nina e do diretor Darren Aronofsky, quebrar a organização de Nina, destruir seus órgãos, fazer explodir seu “Corpo Sem Órgãos” – tributo a Antonin Artaud.
Nina ataca seu corpo, rasga sua pele para dar passagem a sua intensidade, sua potência. Nina atuará a maneira do masoquista, que, longe de buscar prazer na dor, como querem alguns, submete seu próprio corpo a toda estratégia, não para obter mais controle, mas, ao contrário, retirar da organização, da função de órgão, toda possibilidade de controle sobre sua potência, sobre sua intensidade. Nina trabalha bem, suas últimas palavras no filme dizem isso claramente: “Eu senti !”
A aliança de Natalie Portman e Darren Aronofsky é capaz de nos mostrar todo o mundo em que nos metemos, nossa maneira de viver, dominada pela competência, eficiência e utilidade. Esquecemo-nos de quanto a vida esta para além, ou aquém, disso. Esquecemo-nos de nossa própria potência, de nossa própria intensidade. Sem dúvidas há muitos caminhos diferentes para atingir esta singularidade. Talvez o de Nina seja árduo demais, mas era, para ela, o necessário. Afinal, mais vale um segundo de liberdade do que uma vida de escravidão. Bom filme e divirta-se.
31 Comentários
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Por Altair Massaro
Querida Rejane,
Talvez a aposta, mais que esperança, seja a des-humanização (doido, né?). Quebrar a consciência do humano (função de órgão) para a produção do novo, fazendo surgir o caos, a singularidade, o incorporal. Uma "subjetividade" apessoal e pré-individual (pra falar como Simondon).
Assim, a dança será mesmo da liberdade, necessariamente.
Vamos juntos.
Bjs.
Altair
Por Rejane Guedes
Para ‘degustação’: Esse vídeo curto conta as aventuras do pato de borracha que desejava voar como outros patos.
https://www.youtube.com/watch?v=aP2TnodSXoI
Por instantes penso que temos muito a ver com essa história.
Tenhamos bons vôos. Re.j.e
Estou louca prá ver esse filme! Ainda mais com a dupla infernal Nathalie Portman e Vincent Cassel.
Agora então, depois desse post, vou correndo!!!
Iza
Altair
achei vc muito otimista. É um bom filme, cheio de suspense. Mas me pareceu velho… velhas insituições mastigando gente, com suas velhas máquinas de "ideais", "de perfeição", suas "réguas" insanas induzindo competição… Me deu saudades do almodovar.. saudades do Grupo Corpo (dança)…
Abraço
Gustavo
Por Altair Massaro
Tive a impressão de que são exatamente os atributos mencionados por você os objetos de denúncia do diretor Darren Aronofsky.
Não me parece que Darren esteja interessado no cinema-ação; seu foco é o cinema-tempo. A partir do tempo puro, do Corpo Sem Órgãos, ele faz a denúncia dos efeitos do Sensório-Motor (elemento essencial do Cinema-Ação) e de onde deriva a organização da vida, o Orgânico, melhor dizendo, a consciência subjetiva humana constituída pelos fluxos sociais e todo modo de vida ai atribuído.
De qualquer forma, são impressões.
Grande abraço meu amigo.
Altair
Por Shirley Monteiro
Com certeza depois deste post, as vivencias e impressões que terei, enquanto assistir o filme, serão bem mais instigantes.
É muito rico encontrar aqui vários e vários angulos subjetivos deste filme, nos comentários !! Parece que ele tem um poder- o filme, ou a provocação do CISNE NEGRO: Tocar em cada um, a essencia do Self – Superconsciente/ Inconsciente PROFUNDO, que jáz em nossas sombras. Lembrando que: Para Carl Gustav Jung, na sombra guardam-se não só nossas fragilidades, imperfeições, mas também nossas qualidades silenciadas, potencias reprimidas.
Hoje ao telefone com a Jacqueline, ouvi talvez o mais instigante comentário, na integridade psicocorporal do filme !!! Mas só ela poderia trazer para cá este comentário.
Vamos esperar !! E volto aqui depois de assisti-lo, para contar do resultado interativo desta produção de arte, em mim mesma !
Bjos,
Shirley Monteiro.
Querido Altair,
Alguns amigos que prezo muito detestaram o filme e postaram comentários no facebook detonando-o como algo "velho". E o Gustavo também foi por aí.
