A minha amiga… Mais próxima a mim, depois de mim.
Muitas vezes ao longo da vida ela vem e se senta… E, ela diz: – A infância acabou, você vai sair de casa, você vai se separar, você vai casar de novo. Dessa vez você passa no vestibular, no concurso…
Você trabalha e de repente se vê numa carreira, numa vida que passa e se aproxima de algum incerto fim. Você vai se aposentar. – Você vai morrer, ela diz, entre uma década e outra, mas eu estou aqui. Estarei à espreita e você vai me ver sempre que quiser. Como uma velha amiga, sei me fazer despercebida. Quando acabar, vamos junto, ela diz. Memento mori, eu me digo, tentando aceitar seus gestos de amizade…
Então, finalmente, mas não tarde demais, eu entendo. A amiga não vai me tirar um único segundo de existência. Toda e qualquer força que eu tenha, em cada instante que eu estiver vivenciando, ela jamais irá tocar. Ela estará sempre por perto, esperando.
Quando de um jeito ou de outro, eu não tiver mais forças, quando minha sede de viver, finalmente, estiver saciada, quando eu não tiver nenhum instante para fluir com vitalidade, ela me acolherá em seu abraço frio, me guiará pelo abismo silencioso de uma paz e plenitude externa ao tempo.
Ao tentar encontrar a resposta sobre o sentido e o valor de minha existência, tive a companhia de minha amiga como guia, na epopeia de buscar em vida, pela vida. Descobri que os preconceitos de nossos modos de vida, de nossas “verdades” absolutas, das convenções e conchavos em torno de crenças compartilhadas, existem muitas e incontáveis alegrias.
Mas, tristemente, nós às vivenciamos, as verdadeiras alegrias da vida, apenas nas distrações, no distrair-se, no deixar-se escorregar para fora das convenções e parar de trair a vida, (des-trair-se) no embalo fluido das alegrias. A verdade que minha amiga me lembra a cada instante, por fim me vem a consciência:
- Foi quando eu deixei, por enlevo e acaso, de pensar em riquezas monetárias;
- Quando o meu valor silenciou, desavisadamente, do hábito de me humilhar em comparações e arrogâncias;
- Quando me esqueci de tentar me justificar, simplesmente beijando meu amor ou tomando meu filho em meus braços;
- Somente por distração é que a vida valeu a pena.
E, em todos esses momentos, minha amiga esteve inerte, presente, mas como se ausente. Ela não me tirou nenhuma migalha da vida que tive para viver. Fui eu, que crente, só vivi quando me distraí das crenças e me aferrei à vida, pela sorte de não ter passado o tempo todo a fugir ou tentando superar essa amiga.
Não sei quanto tempo ainda antes de nos irmos juntos daqui. Mas estou pronto para acolher o que ela poderá fazer por mim. Acima de tudo, sei que foi por estar atento aos momentos em que ela saiu daquela sombra piedosa em que costuma se manter, e se deu ao meu olhar, é que aprendi a não temer nem a ela, nem a vida.
Obrigado, sem você, minha amiga, eu jamais teria sabido viver consciente de minhas dores e alegrias.
Marco Antonio Pires de Oliveira
06 de novembro de 2024