Manifesto do dia 25
Compartilho importante manifesto pelo dia internacional da mulher negra
O Dia internacional da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha significa um grande avanço da luta contra o preconceito e discriminação racial. Esta data, 25 de julho de 1992, foi criada durante o I Encontro de Mulheres Afro-Latino-Americanas e Afro-caribenhas, em Santo Domingos, na República Dominicana. Estipulou-se que este dia seria o marco internacional da luta e da resistência da mulher negra. A comemoração de 25 de julho amplia e fortalece as organizações de mulheres negras e os movimentos negrxs, estabelecendo estratégias para a inserção de temáticas voltadas ao enfrentamento do racismo, sexismo, discriminação, preconceito e demais discriminações vivenciadas cotidianamente pelas mulheres negras. É necessário dar visibilidade à luta protagonizada pelas mulheres negras, por meio de ações, da promoção da igualdade e da valorização do debate sobre o reconhecimento e construção da identidade da mulher negra no Brasil.
O dia da mulher negra marca uma grande conquista na discussão relacionada às questões raciais envolvendo a nós, mulheres negras, historicamente silenciadas, invisibilizadas e inferiorizadas perante o racismo, machismo e o sexismo. Buscamos ampliar nosso debate e denunciar à negação dada as nós, mulheres negras, bem como questionar as posições sociais que nos foi imposta pela dominação do Homem, branco, heterossexual e cristão. Mesmo diante a importância da data na valorização da luta pelo protagonismo da mulher negra, os movimentos feministas brancos tratam a data como secundária diante as outras reivindicações, tornando a luta “colada” aos movimentos de mulheres negras e movimentos negros e a seus sujeitos, como se só estes fossem responsáveis pela luta anti-racista. Acreditamos que a luta pela garantia do Estado Laico é legítima e deve ser pautada, mas não se sobrepõe a luta da mulher negra, elas se complementam.
O Movimento Feminista esteve presente nas lutas pelo fim das desigualdades e pela valorização das identidades, por justiça e democracia, obtendo importantes conquistas na política brasileira nos últimos anos. Embora essas conquistas sejam significativas, os movimentos feministas de mulheres brancas apresentam práticas contraditórias ao desconsiderar a questão racial em interlocução às questões de gênero como um problema estrutural que necessita de visibilização urgente. É necessário compreender as especificidades da luta dos movimentos de mulheres negras para que avancemos no reconhecimento das diferenças, observamos que os movimentos feministas tradicionais têm reproduzido o “imperialismo cultural” e, muitas vezes, adotado práticas elitistas e discriminatórias, bem como tem utilizado as “mulheres oriundas de camadas populares” como “massa de manobra”, mantendo-as em condição de subalternidade constante, não promovendo uma luta emancipatória pela construção da identidade.
Compreendemos que a universalização do padrão da mulher eurocêntrica, desconsidera as diversidades diferenças étnicaraciais presentes no Brasil e reforça as práticas impostas pela branquidade normativa, em que quanto mais distante do padrão do homem, branco, rico, heterossexual, menores são as garantias de cidadania. Uma das estratégias utilizadas para a manutenção do racismo é a negação e a invisibilização, estimulando assim, o mito da democracia racial e suas conseqüências na sociedade brasileira, bem como seus efeitos diante da manutenção de estereótipos atribuídos as mulheres negras.
Os movimentos feministas tradicionais não reconhecem a luta histórica das mulheres negras. Mesmo antes de existir o termo feminismo, nossas ancestrais já o exercem historicamente, subvertendo os padrões do patriarcado, sendo arrimo de família, protagonizando revoltas contra as imposições coloniais e pós-coloniais. No período da escravidão, as mulheres negras lutavam para garantir o direito de serem mães, muitas abortavam para que seus filhos não nascessem escravos. Hoje, as mulheres negras enfrentam humilhações e dificuldades diversas para garantir o acesso à saúde. Dandara, Luiza Mahin e outras guerreiras negras escravizadas já lutavam por liberdade e construíam ou lideraram Quilombos e movimentos revolucionários antes mesmo de se pensar em abolição da escravatura. Hoje, os movimentos de mulheres lutam pelo fim do genocídio da juventude negra, por melhorias no acesso à educação e saúde e demais direitos constitucionais.
De fato, reconhecemos que a imposição do patriarcado culmina na imposição de padrões, tanto para a mulher negra, quanto para a mulher branca, porém, não podemos desconsiderar que o sexismo e o machismo quanto interseccionalizados ao racismo, promovem piores condições de vivência às mulheres negras. Para que haja de fato justiça e democracia é preciso que seja feita justiça social e que esta aborde as profundas desigualdades existentes entre as mulheres latino-americanas, brancas, negras e indígenas. “É necessário que se haja um compromisso do movimento feminino com a pluralidade de identidades das mulheres existente neste, pontuando com veemência a necessidade do reconhecimento e respeito à autonomia a todos os movimentos sociais que reportam as desigualdades relacionadas à saúde, educação, para as mulheres negras do campo, periferias, vilas e favelas. Comprometer-se em acirrar o debate sobre a distribuição de renda, reforma agrária e direito a moradia, combater as violências de toda ordem, sejam físicas, psicológicas ou verbais, não compactuar através do silenciamento com o assédio moral e com os diversos tipos de discriminação sexual, de orientação e de gênero. Reconhecer a descriminalização do aborto como um direito à cidadania é uma questão de saúde pública, fomentar o direito as diversas modalidades de família e apoiar as iniciativas de parceria civil registrada. (Conferência Nacional de Mulheres Brasileiras, junho de 2002).