Será que só alguns perceberam a luta que vimos entre organismo e corpo-sem-órgãos? Ou a "convocação" que ali se faz para deixar passar algo?
Nos corpos hoje nada se passa. O controle é quase completo. O Biopoder é muito mais efetivo que a velha repressão da sociedade disciplinar.
Nina é pura técnica sem intensidade. Mas, Thomas buscará agenciar nela um PROGRAMA. Fazer passar algo.
Mostra a ela a bailarina que com "menos" perfeição técnica, enleva a todos. Pq atravessada por um devir-intenso.
Ele leva Nina para sua casa. "Vc gosta de sexo?", pergunta. Ela fica ruborizada. Desiste e propõe a lição de casa da masturbação. Parte de um programa – programação/ experimentação – de indução de uma experimentação de seu corpo para que se liberem intensidades. É preciso extrair algo outro daquela organização mortífera pq engessada pelas funções/funcionamentos.
Ela tenta, mas é interceptada pela imagem da mãe, não consegue o abandono necessário, a dissolução de seu eu numa vivência do prazer. O controle está ainda intacto.
Agora já não será somente Thomas o agenciador. Ele cutucou, convocou algo nela. Não a competitividade, a velha competitividade, isso já está posto como um modo de ser do ethos capitalista atravessando as subjetividades. Meus amigos só viram a denuncia ( velho tema mesmo ) da competitividade.
Agora é Nina que se agencia com as forças convocadas nela e à sua volta. Mas, grave erro, mergulha de cabeça no plano de experimentação sem nenhuma salvaguarda. Sem a prudência, sem a dosagem, regras imanentes de qualquer experimentação. E morre.
Quantos de nós sucumbiram `as experimentações com drogas, sexo e afins?
O que isso tudo tem a ver com saúde, perguntam-se a essa altura nossos amigos da rede. Apenas TUDO! Tudo a ver. Pensemos no desfile de enfermidades como anorexia, experiências como o "cutting", a epidema de depressões, vivências/experimentações do corpo pelos adolescentes…
As velhas abordagens psicopatológicas são menos pensantes que este belo filme!!!
Iza Sardenberg
Iza
eu achei muito bonito o seu post e o do Altair (muito mais do que o filme merece rsrs). Com certeza é uma grande filme por tudo que nos mobiliza e produz. E eu concordo e aposto em todos os referenciais que nos ajudam a fazer limonada do limão. Sempre fundamentais! Mas eu não gosto da ideologia do limão. E ela ainda é extremamente forte… manicômios, conventos, prisões, exército, igreja, companias de ballet, escolas médicas, hospitais, vestibulares… Existem muitas outras frutas no mundo, principalmente nos trópicos e eu quero gastar muita energia inventando novas insituições mais trasnversarlizadas, mais porosas, democráticas etc como se queira chamar.
Abraço
Gustavo
Claro, Gustavo, é sp uma questão de inventar, aliás! E transversalizar as instituições duras que vc citou, tarefa mais insana que inventar, sei lá…O limão é amargo, mas dá limonada doce!
Acho que esses referenciais de Spinoza, Deleuze, Guattari, Foucault e muitos outros ( a lista é longa, que bom! ) não só abrem outros caminhos, mas criam literalmente outros mundos.
um beijo
Iza
Por Altair Massaro
Então Gustavo, a questão aqui não são as frutas que EXISTEM, o barato desta experiência do cinema é exatamente o que NÃO existe, mas que é REAL. Não são dos limões, Cajás e Mangas que se está falando, mas do “lugar” de suas gêneses, ou seja, do Tanscedental, do Tempo Puro, do Virtual, ou ainda à maneira de Simondon, do pré-individual e do apessoal. Sem dar conta disso, ficamos só no individuo e no sujeito, por mais diversos e belos que sejam. Essa é a beleza deste filme, esta é a beleza do cinema de Alan Resnais, de Pazoline, do teatro de Samuel Beckett, da literatura de Alan Robbe-Grillet, de Borges, Henri James, de Muller, Fitzgerald, da Ciência de Maturana, da Filosofia de Bergson, Spinoza, Nietzsche, Deleuze e tantos outros em tantas outras áreas. Não acho que a questão seja o limão ou a limonada, nem tampouco outras deliciosas frutas, todas tão intensamente potentes – afinal, nada falta a nenhuma delas; mas, sobretudo, a potência de todas e de cada uma. De outro modo: a questão não é o pessoal ou o individual, mas a intensidade.
Abração Companheiro.
