O Anti-taylor
O anti-taylor
No texto de Gastão vemos a descrição de um método de gestão inovador que se propõe a conjugar eficiência e democracia. Buscando separar o egoísmo e narcisismo que impregnam os conceitos de auto-gestão, se apresenta uma alternativa que autor chama de uma co-gestão. Nesta forma de gerenciar as ações de saúde o eixo orientador da articulação dos saberes não é mais a mera fronteira que define competências peculiares de cada profissão, mas sim o objetivo global da ação de saúde.
É à realização de um trabalho em equipe, planejado tecnicamente e voltado para o interesse do usuário e da saúde pública que estão subordinadas as articulações operacionais das diversas profissões que se ocupam da saúde. Ou seja, quando atendido por um serviço bem gerenciado o usuário não está submetido às conveniências de organização das diversas áreas de saber envolvidas no trabalho de promover, manter ou recuperar sua melhor condição possível de saúde. Seremos nós, trabalhadores, em nossas diversas formatações institucionais e nos vários dispositivos de atenção que vamos tecendo em redes de atenção que temos a responsabilidade de nos organizarmos para a atenção qualificada ao cidadão.
Aqui neste ponto gostaria de acrescentar uma reflexão a respeito da legitimidade de nossa subordinação ao usuário e do tipo de autoridade que vejo como inerente à condição de cidadão. Ser contribuinte é uma faceta da identidade de qualquer indivíduo. É algo inerente à condição de qualquer ser humano: todos somos, em maior ou menor medida, contribuintes no sentido em que somos consumidores de algum bem ou produto que nos mantém vivos. Pois assim é que considero que é do cidadão comum em sua condição coletiva que emanam o conjunto dos recursos materiais e financeiros que sustentam o sistema de saúde, ou dito de outra forma, nossa estrutura de trabalho e nossas existências como trabalhadores da saúde em num certo sentido.
Explico: A produção de condições da vida e de sua afirmação, só é possível, no que concerne ao cuidado sistemático em saúde, se a coletividade produtiva puder prover a reserva material capaz de sustentar a atividade que realizamos. Os 500 milhões de reais repassados pelo Ministério da Saúde para gastos com saúde em Porto Alegre neste ano, têm que ter sido auferidos a partir de um acordo tácito de que a sobrevivência individual imediata do contribuinte está assegurada. Tão assegurada a ponto de permitir uma reserva de tal porte para cuidar da parcela da sociedade que necessita de algum tipo de atenção. Basta vermos as planilhas de gastos para notarmos que o maior gasto segue na direção do maior risco e não da prevenção, ou seja, é a vida em risco imediato que se visa garantir com o investimento que se efetiva.
Podemos observar que se gasta com alguns poucos pacientes, de transplante, ou com câncer, por exemplo, mais dinheiro do que a maioria dos contribuintes irá ganhar ao longo de várias décadas de trabalho.
Pode se argumentar que estes tratamentos mais caros, como nos casos de transplantes ou de oncologia, com resultados modestos em termos de sobrevida, são como investimentos em mais segurança e qualidade de vida para as futuras gerações já que é assim que temos conquistado avanços nas técnicas e recursos para tratar, manter e promover a saúde.
Mas ainda assim, este montante de gastos com a segurança dos adoentados ou com a saúde das futuras gerações requer o acordo implícito de que temos certa garantia em relação às condições de sobrevivência imediata da maioria da população, mesmo que os riscos tenham uma distribuição, evidentemente, muito desigual de acordo com a classe social em que se esteja situado.
É desta forma que vejo que a soberania sobre o sistema é da coletividade que acumula os recursos que nele são investidos. Democracia na gestão é, portanto, como afirma Gastão, uma maneira de efetivarmos o cuidado que é esperado em função do investimento que a coletividade faz. Assim, a realização profissional que se pode ter está em buscar aceitar conscientemente o desafio que está implicado em tal investimento coletivo.
Acredito que para não sermos alienados em nosso trabalho temos que conhecer a aposta que é feita em nossa condição coletiva de trabalhadores da saúde e nos lançarmos a realizá-lo, tendo como juízes finais do resultado de nossa empreitada aqueles que nos contrataram. É um jogo de espelhos em que em determinados momentos seremos os cuidadores e em outros os cuidados. Uma condição não elimina a outra e nem mesmo os dois papéis se sobrepõe, se não que, coexistem permanentemente.
Bem, se concordarmos com uma lógica que nos coloca em certa medida como depositários de uma aposta coletiva na promoção de saúde integral e universal, temos que pensar quais modos de gestão podem nos ajudar a realizarmos a dimensão íntima, pessoal, e a dimensão coletiva nossa missão.
Vamos continuar afirmando um sentido do fazer saúde que implica em formas de gestão coerentes com o sentido que emana dos princípios da integralidade e universalidade das ações de saúde. Temos, então, uma perspectiva de produção de saúde que ao ser praticada vai acumulando sentido e legitimidade. Será uma forma de fazer que já terá decido do pedestal dos desejos para a arena da crueza visceral do dia-a-dia. Acho que esta é a única forma de se mudar a gestão.
Qualquer modelo de gestão é sempre auto-explicativo só faz sentido na prática. Emana de uma concepção, ou visão de mundo que é subjetiva e se incorpora em modos de fazer. O taylorismo só foi teorizado detalhadamente depois de estar em pleno uso prático. Com a co-gestão será assim também em minha opinião.
Por Leonardo Menezes
Marcos, parabéns pelo texto, muito bom mesmo, esclarecedor, conclusão lúcida de quem reflete maduramente sobre o tema meus parabéns mais uma vez. Grande abraço.