O movimento feminista de mulheres negras ressalta em suas pautas, que para além de serem mulheres, também somos discriminadas racialmente e isso, implica nas formas injustas de tratamento em seu cotidiano nos vários setores sociais, além da vida privada. O mito da democracia racial reforça a discriminação presente em nossa sociedade. Esconde-se por trás da miscigenação das raças, reafirmando que somos iguais, quando na verdade existem profundas contradições que devem ser amplamente debatidas pelos movimentos sociais.
Uma denúncia a se fazer tange a questão no mercado do trabalho: as mulheres negras ocupam posições e espaços menos privilegiados socialmente e financeiramente, sendo inferiorizadas tanto em relação ao gênero quanto em relação à raça. Mantidas em subempregos, as mulheres negras ainda estão associadas aos serviços braçais análogos a escravidão e permanecem excluídas do sistema educacional.
A luta pela legalização do aborto dentro do movimento feminino negro é de extrema relevância, uma vez que ocupando lugares menos privilegiados em nossa sociedade, as negras não têm acesso ao serviço médico de qualidade, nem a métodos contraceptivos efetivos que garantam a liberdade de quando e como querem engravidar. Quando precisam abortar, o fazem em condições precárias, sem o auxílio muitas vezes de um profissional da área da saúde, levando muitas dessas mulheres ao óbito.
Para além da liberdade sexual, devemos lutar também pela não estigmatização da mulher negra, que sofre com os estereótipos de hiperssexualização e inferiorização impostos pela sociedade racista, machista e sexista e amplamente difundida nos canais midiáticos de todo tipo, inclusive em livros didáticos.
Nós, mulheres negras e de periferia somos exploradas nos espaços de “diversão” da classe média, mercantilizadas em eventos e festas, onde “as mulheres são liberadas à noite toda”, onde “a menor saia entra de graça e ganha um drink”, onde “quem tem cabelo alisado, tem preferência”. Verdadeiros festivais que nos remetem ao passado escravocrata, em que nossa carne é comercializada e somos objetificadas. Ao mesmo tempo em que nas boates situadas em locais de classe média e alta, somos tratadas como produto com o apoio e consenso da polícia e do estado, nas vilas e favelas temos nossas manifestações perseguidas e combatidas, nossa cultura deslegitimada e nossos companheiros e irmãos negros, mortos pela polícia. Do contrário do que foi difundido pelo “imaginário social” historicamente, as mulheres de periferia negras nunca foram passivas as condições impostas e reivindicam cotidianamente sua liberdade, muitas vezes seu direito ao corpo por meio de expressões discriminadas e criminalizadas como o funk. Porém, sempre somos enquadradas como reprodutoras do machismo, até mesmo pelos movimentos feministas que rejeitam e menosprezam a cultura da periferia. A luta da mulher negra não se resume ao direito de vestir uma roupa curta, pois esta liberdade nós já garantimos. A nossa luta é para garantir que sejamos nós mesmas, de ter nossa estética e cultura valorizadas, assim como nossos cabelos e traços respeitados. Exigimos o direito de exercer nossas manifestações religiosas, pois somos perseguidas e estigmatizadas pela união de instituições que disseminam valores cristãos. A bancada fundamentalista e bancada a ruralista unem-se para manter-se no poder, enquanto promovem o extermínio do negro e sua cultura.
No que diz respeito à comunicação de massa, a mulher negra é invisibilizada nas mídias diversas, quando aparece reforça representações que reproduzem o estigma da mulher negra. Quando não é empregada doméstica, é a imagem da mulher com sexualidade exacerbada, com o uso de termos pejorativos: a “mulata” “da cor do pecado”, não são representadas em contextos familiares e, raramente ocupam postos de trabalho mais valorados.
São as mulheres negras as que ocupam o lugar de maior miséria na sociedade, a maioria das mulheres em privação de liberdade, somos obrigadas a ver nossos filhos terem seus direitos negados, no acesso a educação, cultura e lazer ao cumprirem medidas socioeducativas, em casa de semi-liberdade. Somos as mais prejudicadas pela exploração sexual e pelas péssimas condições que se encontram as mulheres em situação de prostituição, somos as que encontram mais dificuldades ao acessar o sistema de saúde, somos as mais agredidas pela imposição dos padrões estéticos, somos as que mais sofrem com a alienação do trabalho, somos as que mais sofrem com a mercantilização do corpo. Sempre enfrentamos os desafios, nascemos na rua. Somos negrxs, faveladas, estudantes, trabalhadoras, mães solteiras, lésbicas, bissexuais, que além de desafiar nosso lugar de subalternidade, desafiamos a sociedade etnocêntrica e burguesa. Somos negrxs livres!
– Pela instituição do dia 25 de julho (Dia da mulher negra) e dia 20 de novembro (Dia da consciência negra) como feriados municipais.
– Basta de extermínio da juventude negra.
– Pela desmilitarização da polícia.
– Pela visibilização do protagonismo das mulheres negras nos movimentos feministas e movimento de mulheres.
– Pela valorização e reafirmação da identidade da mulher negra.
– Paridade nos espaços de poder políticos e na sociedade.
– Pelo fim da precarização do trabalho.
– Pela descriminalização da pobreza.
– Políticas públicas imediatas nas áreas de educação, saúde e moradia e direito a terra.
– Pelo fim das representações subalternas impostas pela mídia à mulher negra, sua estética.
– Pelo direito de exercer manifestações nossas manifestações culturais e religiosas.
– Por políticas efetivas que visem uma educação anti-racista, anti-sexista e anti-machista.
Pela legalização da profissão das prostitutas e autonomia das mesmas.
BLOCO DAS PRETAS E COLETIVO DE ESTUDANTES NEGROS
JULHO DE 2013
Por Maria Luiza Carrilho Sardenberg