Altair
Altair
é sempre bonito o seu texto e acho estas converas sobre filmes muito instrutivas. Se existe a hipótese da mocinha do filme ter confeccionado o seu corpo sem órgãos apessoal transcendental (torcemos por isto), existe também a hipótese de isto não ter acontecido (ou não?). Como obra de arte o filme soube deixar aberta estas duas possibilidades… a protagonista pode ter sido apenas mais uma "princesinha" de mais um "cretino", como bem observa a sua amiga em algum momento do filme.
Mas se isto são hipóteses, um fato deixa poucas dúvidas… duas instituições sinérgicas (família e ballet) conduziram um jogo de poder muito velho… um lugar ideal, uma régua, uma hierarquia. Um jogo que nada indica que mudaria em quaqluer uma das duas hipóteses: com ou sem o" CsO da mocinha" a próxima "princesinha" já estaria pronta para assumir o lugar da falecida.
Me parece que se é possível muitas vezes lidar com as tiranias de modo a desviar de suas armadilhas (como pode ou não ter acontecido), é certamente tão mais difícil fazer isto, quanto mais total é a instituição (ou não?).Senão vamos abandonar a luta por democracia institucional, porque ela poderia atrapalhar os CsOs e outras conquistas (a)pessoais… Por isto prefiri neste filme e nesta atual conjuntura, valorizar mais a denúncia de velhos jogos explicitos de captura, do que as outras hipóteses.
Abraço
Gustavo TC
Por Altair Massaro
Bem Gustavo, vamos ver se entendi as suas questões.
Não há nenhuma hipótese de Nina não ter feito para si seu CsO. Primeiro pelo fato de Darren trabalhar com o tempo cristalino e, segundo, porque ela mesma, ao final do filme diz: “Eu senti!”; além de toda expressão própria do desdobramento do filme.
Trabalhar no tempo puro é ultrapassar todos os limites das faculdades humanas. No orgânico podemos falar de dualidades, de verdadeiro e de falso, de razão e irracionalidades. No empirismo transcendental, não há de maneira alguma, dualidades: a faculdade do intelecto ultrapassa seus limites para o pensamento puro, a faculdade da memória ultrapassa o presente atual e o presente antigo para o passado puro e a faculdade da sensibilidade atinge o insensível, ultrapassando o sensível, destacando-se três delas. Assim, a arte que se interessa pelas intensidades, cada uma a seu modo e com seus próprios elementos, ultrapassando a experiência da extensão, não deixará abertas opções, liberando apenas o absolutamente necessário daquilo que se atualizará. Darren mostra isso claramente ao “fazer” Nina morrer: seu corpo necessariamente tem que ser destruído e da maneira que o foi, para que toda sua intensidade seja liberada – destruição da extensão no campo orgânico para liberação das intensidades do virtual.
Além disso, Nina, como todos nós, tem que lidar com várias instituições (velhas, já que todas as que permanecem o são). A questão é com fazê-lo? Não sairemos do lugar apenas combatendo a instituição e o instituído; Nina e Darrem o sabem muito bem. Ainda estaremos no orgânico, apenas substituindo velhas fantasias por novas (para transmutar do Cisne Branco para o Negro não basta mudar a maquilagem, é necessário que se cresçam penas na própria pele). Isso não significa que não devamos reinventar possibilidades, mas só deveríamos criar aquilo que pode ser destruído. Entretanto, o mais importante é: que modo de vida posso produzir para passar minha intensidade (eu e minha como modo de dizer, não como produto de um assujeitamento) mesmo sob a mais terrível das instituições? Não devemos nos esquecer que as interpretações e as reivindicações são as mais abomináveis maneiras de se produzir significação e assujeitamento (Verdades e Sujeitos). Mais uma vez o filme é primoroso: Nina, mesmo no meio das instituições da família, do ballet, da sociedade capitalista e de todas as mazelas possíveis, cria para si o mais belo Corpo Sem Órgãos. Poder-se-ia objetar que Nina poderia valer-se de outros modos menos cruéis, mas não se pode dizer que não teve sucesso.
Talvez seja isso….
Abração companheiro.
Altair
Eu poderia concordar com vc se vc falasse da sua experiência ao assistir o filme, ou do seu desejo de CsO´s (ou de que ele ocorreu) ou do desejo (ou intenção) do diretor. Estes lugares não almejam um universal. Mas quando se utiliza uma teoria para defender que uma obra de arte só possa ser (correta e legitimamente) experimentada de uma única forma, isto me preocupa. Não sei se é o melhor uso deste (ou de qualquer outro) referencial teórico.Em geral os lugares onde só há uma hipótese, ou menos que isto, uma certeza, são lugares que merecem alguma desconfiança. A história da humanidade está demasiado cheia de teorias com este mesmo desejo de universal e de eternidade.
