Amamos a luta. Detestamos o Tédio. Ansiamos pela Paz.

13 votos

 

O que é realmente novo nestes movimentos recorrentes, em que parte da sociedade sai as ruas com apoio da maioria é a organização simultânea e a multiplicidade de atores. O mantra de que este ou aquele, isso ou aquilo não me representa, dá conta de um anseio por protagonizar diretamente a cena política. A Revolução Francesa não foi a primeira, mas ela deu impulso a muitas outras revoltas e os pensadores responderam com o Iluminismo e depois com o Humanismo na forma de Estados Democráticos de Direito. Ou seja, a equação da representação política se consolidou. A representação sempre teve problemas, mas não havia alternativa melhor a ela. Hoje a tecnologia captura e apresenta instantaneamente o humor das massas. Cada um fala por si mesmo e a soma estatísticas dá novos contornos ao que chamamos de opinião pública ou senso comum.

Então, este pode ser um momento de ruptura com a democracia representativa e a institucionalização dos impulsos humanos de criar e de destruir. Se for, ele é decorrente da crescente perda do mundo do trabalho. Os artefatos estão nos substituindo. O desemprego e a aparente irrelevância existencial entre jovens representa um recuo do humano frente as híbridos que eles estão fazendo emergir. Hoje a maioria de nós está ocupado em trabalhar para servir, cuidar ou divertir outros humanos, como alguns observadores já perceberam.

Uma simultânea demonstração de que as coisas não podem continuar como estão, pode ser menos um desejo e mais uma constatação desesperada do inconsciente coletivo. Por mais que reivindiquemos, o vazio de seres definidos pelo que possuem ou consomem, está enfim, a consumir nossas identidades. Estamos nos reduzindo a função de consumidores, um imenso rebanho pacífico e ordeiro. É assustador que nossas complexas identidades cedam lugar ao reducionismo ecoterrorista do consumismo. Esta pode ser uma tendência, um desejo dos poderosos ou uma alucinação. O certo é que os humanos jamais serão um rebanho. São tanto cordeiros, quanto lobos.

A potência destrutiva e a ira de parte dos manifestantes pode ser um sintoma desse desespero diante da precariedade dos sentidos existenciais. Vivemos num mundo em que as necessidades humanas vitais vão dando lugar a paixões humanas limitadas ao ócio e ao regime controlado da liberação dos extintos. Se é verdade que a revolta coletiva sempre foi precedida de uma sensível melhora nas condições de vida, podemos apostar que estas manifestações são festivais que exorcizarão o pavor diante do tédio oriundo de uma vida desprovida de sentido.

O caso é que não podemos mais colocar uma única classe social no lugar de uma bandeira unificadora da redenção humana. Neste momento, em que moradores de ruas sofrem de obesidade e diabetes no mundo desenvolvido e em desenvolvimento, a urgência é simbólica. A polifonia das vozes é confusa e a confusão é a própria condição de que queremos nos aliviar. O mundo está mudando rapidamente e o que se pode fazer para educar um filho de acordo com o mundo atual é mudado a cada cinco anos. O contemporâneo é instantâneo. O próprio passado de fome e miséria no terceiro mundo é atualizado na esteira dos estados falidos e cronicamente inviáveis.

No início do século XX uma onda de otimismo, fé no progresso, na redenção e realização dos ideais iluministas precedeu o naufrágio do Titanic e as duas grandes guerras. Estas convulsões, paradoxalmente, fizeram as mudanças tecnológicas se acelerarem ainda mais. Entre a decolagem do primeiro avião, a explosão da primeira bomba atômica e a chegada do homem a lua não se passaram mais de sete ou oito décadas. O século XXI começou com um espetáculo midiático maior e mais impactante para as pretensões humanas do que o naufrágio do Titanic: A queda das Torres Gêmeas em 11 de Setembro de 2001.

Entre o início das manifestações dos jovens contra o aumento do valor das passagens no transporte público de Porto Alegre e sua disseminação pelo mundo, somando-se ao processo interminável da Primavera Árabe, um incidente chama a atenção: O soldado Bradley Manning, veio a público denunciar Agência de Segurança Nacional (NSA) e FBI, pelo que parece ser o desenho de um Estado Totalitário, gestado em parceria com especialistas em TI do setor privado e em aliança com sistemas não humanos de vigilância.

Uma expectativa e uma espera atenta buscam antecipar os desdobramentos dessa onda de protestos. Ela pode submeter as novas tecnologias da informação para servirem a uma democracia participativa de humanos. Mas também podem prenunciar a submissão de humanos a uma oligotecnocracia em que uns poucos humanos usem a tecnologia para exercer uma vigilância totalitária sobre o restante da humanidade. Um mundo diferente está sendo gestado nos laboratórios das grandes empresas globais e nas ruas. Eles são antagônicos e complementares. A reação a um, será parte da produção do outro.

Quem viver, verá.