Lúcia Souto, que trabalha na organização do evento que começa no domingo, celebra o sucesso da participação social em sua construção. Para ela, é momento crucial para assegurar a agenda democrática do novo governo Lula.
A ser realizada entre 2 e 5 de julho, a 17a Conferência Nacional de Saúde acontece num clima similar ao da 8a, ocorrida em 1986, logo após o fim do regime militar e que pavimentou as diretrizes do que viria a ser o Sistema Único de Saúde. Ambas carregam uma euforia pelo fim de um período não só autoritário politicamente, como nefasto na vida da população em termos objetivos. Miséria, desemprego e fome são temas centrais a incidir na governança do país, mazelas que se apresentam concretamente nos estabelecimentos de saúde brasileiros.
Desta vez, respira-se um clima de apoio social inédito ao SUS, o que se reflete não só na imensa quantidade de delegados que farão parte das atividades como também em seus preparativos e demandas. Foram centenas de conferências municipais e estaduais, com diversos temas que pela primeira vez chegam à Brasília na forma de propostas de novas políticas.
Lucia Souto, militante histórica da construção do SUS, membro da comissão organizadora da Conferência, considera que estamos testemunhando o nascimento de “uma nova geração de políticas públicas”. Ao Outra Saúde, ela explicou toda a complexidade do momento e sua representatividade na efetivação da democracia.
“É a primeira grande mobilização da sociedade após a vitória do presidente Lula”, celebra, enquanto reconhece o esforço da organização em realizar um grande encontro. “Houve mais de cem conferências livres e isso mostrou uma mobilização inédita da sociedade brasileira, onde se agregaram temas desde a questão de cuidados paliativos, saúde mental, saúde da população negra, das populações quilombolas, da população rural, da mulher, da população LGBTQ+, direito ao envelhecimento, de pessoas com necessidades específicas, uma imensidão de temas”.
Mesmo para quem tem experiência nas construções e ritos políticos do setor, trata-se de um momento excepcional, um contexto que coloca diversas responsabilidades sobre os ombros daqueles que prometeram reconstruir o Brasil. “Está no mesmo patamar de nossa luta histórica pela Constituição de 1988 e sua finalidade de assegurar a qualidade de vida, porque a saúde, para além de tudo, é uma política pública fundamental de distribuição de renda”, sintetizou Lucia.
As atividades, que serão realizadas no Centro Internacional de Convenções do Brasil, em Brasília, terão início neste domingo e encerrarão na quarta-feira. Lula estará presente em sua cerimônia de inauguração e reencontrará uma série de atores políticos que protagonizaram a Conferência Livre Democracia e Saúde, organizada pela Frente pela Vida e realizada em 5 de agosto de 2022, que pode ser tida como marco inaugural do processo que culmina na capital federal.
Lucia Souto, membro do Conselho Nacional de Saúde e ex-presidente do Centro Brasileiro de Estudos em Saúde (Cebes), reivindica tal momento como crucial não só da reconstrução do SUS como da própria vitória eleitoral. “Tiramos diretrizes fundamentais como a saúde como direito e não mercadoria, a necessidade de uma rede de atenção integral para políticas de cuidado e bem-estar, saúde como eixo estratégico de desenvolvimento – uma novidade nas elaborações apresentadas à sociedade, não só pela lógica do complexo econômico industrial do setor. Também pela lógica de que saúde é um bem público e, portanto, um eixo estratégico que pode não só assegurar soberania e segurança sanitária ao país, mas também ser um vetor importante de garantia de políticas de bem-estar e cuidados na sociedade brasileira, além de gerar trabalho e renda de qualidade. A saúde é realmente um eixo estratégico para esse novo momento da sociedade brasileira”.
Para ela, são tais visões, que incidem sobre o papel do Estado, que seguem em disputa, como se manifestou nas movimentações do bloco político do “Centrão” – corresponsável direto pela tragédia da pandemia – em torno do cargo da ministra da Saúde, Nísia Trindade.
“Nossa leitura”, expõe Lúcia, “é de que se trata de um terceiro turno. A eleição absolutamente gigantesca do presidente Lula para a presidência da República não foi nada trivial. O que está em disputa, portanto, é o próprio governo Lula. A agenda que ganhou as eleições precisa ter força social e política para prosseguir. E estamos vendo aí o Banco Central sabotando a política econômica, ao se recusar a derrubar a taxa de juros, sem nenhuma base na realidade concreta. É um embate que será cotidiano, o que só ressalta a importância da 17a”.
No fim das contas, estamos falando do embate entre a democracia e a barbárie. E a Conferência Nacional da Saúde terá a chance de mostrar à sociedade que seus temas são estruturantes de uma democracia real e duradoura.
LINK: Entrevisata com Lucia Souto – Outra Saúde
AMANHÃ VAI SER OUTRO DIA!