Por outro lado, toda mudança passa pelas pessoas. Os espaços coletivos e seus poderes são co-produzidos. Neste sentido, apostar na possibilidade dos sujeitos (pessoas ou etc) de fazer seus CsO´s (ou outras coisas interessantes) têm tanto uma potência quanto uma importância política. Porém, existe todo um movimento político que reforça a busca de soluções individuais solitárias (como bem apontou o Erasmo em post recente). Mil receitas para lidar com “dificuldades” individualmente.É um duplo movimento tanto de culpabilização individual quanto de legitimação do poder. Então acho que é necessário uma prudência nesta aposta individual (de CsO´s ou quaqluer outra), para evitar novas mitificações e desvalorização do contexto e suas lógicas de poder.
Abraço
Gustavo TC
Por Altair Massaro
Grande Gustavo,
Bem, estamos falando de coisas completamente distintas, meu amigo. Isso não vai dar em muita coisa.
Mas foi uma conversa muito agradável e divertida. Quem sabe não continuemos regada a uma (ou mais) cerveja bem geladinha. Não que o que eu disse possa ser mitigado com um copo de chopp, não é nada disso. Mas que vai bem, vai, não é?
Um grande abraço meu velho.
Altair
Por Marco Pires
Muita gente fez diversas interpretações sobre este filme. Mas há uma hegemonia de opinião que tende para a idéia síntese de um artigo publicado na Zero Hora.
Nele uma psicóloga faz do filme um estudo de caso sobre psicopatologia, a psicose, como ela explicita em seu texto. Termina fazendo um alerta para as mães desavisadas que podem estar criando filhas que não saibam lidar com seu "cisne negro".
A conversa do Altair e do Gustavo evoca reflexões para as as quais a maioria das pessoas não chega nem sequer a imaginar. Um diálogo de intensidades profundas ou de alturas inatingíveis. A idéia do Altair de saída honrosa para a loira gelada porque afinal se estava a avaliar anéis para pescoços me divertiu muito.
Acima de tudo fez o diálogo dos dois não parecer tão distante da impressão que o balconista da farmácia que frequento (que sem cerveja ou alguma química lícita ou ilicita, ninguém aguenta) fez questão de me externar, meio assim do nada:
– Pensei que era uma coisa e nem cheguei a entender o que de fato era. Um filme triste e meio incompreesível.
Daí que vale mesmo essa máxima da arte: podemos sentir algo algo a respeito do que dizemos ser incompreensível. Doce equivalência, esta que dá a toda a opinião um peso respeitável.
Todo este debate sobre a resenha do Altair rendeu certamente duas coisas. Primeiro, entregaram muito da história para quem não viu o filme e leu os comentários todos. Inclusive o final do filme, se não estou enganado. Em segundo lugar colocou o post entre os mais comentados da história da RHS.
Pelo nível, elegancia e humor, valeu a pena.
Um forte abraço!
A elegância também é a tua marca.
Fico preocupada com falas como essa: "o cara da farmácia não entendeu nada…etc." Talvez a questão seja não entender mas, ao contrário, poder se despir do entendimento que nos cega. Fazer um corpo sem órgãos é também justamente isso! Sair do entendimento para experimentar…Essas potências habitam todos os seres, são dimensões pré-individuais ( como bem disse o Altair ) que nos tomam ou não. São potências coletivas quase sempre esmagadas por subjetivações que nos roubam a vitalidade e o prazer de viver.
Falo como se soubesse de muita coisa, mas tenho cá as minhas batalhas contra as pequenas mortes que os poderes nos impõem!
Sempre bom ouvir e falar com caras como vcs!
Iza
Por Marco Pires
Meu conhecido levou a esposa para ver o filme. pensou em um roteiro romântico e agradável. Ficou decepcionado.
Mas também foi tocado profundamente pelo filme. E pode dizer (meio assim, do nada, já que quem trouxe o assunto foi ele, na hora em que me entrgava o troco) que o filme era triste – uma interpretação precisa. Mas, com mais coisas e significados que ele deu por incompreensíveis.
Enfim, uma opinião que foi além do clássico "achei o filme um abacaxi" que ouvimos de outras pessoas na saída da sala de cinema. Uma legitima desobjetivação, em minha opinião. Poder expressar algo além das definiçõe padronizadas para um programa de casal que deve ser incomum na faixa de renda dele e que não deu tão certo.
Tê-la por aqui é também um prazer. Um forte abraço!
Abraço
Gustavo
Não entendi muito bem o diálogo, mas será que posso por a minha colher?
Uma singularidade, fazer para si um corpo sem órgãos é a coisa menos individual possível. Não sei se a coisa foi por aí. Se não, me desculpem!
Concordo que as leituras são muitas e é o que tenho ouvido por aí sobre o filme.
Iza
Triste foi ver mais uma vez a beleza da vida traduzida como vontade de morte! Assim foi o show de horrores das interpretações mais divulgadas de “Cisne Negro”: ”O filme adverte sobre o perigo da bulemia, da anorexia, da competição e da Esquizofrenia”
Por favor! Tudo tem que ser reduzido na Coitadinha… Pobrezinha… Vítima inocente do “sistema”?… Ah!
Achei o filme brilhante!
Eu vi no filme uma homenagem à vida! A morte do medo e da esperança no sentido espinozano! O fim da imaginação no ápice da alucinação! A libertação daquela que, embora mergulhada num mundo de impotência, percebe a vida sempre a espreita e luta para se deixar tocar por ela. Prudência não é proteger a vida com a morte e o medo. Prudência não é para coitados e medrosos! É uma função de saúde.
O efeito de outrem nos coloca no mundo, produz agenciamentos. O agenciamento mãe, o agenciamento diretor, o agenciamento unha, o agenciamento dor, o agenciamento tesão… o efeito de outrem.
Para quem acredita que há bem e mal que antecede o mundo e as relações, a mãe é louca e má, o diretor é um calhorda, os outros bailarinos são competidores insanos. Assim só pode haver ressentimento e nada de ‘bom’ pode ter proveito dessas relações, senão a vitimização da inocente, que enlouquece e se martiriza e espera a salvação… porque tem o coração puro e é vitima de lobos maus. Se você for por aí… senta e chora… Já que imaginar nunca é demais.
Mas a bailarina luta para ligar-se a sua potência. Ela quer, apetece a vida. A vida ativa. Para isso busca novos agenciamentos e modifica o modo como se liga aos velhos. O diretor-mordida-boca a lança em outros territórios; da mãe-louca-fracassada livrar-se; o bem e o mal não estão do lado de fora, mas no corpo, no encontro. O devir cisne-negro, o devir cisne-branco, o devir bailarina-perfeita, o devir bailarina-inocente, o devir-lésbica permitem deslizamentos de um território ao outro, desterritorializações relativas, cada vez mais exigentes, vida ativa. No ápice, quando se surfa um devir, pode-se chegar ao ultimo limite: diferenciar-se de si mesmo. O Cisne morre, porque já não pode voltar ao que era. “Não se pode ir mais longe do que isso” nos diz Deleuze. Aquele que era não pode mais voltar a ser. O que foi real naquilo tudo, o que eram fantasias e alucinações, ou os fatos, não representam absolutamente nada!
Abraços,
Gustavo Nunes de Oliveira
mais um pouco então Gustavo… talvez você devesse mudar de estação para evitar chateações e incômodos… quanto as críticas oficiais sobre o filme, não sei nada… não leria espontaneamente uma crítica sobre o filme. Só fiz isto porque estamos na redehumanizasus… Aqui não é um site sobre dança…caso contrário poderíamos já ter conversado sobre o belo filme "cerejeiras em flor"… onde realmente corpos dançam – sem música, sem penas, sem efeitos especiais e sem ninguém precisar nos avisar que "sentiu" para que possamos – isto sim é que é – imaginar que um corpo dançou… mas aqui na rede humanizasus, o que me parece importante são algumas preocupações que esta conversa poderia deixar sobre a nossa ação nas organizações:
1- a vida fora da alucinação ou mesmo dos CsO’s é uma vida menor?
2- quando se está nas " companhias de Ballet", (como todos nós estamos) com Ninas e seus diretores, deve haver algum esforço para aumentar a percepção das pessoas quanto as velhas (e novas) engrenagens de poder / saber / afetos, apostando em organizações mais democráticas? Deve haver interesse em desconcentrar o poder dos diretores de Nina ? Deve haver algum investimento na desmontagem de lógicas competitivas e dogmáticas ? Deve haver disposição para apostar nos princípios da PNH ou tudo isto seria uma pactuação com o ressentimento e com a“fraqueza” das pessoas ??? São apenas estas minhas, talvez infundadas, preocupações.
Abraço
Gustavo TC
Por Altair Massaro
Viver no mundo orgânico, na realidade psico-orgânica, e desde que sob regimes de poder, agenciamentos que separam a vida do que ela pode, exige o absoluto trânsito sob a dialética. Só seríamos intelectualmente competentes, fisicamente eficazes e moralmente responsáveis, se soubéssemos transitar com desenvoltura no mundo das dualidades e contraposições. Os “padres” de plantão sabem muito bem como nos dizer quais verdades devemos observar para sermos úteis socialmente e estas verdades, por sua vez, estão sempre muito disponíveis para nos presentear com uma consciência que sabe como nos guiar no mundo, aparentemente sem depender de ninguém. Ilusão! Ilusão de que não dependemos nem dos “padres”. Mas quando erramos o caminho, logo aparece um deles para nos oferecer, ao conforto de seus gabinetes, as soluções para nossas vidas.
É preciso romper com a consciência, desumanizar-se, atingir as forças do inumano. As dualidades, a dialética, as instituições não se prestam a isso. Só o artista é capaz de inventar novos mundos, somente as artes são capazes de construir novos pontos de vistas. Van Gogh não pinta as cores do mundo, mas o colorir-se no mundo, as virtualidades das cores. Kafka não escreve sobre as estruturas dos castelos, dos barcos ou das relações edipianas com o pai, mas das máquinas, maquinas-barco, maquinas-castelo, maquina-pai, interessa-lhe a gênese não a estrutura. Resnais não se importa em mostrar nos seus filmes a sequência do tempo, a flecha consciente do tempo, mas antes, a coexistência e simultaneidade do tempo, o tempo puro. Só as artes criam novas monadas. Não qualquer arte, mas aquelas ligadas a pura potência, ligadas aos devires.
Não basta, então, redistribuir o poder. Não basta trocar as instituições. Sob os regimes de dominância, a minoria sempre irá lutar para ocupar o lugar das maiorias. Conformar o poder ainda nos mantém sob os mesmos signos. Trata-se, então, de intensidades. Novas maneiras de fazer passar as intensidades. Ah, como a arte inventa novas maneiras! Mas pouco nos ocupamos delas e quando o fazemos, por vezes, só vemos o mesmo.
Eis os perigos do cuidado. Atribuir condições de vida ao outro, por mais que pareça estar no campo da solidariedade, pode ser a mais vil forma de desonestidade, como diz Isis com muita propriedade. Interpretar a vida e imprimi-la a outros, compaixão e piedade, só nos coloca sob o mesmo regime: poder, nada mais! Dever ser, pura moral. E não há, de maneira nenhuma, vitimas neste processo. Somente o fraco pactuado ao fraco. Nietzsche: “gregariedade das ovelhas”.
Diferente é aliar-se ao outro. Produzir alianças. Alianças que produzam potência, no outro e em mim. Entretanto, é preciso observar que só há aliança se transcendermos a imaginação, se formos capazes de inventar novos meios que ultrapassem a opinião, o senso comum e o bom senso. A primeira aliança, talvez, seja com a arte.
Por Rejane Guedes
Caríssim@s.
Os comentários desse post são de uma riqueza teórico-conceitual-prática que me animaram para ir ao cinema.
Antes do filme interpretei as palavras do Altair- em relação ao filme – como uma relação do que aparentamos, do que pensamos parecer, do que podemos parecer, aproximando a questão do cisne e do patinho. Creio que essa analogia pode até valer para outras abordagens e mantenho a pergunta: – Será que podemos ‘dançar’ esse balé no SUS?
Concordo que, para entender o que é humano, é preciso entrar em contato com o "não-humano". A Nina precisou SENTIR as penas crescendo em seu tecido corporal disciplinado para que a espontaneidade/sensualidade lhe permitisse deixar fluir o black swan. Ai concordo com o Altair, que essa é uma experimentação muito parecida com o teatro de Artaud.
De certo modo, fazemos isso em certas ocasiões de nossas práticas pela vida afora. Nas palavras de Antonin Artaud:
"… hão de ver meu corpo atual, voar em pedaços e se juntar sob dez mil aspectos diversos. Um novo corpo no qual nunca mais poderão esquecer.
Eu, Antonin Artaud, sou meu filho, meu pai, minha mãe, e eu mesmo.
Eu represento Antonin Artaud!
Estou sempre morto. Mas um vivo morto, Um morto vivo.
Sou um morto Sempre vivo.
A tragédia em cena já não me basta. Quero transportá-la para minha vida. Eu represento totalmente a minha vida."
Ouso dizer que nossas escolhas interpretativas refletem nossos momentos e toda uma filiação às escolhas que fizemos e fazemos ao longo de nossa trajetória (o que é mais do que óbvio) .
Com isso, parabenizo aos comentadores que alimentam a fogueira do pensar com muita pertinencia argumentativa e muito respeito ao pensar do(s) outro(s).
Nesse tesouro precioso que é esse post (vou chamá-lo de ‘recanto’ de Encontros e Experimentações) encontro um PORO que está gotejando suores com muitas composições.
Estou curiosa para descobrir as intensidades dessa ‘afecção’ em outros leitores …
Altair, Iza, Marco, Gustavos (Tenório e Nunes), sou fã de carteirinha desses saraus atemporais que estão acontecendo por aqui. Vocês são interlocutores FANTÁSTICOS!!!!!!!
Saudações atemporais. Re.j.e.
Teu comentário é lindo, Re.j.e. Lembrar estas palavras de Artaud é dar a dimensão do vivido por ele como corpo-sem-órgãos. Uma coisa indiferenciada, anterior à qualquer formatação, rica em mil viveres de coisas opostas até. Se eu falar mais vou empobrecer o que ele diz.
grande beijo
Iza
Arrasou Altair. Penso que ficou mais claro para o povo que não está em contato mais direto com essas idéias.
Penso que os "padres" de que vc fala não são mais somente os especialistas e que a função pastoral está cada vez mais insidiosa. Não precisamos mais consultar um especialista para que nos diga o que fazer com a nossa vida "desviada". Qualquer pessoa está se tornando uma porta-voz das "verdades" e fazendo um trabalho de vigilãncia sobre o outro.
Mas a alegria é ver que há também um movimento de resistência do vivo à todas essas injunções. Movimento que não vai contra mas justamente conecta, põe ao lado, faz ligações ( erotiza ). E o campo ou o plano da saúde é cheio de exemplos de funcionamentos que provocam estranhamentos por não se enquadrarem na organização estereotipada.
Eu, por exemplo, estou adorando essa intensidade de ligação que traz à tona tantas belas discussões.
Como dizem as "transbordantes" ( L@s Transbordantes ):
amo vocês!!!!!!!!!
Iza Sardenberg
Altair,
Preocupações pertinentes então… Mas é carnaval… A alegria é a prova dos nove, dizia o velho Oswald, mas pode ter sido o balconista da farmácia… (vou me esfoçar para chegar um dia na precisão do balconista: "filme triste" e ponto. Disse tudo!). Palmas para ala dos filósofos, abre aspas para o Guattari e o Deleuze e adeus "Cisne" (El tratado de Patologia Institucional e moral Cristã,):
Desfazer o organismo nunca foi matar-se, mas abrir o corpo a conexões (…) e se acontece que se tangencie a morte ao se desfazer do organismo, tangencia-se o falso, o ilusório, o alucinatório, a morte psíquica ao se furtar à significância e à sujeição. (…) Não se atinge o CsO e seu plano de consistência desestratificando grosseiramente.(…) Liberem-no com um gesto demasiado violento, façam saltar os estratos sem prudência e vocês mesmos se matarão, encravados num buraco negro, ou mesmo envolvidos numa catástrofe, ao invés de traçar o plano. O pior não é permanecer estratificado — organizado, significado, sujeitado — mas precipitar os estratos numa queda suicida ou demente, que os faz recair sobre nós, mais pesados do que nunca. (…) Por isto o problema material de uma esquizoanálise é o de saber se nós possuímos os meios de realizar a seleção, de separar o CsO de seus duplos: corpos vítreos vazios, corpos cancerosos, totalitários e fascistas. A prova do desejo: não denunciar os falsos desejos, mas, no desejo, distinguir o que remete à proliferação de estratos, ou bem à desestratificação demasiada violenta, e o que remete à construção do plano de consistência (vigiar inclusive em nós mesmos o fascista, e também o suicida e o demente)”. Do mil platôs num 3
Por Altair Massaro
Eu aconselho fortemente que leiamos Deleuze na intensidade de Deleuze e não na forma de Kant.
Caro, não se trata de “dever ser”, mas de Devir. Capitalismo e Esquizofrenia, a Ética e tantos outros livros não são manuais. É preciso se colocar no pensamento, no fluxo que ali jorra. Se ficarmos presos à sua forma, seu aspecto intelectual, pouco do que ali se produz apreenderemos.
Não me parece que as artes percam tempo em construir CsO fascista ou canceroso, exceto para denunciá-los. E não entendi isso no filme em questão. Vi a passagem de uma intensidade cujo corpo organizado jamais daria conta. A morte foi somente resultado da insuportabilidade do que se punha no psico-orgânico, liberando as forças que pressionavam de dentro. Pode-se, evidentemente, tornar-se trapo: o drogado, o etilista, o masoquista, o hipocondríaco, o esquizofrênico podem mesmo ir para estas fendas. É o risco da imprudência.
É possível que seu ponto de vista esteja mais próximo de um determinismo, ou intencionalidade finalística, até mesmo do autor e personagens. Mas como produzimos rizoma? Não seria entrando pelo meio e dando novos sentidos? Construindo novos conceitos? Conceito não como uma idéia que se adéqüe a uma verdade e a um acontecido. Falo sobre novos devires, novas invenções. Só se pode criar, querido amigo, no pensamento. Nada se cria no fato, nas verdades consolidadas e conformes, apenas se representa.
Leiamos Deleuze, Spinoza, Bergson, Epicuro, até mesmo Kant e Platão, mas pelo pensamento, não pelo intelecto e pela representação.
Altair
A prosa tá muito boa. É interessante ver a produção de idéias e afetos ( melhor seria dizer "afecções" ) em torno deste filme e do post do Altair. Vi também a mesma intensidade fluindo em outros "pedaços" por onde circulo nas discussões a propósito do filme.
Gustavo Nunes transborda em afirmacão de potência. Bebi e adorei as tuas palavras! Bela análise.
Gustavo Tenório levanta uma questão importante: a necessidade de explicitarmos melhor as idéias de Corpo sem órgãos e organização. Para que não se perca a potência destas ferramentas conceituais.
Iza Sardenberg
Por Rejane Guedes
Bom dia car@s participantes dessa rede que integra e acelera sinapses.
Trago uma experiência vivida por mim no inicio desse carnaval, para mostrar que, como disse Nelson Rodrigues: [Nem sempre] "o óbvio é ululante" …
No sábado, precisei levar minha tia ao hospital oncológico, pois, como consequencia do tratamento quimioterápico que faz há 3 meses, estava apresentando febre. Foi um sábado de carnaval bem diferente do que eu pretendia…
Lá chegando lembrei muito do Artaud, do Deleuze e do Guattari. Também lembrei do Altair Massaro, da Iza, do Roberto Machado e da ‘Nina’ (Black swan).
Sabem porque? NO HOSPITAL EXISTE UM CsO .
O que, em nosso vocabulário conhecemos como corpo-sem-órgãos, para eles representa o Centro de suporte oncológico. (Risos!!!)
Enquanto esperava, comecei a ‘comparar’ os termos de siglas homônimas e constato que :
-O CsO do hospital não é um corpo-sem-órgãos e sim um CORPO QUE TRATA DE ÓRGÃOS.
Esse Corpo é a equipe de plantão, com várias modalidades funcionais, motivacionais, interacionais.
Qualquer dia desses comentarei impressões sobre essa aventura pelos caminhos protocolares dos tratamentos hospitalares.
Saudações em busca de equilíbrio energético para lidar com situações que não gostaria que estivessem acontecendo.
Rejane.
Por Rejane Guedes
Caro Altair, sua resenha/sugestão para esse filme chega em um momento no qual exercito a ‘torção’ do pensamento sobre o pensamento.
Procurarei assistir para aprender mais com a personagem.
Em nossas práticas cotidianas transparecemos nossas porções que julgamos/escolhemos serem convenientes e/ou pertinentes, mas o ‘outro’ lado (ou seriam outros lados?) pode (m) assumir a cena a qualquer momento…
Enquanto escrevo esse comentário lembro-me de algumas situações nas quais os trabalhadores da saúde tentam ser os cisnes brancos, mas acabam representando os patinhos feios. A esperança é a metamorfose do pato, que era na verdade um majestoso cisne.
Será que poderemos dançar esse balé em nosso ‘lago do SUS’ ?
Saudações dançantes. Rejane.